DOUGLAS TRIELLI
DA REDAÇÃO
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que o não-pagamento de uma parcela de US$ 34,6 milhões (R$ 113 milhões) da dívida dolarizada de Mato Grosso poderá gerar “inúmeros efeitos nefastos” para o Estado e para a União.
A declaração está contida na decisão dada pelo magistrado no dia 13 e publicada na íntegra na última sexta-feira (16).
Na determinação, o ministro proibiu a União de penalizar Mato Grosso por conta do descumprimento do pagamento da parcela. Mas mandou o Estado depositar em uma conta judicial a parcela de R$ 113 milhões até que se resolva o mérito do caso.
A parcela em questão ainda não foi repassada ao Bank of América por conta de uma decisão do desembargador José Zuquim Nogueira, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. A decisão do desembargador foi embasada no fato de o MPE ter apresentado indícios gravíssimos de ilicitude, inclusive com atos de corrupção, no contrato firmado entre o Estado e o banco, em 2012, na gestão do ex-governador Silval Barbosa (PMDB).
“O descumprimento do pagamento da parcela, com a chancela judicial, poderá gerar inúmeros efeitos nefastos tanto para o Estado do Mato Grosso quanto para a União, a qual terá que se responsabilizar pelo pagamento da parcela do empréstimo, com acréscimos contratuais, que não foi adimplida pelo principal devedor, de forma a onerar suas receitas e, consequentemente, prejudicar sua meta fiscal”, afirmou o ministro em sua decisão.
Mendes destacou que a determinação do depósito judicial da parcela tem o propósito de não penalizar as contas da União, que sequer é parte da ação.

O descumprimento do pagamento da parcela, com a chancela judicial, poderá gerar inúmeros efeitos nefastos tanto para o Estado quanto para a União, a qual terá que se responsabilizar pelo pagamento da parcela
“Visando evitar a repercussão financeiro-patrimonial da União por fato alheio à sua vontade de vultosa quantia, tendo em vista que não é parte ou assistente do Estado no mandado de segurança em trâmite no TJMT, aliado ao impedimento judicial de o Estado do Mato de Grosso adimplir com a parcela em questão por motivo alheio à sua vontade, determino o depósito judicial da quantia referente à oitava parcela do contrato de empréstimo firmado com o Bank of America, no valor de US$ 32.837.524,06”, disse.
O ministro ressaltou em sua decisão que a situação em questão é “delicada”, tendo em vista que envolve descumprimento de contrato internacional de empréstimo firmado entre o Estado de Mato Grosso e a instituição financeira.
Ele também citou que, até o momento, o que há contra o contrato é apenas um “inquérito” aberto pelo Ministério Público para apurar possíveis irregularidades no acordo firmado.
“Não desconsidero as razões que o desembargador apontou em sua liminar, todavia penso estar-se diante de situação não tão singela, que merece solução menos onerosa para todos os participantes do contrato de empréstimo internacional”, afirmou.
“Isso porque, a despeito da possibilidade de ocorrência, segundo indicam as investigações em andamento em sede de inquérito civil público, de ilegalidades na celebração do contrato, que denotariam indícios da prática de atos criminosos, resumo de fluxo de caixa diário do Estado com previsão de déficit de mais de 590 milhões de reais e prova de atraso no repasse de duodécimos na ordem de R$ 280 milhões de reais, o fato é que tais irregularidades não podem interferir na avença garantidora entre a União e o Bank of America, a ponto de recair sobre o Estado a pecha de inadimplente por circunstância alheia à sua vontade”, disse.
Leia a íntegra da decisão:
Trata-se de ação cível originária, com pedido de liminar, ajuizada pelo Estado de Mato Grosso em face da União, para que esta se abstenha de exercer a contracautela prevista na Resolução do Senado 39/2002, bem como de inscrevê-lo em cadastro negativo de órgãos federais (Cauc, Cadin, etc.).
Argumenta, em síntese, que foi obstado de pagar a parcela oitava, no valor de US$ 32.837.524,06 (trinta e dois milhões, oitocentos e trinta e sete mil, quinhentos e vinte e quatro dólares e seis centavos de dólar), em decorrência da concessão de medida liminar em mandado de segurança preventivo ajuizado pelo Ministério Público estadual perante o Tribunal de Justiça daquele ente federativo. Defende que juridicamente não teria outra forma de quitar a parcela. Além disso, para não ser responsabilizado penalmente por descumprimento de ordem judicial (art. 330 do CP), necessita de pronunciamento jurisdicional desta Corte para impedir que a União exercite o seu direito de, em caso de inadimplemento, executar as garantias previstas na Resolução do Senado 39/2002. É o breve relatório.
Passo a decidir . O provimento jurisdicional de urgência encontra respaldo atualmente no art. 300 do CPC, a seguir transcrito:
“Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.”
É necessário, portanto, que esteja comprovada a verossimilhança das alegações, a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Para tanto, o Estado-requerente alega o seguinte:
“Ocorre, no entanto, que o provimento judicial em questão, que constitui óbice intransponível ao pagamento de uma das parcelas do contrato pelo Estado de Mato Grosso, implicará acionamento da contragarantia concedida à União para que esta figurasse como garantidora no contrato.“
A situação delineada nos autos é delicada, tendo em vista que envolve descumprimento de contrato internacional de empréstimo firmado entre o Estado de Mato Grosso e a instituição financeira Bank of America , amparado em medida judicial intentada pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso, cuja liminar foi deferida, monocraticamente, no último dia 9 de setembro por Desembargador do Tribunal de Justiça daquele Estado (eDOC 5). Não desconsidero as razões que o desembargador apontou em sua liminar, todavia penso estar-se diante de situação não tão singela, que merece solução menos onerosa para todos os participantes do contrato de empréstimo internacional. Isso porque, a despeito da possibilidade de ocorrência, segundo indicam as investigações em andamento em sede de inquérito civil público, de ilegalidades na celebração do contrato, que denotariam indícios da prática de atos criminosos, resumo de fluxo de caixa diário do Estado com previsão de déficit de mais de 590 milhões de reais e prova de atraso no repasse de duodécimos na ordem de R$ 280 milhões de reais, o fato é que tais irregularidades não podem interferir na avença garantidora entre a União e o Bank of America , a ponto de recair sobre o Estado a pecha de inadimplente por circunstância alheia à sua vontade, além de ter que submeter a União a desfalcar seu caixa (cuja fonte primária de arrecadação tributária tem sofrido forte queda) para somente depois executar a contracautela de reter receitas do Estado, na forma da Resolução do Senado 39/2002.
Ad argumentandum tantum , é importante destacar que se trata de contrato regido pela legislação do Estado de New York (Estados Unidos da América), conforme se depreende da cláusula 10.09, a saber:
“10.09 Legislação Aplicável. Este contrato deverá ser regido e interpretado de acordo com as leis do Estado de Noa York, sem consideração dos princípios de conflitos de lei das mesmas que possam exigir a aplicação de leis de uma jurisdição que não seja as do Estado de Nova York, exceto que a autorização e assinatura deste contrato pelo tomar e pelo garantidor serão regidas pelas leis brasileiras.”
Tal disposição está convergente com o art. 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB Decreto-Lei 4657/42), que prescreve o seguinte:
“Art. 9º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.”
Além disso, as investigações estão em andamento, ainda na fase preparatória, e não existe ação civil pública ajuizada, mas tão somente inquérito civil público, que antecede àquela demanda. É importante também destacar que inexiste, nos autos, informação quanto à interposição de recurso em face da decisão monocrática perante o TJ/MT ou mesmo medida de contracautela, tal como a suspensão de liminar prevista no art. 15 da Lei 12.016/09, in verbis:
“Art. 15. Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição.”
Ademais, a despeito das questões processuais delineadas, a situação vista pelo ângulo de todos os envolvidos no contrato em questão apresenta-se demasiadamente onerosa e grave a ponto de demandar provimento jurisdicional de natureza urgente, qual seja, obstar a execução da contracautela e impedir a inscrição do Estado em cadastro da União parágrafo único do art. 294 do CPC. Reputo, portanto, presente a probabilidade do direito, estando ínsita a urgência da tutela (perigo da demora), diante do vencimento da dívida (9.9.2016) no mesmo dia do deferimento da liminar pelo TJMT, que impediu o pagamento, passando a decidir sobre as medidas adequadas para a efetivação da tutela, nos termos do art. 297 do CPC:
“Art. 297. O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória. “
O Estado-devedor alega não poder pagar a dívida, tendo em vista a existência em face de si de decisão judicial de conteúdo mandamental negativo, no sentido de abster-se de adimplir a parcela em discussão, cujo vencimento ocorreu no dia do ingresso desta demanda (9.9.2016). Entretanto, demonstra que possui interesse no pagamento caso não existisse o óbice judicial:
“Assim, resta claro que a referida decisão judicial e a necessidade de seu cumprimento tornam material e juridicamente impossível a obrigação de pagamento da oitava parcela do contrato em apreço, fato que, ademais, permite a conclusão acerca da inexistência de responsabilidade contratual do Estado de Mato Grosso dada a configuração de fato exclusivo de terceiro e da impossibilidade de acionamento da contragarantia. Nesse ponto, impende consignar que o direito positivo tutela a parte na relação jurídica que ficou impossibilitada de cumprir o acordado.”
Pelo lado do credor ( Bank of America ) e da garantidora (União), que não integram e, portanto, não se submetem à lide em trâmite naquele Tribunal de Justiça, igualmente é desarrazoado e sem nenhum interesse discutir questões internas do Estado em face das supostas irregularidades ocorridas no procedimento administrativo para lograr a consecução do empréstimo em questão.
O Estado-requerente recebeu a quantia objeto do empréstimo e realizou a destinação dos recursos conforme lhe aprouve à época de sua assinatura, situação irreversível de ser retornado ao status quo ante. O descumprimento do pagamento da parcela, com a chancela judicial, poderá gerar inúmeros efeitos nefastos tanto para o Estado do Mato Grosso quanto para a União, a qual terá que se responsabilizar pelo pagamento da parcela do empréstimo, com acréscimos contratuais, que não foi adimplida pelo principal devedor, de forma a onerar suas receitas e, consequentemente, prejudicar sua meta fiscal. Visando evitar a repercussão financeiro-patrimonial da União por fato alheio à sua vontade de vultosa quantia, tendo em vista que não é parte ou assistente do Estado no mandado de segurança em trâmite no TJMT, aliado ao impedimento judicial de o Estado do Mato de Grosso adimplir com a parcela em questão por motivo alheio à sua vontade, determino o depósito judicial da quantia referente à oitava parcela do contrato de empréstimo firmado com o Bank of America, no valor de US$ 32.837.524,06 (trinta e dois milhões, oitocentos e trinta e sete mil, quinhentos e vinte e quatro dólares e seis centavos de dólar), nos termos do § 1º do art. 300 do CPC, in verbis:
“§ 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.”
Pelo exposto, defiro, em parte, os pedidos de tutela de urgência para que o Estado de Mato Grosso deposite judicialmente a parcela oitava do contrato de empréstimo firmado com o Bank of America, devendo a União, a contar do depósito, abster-se de executar a contracautela e de inscrever o referido ente federativo em qualquer cadastro restritivo de crédito em decorrência de tal fato. Após o depósito judicial, autorizo a União a realizar o levantamento do valor mediante comprovação de pagamento ao credor . Publique-se. Intimem-se com extrema urgência e pela via mais expedita. Cite-se a União.
Brasília, 13 de setembro de 2016.
Ministro GILMAR MENDES Relator
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