MIGALHAS
Recentemente, a 1ª turma do STF deu uma guinada na jurisprudência e reformou entendimento para não mais admitir HCs que tenham por objetivo substituir recurso ordinário. Há tempos preocupado com o volume de processos, o STJ sinalizou que vai acompanhar o Supremo.
O ministro Gilson Dipp afirmou que o STJ, muitas vezes, está agindo como "terceira instância do Judiciário". E um "exemplo típico" disto seria o "uso do habeas corpus como substitutivo de todo e qualquer recurso, desde o recurso ordinário, a apelação, até o recurso extraordinário para o STF".
"O habeas corpus não pode ser banalizado, é uma pérola a ser conservada para ser utilizada de maneira adequada. Tudo o que se banaliza, se desperdiça em termos de qualidade e de importância", lamentou.
O novo presidente do Tribunal, ministro Felix Fisher, também se mostrou preocupado. "Os tribunais superiores não deveriam existir como tribunais de apelação. Eles não estão ali para rever os julgados, mas, isso sim, padronizar a jurisprudência infraconstitucional. Isso é pacífico na Constituição. Antes de 1988, era permitida a limitação de recurso no Regimento Interno. Hoje, isso não é mais possível".
Em voto que motivou a discussão no Supremo, o ministro Marco Aurélio diz que "O habeas corpus substitutivo do recurso ordinário, além de não estar abrangido pela garantia constante do inciso LXVIII do artigo 5º do Diploma Maior, não existindo sequer previsão legal, enfraquece este último documento, tornando-o desnecessário no que, nos artigos 102, inciso II, alínea "a", e 105, inciso II, alínea "a", tem-se a previsão do recurso ordinário constitucional a ser manuseado, em tempo, para o Supremo, contra decisão proferida por tribunal superior indeferindo ordem, e para o Superior Tribunal de Justiça, contra ato de tribunal regional federal e de tribunal de justiça. O Direito é avesso a sobreposições e impetrar-se novo habeas, embora para julgamento por tribunal diverso, impugnando pronunciamento em idêntica medida implica inviabilizar, em detrimento de outras situações em que requerida, a jurisdição".
Dias Toffoli, que divergiu no julgamento, diz que não vê "como colocar peias à viabilização do acesso do habeas corpus como substitutivo do recurso ordinário".
"Desde o Código Processual Penal do Império, é previsto que, sempre que um juiz, ou tribunal, se depare com uma ilegalidade, ele deve conceder a ordem, mesmo que de ofício, se for o caso de constrição à liberdade de ir e vir do cidadão", afirmou.
Já para Marco Aurélio, "é cômodo não interpor o recurso ordinário quando se pode, a qualquer momento e considerado o estágio do processo-crime, buscar-se infirmar decisão há muito proferida, mediante o denominado habeas corpus substitutivo, alcançando-se, com isso, a passagem do tempo, a desaguar, por vezes, na prescrição". Segundo o ministro, este tipo de situação acaba por mitigar a importância do HC e emperra a máquina judiciária.
Para a ministra Cármen Lúcia, utilizar o HC como substitutivo de recursos legalmente previstos no sistema pode determinar uma série de situações, "uma alteração de competências, alteração de requisitos ou se não de requisitos, pelo menos de um enfraquecimento do próprio instituto do habeas corpus".
Em voto proferido no HC 104.045, a ministra Rosa da Rosa diz que o remédio constitucional sofreu uma "prodigalização e vulgarização". "De nada adianta a lei prever um número limitado de recursos contra decisões finais ou interlocutórias se se entender sempre manejável o HC". Essa possibilidade, afirma, "é fatal para a duração razoável do processo" porque gera "uma verdadeira avalanche de HCs sobre a mesma questão, sucessiva e até concomitantemente, a diferentes tribunais".
Na obra "Direito Constitucional", Alexandre de Moraes afirma que a impetração de HC e a interposição do respectivo recurso ordinário, referentes ao mesmo ato, são conciliáveis, ainda que articule os mesmos fatos e busquem a mesma situação jurídica, "pois essa ação constitucional não encontra obstáculos na legislação ordinária, em homenagem à liberdade de locomoção, proclamada constitucionalmente. Dessa forma, tanto HC quanto o recurso devem ser apreciados, embora, eventualmente, um julgamento possa repercutir no outro".
O autor completa dizendo que "não cabe, porém, valer-se o impetrante do HC, para fazer subir recurso interposto de decisão de tribunal aquo, quando ainda não publicado o acórdão recorrido, oportunidade em que se permite o processamento do recurso e a viabilidade de seu recebimento".
O outro lado
Grande parte da comunidade Jurídica não encarou o entendimento do Supremo como uma valorização do remédio heroico. Pelo contrário. Para o MDA, por exemplo, tal decisão significa "um gravíssimo retrocesso para os cidadãos e cidadãs brasileiros, com prejuízos ainda incalculáveis para o Estado Democrático de Direito."
"A abolição do habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, em prol exclusivamente do recurso ordinário de habeas corpus, trará consequências gravíssimas - e ainda incalculáveis - aos jurisdicionados da área penal, especialmente nos casos de patente ilegalidade na liberdade de ir e vir, que, por razões evidentes, não podem aguardar o trâmite moroso de um recurso ordinário, sob pena de adiamento indevido do conserto da ilegalidade que se busca sanar, e a consequente ineficácia da própria garantia constitucional", afirma o Movimento, que enviou ofício ao Supremo.
Para Fabio Delmanto, Presidente da Comissão de Assuntos Penais do MDA, "a esperança do MDA é que a matéria seja levada ao Pleno do STF, e que lá seja resolvida em prol da manutenção do uso do habeas corpus substitutivo, sobretudo nos casos de grave e patente ilegalidade, incompatíveis com o trâmite, moroso e burocrático, do recurso ordinário".
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