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JUSTIÇA Quarta-feira, 05 de Agosto de 2015, 17:58 - A | A

05 de Agosto de 2015, 17h:58 - A | A

JUSTIÇA / SUPOSTA VENDA DE SENTENÇA

“O dinheiro usado pelo juiz desceu do céu, como maná?”

Desembargador diz que versão de juiz Wendell Karielli “não tem pé nem cabeça”

LUCAS RODRIGUES
DA REDAÇÃO



“Uma história sem pé nem cabeça. Sem eira, sem beira, sem flor de laranjeira”. Foram essas as palavras que o desembargador Luiz Carlos da Costa usou para classificar a versão do juiz Wendell Karielli Guedes Simplicio, da 3ª Vara de Lucas do Rio Verde, que responde a Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) sob a acusação de venda de sentenças.

Wendell Karielli é investigado pelo TJ-MT por supostamente integrar um esquema de venda de sentenças nas comarcas de Vera e Feliz Natal, entre 2004 e 2007, e ter recebido cerca de R$ 539 mil de forma ilícita, por meio de 269 depósitos de pequeno valor.

Em julgamento realizado pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT) em julho (mas adiado em razão da ausência justificada do desembargador Marcos Machado), o desembargador Luiz Carlos questionou a versão apresentada pelo juiz de que as dezenas de depósitos feitos em sua conta seriam frutos de uma parceria agropecuária firmada com o pequeno produtor Divago Aguiar.

“De início é de se perguntar: porque o agricultor iria, no mesmo dia, fazer vários depósitos em quantias fracionadas em favor do magistrado? Vários depósitos de mil e dois mil, todos em dinheiro?”, duvidou.

No voto, o desembargador relatou tanto o depoimento do produtor quanto as declarações do juiz Wendell Karielli. E a conclusão foi uma só: “jamais houve contrato de mútuo ou parceria agropecuária. Os

"Teria esse dinheiro descido do céu, como se fosse uma espécie de maná? Porque não comprovou a origem do dinheiro, mesmo na remotíssima possibilidade de o mesmo estar guardado debaixo do colchão?"

depósitos só encontram uma justificativa, que é despistar os órgãos de controle ou romper o elo entre os valores exigidos e os depositados em sua conta corrente”.

Um dos motivos que levou Luiz Carlos a seguir este entendimento foi o fato de o juiz Wendell Karielli ter demonstrado, no interrogatório, não possuir quase nenhum conhecimento sobre o suposto negócio firmado e, menos ainda, sobre o histórico do agricultor a quem teria emprestado R$ 100 mil.

“O magistrado sem qualquer conhecimento anterior sobre o agricultor, lhe dá uma pequena fortuna, sem qualquer documento, além de um contrato verbal de parceria agropecuária? Onde o magistrado guardava essa elevada soma, já que tal montante deve ter sido entregue em moeda corrente? Já que tal empréstimo não foi feito pela conta nem com cheque?”, questionou.

Luiz Carlos avaliou que, se o valor fosse oriundo do salário do juiz, haveria algum comprovante de que Wendell Karielli sacou a quantia para emprestar ao agricultor, uma vez que o Tribunal de Justiça paga os salários por meio de depósito em conta.

“Teria esse dinheiro descido do céu, como se fosse uma espécie de maná? Porque não comprovou a origem do dinheiro, mesmo na remotíssima possibilidade de o mesmo estar guardado debaixo do colchão?”, criticou.

As respostas “genéricas” dadas pelo agricultor em relação ao negócio alegadamente firmado com o juiz também foram destacadas pelo desembargador.

“A testemunha sequer sabe informar como foi feito o pagamento. O depoimento prestado pelo mútuo parceiro é deprimente, sem respostas diretas, evasivas, sem capaz de ser crível pela Velhinha de Taubaté”, disse Luiz Carlos, ao citar a clássica personagem do escritor Luis Fernando Veríssimo.

Decisão “aterradora”

Outro indício que levou Luiz Carlos a votar pela aposentadoria compulsória do juiz – sendo seguido por outros 15 desembargadores – foi uma decisão, datada de 2007, concedida por Wendell Karielli em favor de uma parte que integraria o esquema.

A decisão teria sido negociada por intermédio do então oficial de Justiça Jober Misturini (posteriormente demitido) e pelo ex-agente de Polícia Federal Jarbas Lindomar da Rosa.

Na ocasião, Wendell Karielli decretou a prisão de duas pessoas com base em denúncia de testemunhas anônimas, fato considerado pelo desembargador como ”simplesmente aterrador” e que “foge de qualquer padrão conhecido”.

“Decreto de prisão preventiva sem inquérito e sem informação. Com base na informação de alguém que ninguém sabe quem é [...] De que se tratou entre o juiz e os supostos indiciados? Não se sabe. Entretanto, pode-se facilmente concluir que se utilizou da toga como instrumento de constrangimento de uma das partes em benefício da outra. Caso contrário, qual teria sido o motivo para tamanha afronta á Constituição?”, ressaltou.

"Decreto de prisão preventiva sem inquérito e sem informação. Com base na informação de alguém que ninguém sabe quem é"

Ameaça


No PAD, também é imputado a Wendell Karielli a prática de ameaça contra a promotora de Justiça Clarissa Lima, que foi a responsável por denunciar os alegados esquemas ao TJ-MT.

Segundo a promotora, o juiz teria a chamado para conversar a sós, ocasião em que a teria advertido para não investiga-lo.

“Na sala de audiência, ele pediu para todos se retirarem e falou ‘olha, eu sei o que você está fazendo, que está indo atrás das pessoas para elas me denunciarem. E se você não parar com isso, eu não vou fazer nenhuma representação. Eu não faço representação. O meu jeito de resolver as coisas é outro. Se você não parar com isso, eu vou resolver as coisas de outro jeito’. Claro que me senti ameaçada, estava grávida de sete meses. Tinha que me deslocar sozinha em estrada de terra”, disse a promotora, em depoimento.

Por sua vez, Wendell Karielli negou ter feito ameaças e disse que apenas conversou normalmente com a promotora.

“Todavia, silenciou-se acerca do assunto sigiloso efetivamente tratado, o que é suficiente para conferir credibilidade ao afirmado pela promotora”, entendeu Luiz Carlos.

Defesa

Em sustentação oral, o advogado que representa o juiz, Valber Melo, reforçou que as 23 testemunhas ouvidas no PAD não demonstraram qualquer prova que pudesse colocar em dúvida a honestidade do juiz Wendell Simplicio.

Para Valber Melo, o juiz foi vítima da promotora de Justiça Clarissa Lima, que teria tentado prejudicar Wendell Simplicio no intuito de atender interesses de seu marido, que atuava como advogado na região.

“O corregedor do tribunal pediu provas sobre as acusações. A promotora então começou a ouvir pessoas, sem qualquer determinação do tribunal. E aí ela produziu provas depois do pedido do corregedor, de forma estranha, atípica e surreal. E tudo isso é muito claro: o advogado sócio do esposo dela foi até a promotoria reclamar com ela das decisões do magistrado. E a partir daí ela lança as acusações contra o magistrado e contra os advogados concorrentes de seu esposo”, defendeu o advogado.

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