O ESTADO DE S. PAULO
A crise no Judiciário não opõe apenas a corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, e as associações representativas de juízes. Ministro do Supremo Tribunal Federal e ex-presidente da Corte e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Gilmar Mendes criticou ontem as decisões isoladas tomadas por integrantes do Supremo que estancaram as ações investigativas da corregedoria nos Estados.
Em entrevista ao Estado, Mendes afirmou que é necessário disciplinar a concessão de liminares por integrantes da Corte no último dia de trabalho antes do recesso do Judiciário. 'As soluções nas liminares no final do ano são atípicas e heterodoxas', criticou Mendes. 'É uma questão de ordem que precisamos discutir.'
Na segunda-feira passada, último dia de funcionamento do STF neste ano, os ministros Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski atenderam a pedidos de associações de magistrados e deram liminares que levaram à suspensão de investigações do CNJ. Agora, somente em fevereiro do ano que vem, quando o Supremo voltar do recesso, o relator do caso, Joaquim Barbosa, voltará a examinar a questão. A liminar atende a um pedido de associações de magistrados.
Na quarta-feira, o jornal Folha de S.Paulo mostrou que Lewandowski havia recebido pagamentos que estariam sendo investigados pela corregedoria do CNJ quando ele ainda fazia parte do TJ do Estado de São Paulo.
A informação colocou o ministro sob suspeição para analisar o pedido de liminar, já que a devassa no tribunal paulista havia começado em novembro. Cezar Peluso, presidente do STF, defendeu a concessão da liminar e, em nota, atacou o CNJ sugerindo que magistrados haviam tido seus sigilos quebrados.
Como resposta, anteontem, a corregedora Eliana Calmon disse que por trás da crise está um movimento corporativista para enfraquecer os poderes investigativos do CNJ. Na outra ponta da batalha, as associações de magistrados decidiram pedir formalmente que a corregedora seja investigada por suspeita de quebra de sigilos de juízes.
Plenário. Para Mendes, toda a crise poderia ter sido evitada. 'O plenário (do STF) deveria ter decidido isso (os pedidos de liminares). Estava em pauta. Somente um fato superveniente justificaria a concessão da liminar (pelo relator). Criou-se esse clima emocional em torno do tema', afirmou Mendes. De acordo com o ministro, liminares em ações diretas de inconstitucionalidade somente devem ser concedidas pelo relator em situações de extrema urgência, ainda mais no último dia de funcionamento do Judiciário.
'Temos de encerrar com essa prática. Se poderia ter sido discutida em plenário, deveria ter sido discutida em plenário', disse Gilmar Mendes. 'Que o relator suscite a urgência e peça ao presidente que coloque (em votação no plenário)', acrescentou. 'Se o assunto tivesse sido resolvido pelo plenário, 11 ministros teriam participado da decisão e não apenas um, o relator, como ocorreu no episódio.'
Mendes lamenta a falta de diálogo entre o CNJ e o STF, 'que compartilham o mesmo presidente' - atualmente, Cezar Peluso. Para o ex-presidente do Supremo, se houvesse mais diálogo, não seria necessária a judicialização do debate. 'É evidente que está faltando o mínimo de diálogo, que poderia levar a soluções harmoniosas', disse. Só nesta semana, por exemplo, o Supremo divulgou três decisões suspendendo atos do CNJ.
Segundo o ministro, as associações representativas de juízes foram parceiras no passado, na consolidação do CNJ. 'É importante que elas entendam que têm uma participação importante na consolidação do CNJ e nas políticas institucionais do conselho', afirmou.
Mendes disse que no episódio ocorreu uma série de equívocos e que os ânimos se acirraram. 'Houve um quadro de certa emocionalização', afirmou. 'As posições se radicalizaram de tal maneira que levaram a esse resultado', opinou.
De acordo com a corregedora Eliana Calmon, Cezar Peluso e Ricardo Lewandowski não são investigados pelo CNJ. Ela negou que tenha ocorrido quebra de sigilos de juízes. O presidente do STF também integrou o TJ de São Paulo. Segundo informações divulgadas por ele próprio, ele chegou a receber até R$ 700 mil de passivo trabalhista.
Gilmar Mendes disse que não acredita que os colegas tenham praticado irregularidades em relação aos pagamentos. 'Isso não tem o menor sentido.'
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