CAROLINA HOLLAND
DO MIDIANEWS
O STF (Supremo Tribunal Federal) suspendeu uma liminar que impedia a desocupação de não índios da Terra Indígena de Maraiwatsédé, da etnia xavante. No entanto, a decisão não deve ter efeito prático, já que outra liminar, no STJ (Superior Tribunal de Justiça), ainda garante a permanência das sete mil famílias que vivem na área.
Marãiwatsédé ("mato fechado, mata perigosa", na língua xavante) tem 165 mil hectares (o equivalente a 165 mil campos de futebol) e fica entre os municípios de Alto Boa Vista, Bom Jesus do Araguaia e São Félix do Araguaia, no Vale do Araguaia, na Amazônia Legal.
A briga judicial pela terra se arrasta há 17 anos, mas a área é alvo de disputa há mais de quatro décadas. No dia 13 de setembro, o vice-presidente do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), desembargador Daniel Paes Ribeiro, deu liminar para suspender a retomada das terras dos não-índios, impedindo a retirada que deveria ter começado no dia 1º de outubro.
No dia 9 de outubro, a PGR (Procuradoria Geral da República) pediu a suspensão da liminar e o retorno dos índios xavantes para a terra. No pedido, a PGR argumenta que o Judiciário precisa ter posicionamento firme para garantir a segurança da região, palco recente de conflitos.
Mesmo sem efeito prático de desocupação da terra, o advogado da Associação dos Produtores Rurais da Área Suiá-Missú (gleba localizada em Marãiwatsédé), Luiz Alfredo Feresin de Abreu, disse que vai recorrer da decisão.
“Vamos entrar com um agravo regimental porque as informações do pedido de suspensão estão equivocadas e induziram o Supremo ao erro”, afirmou.
Entre os supostos erros, disse o advogado, estão o número de famílias que vivem na Terra Indígena e a quantidade de recursos sobre o assunto.
“A PGR citou que somente 700 pessoas moram naquela região, sendo que na verdade são cerca de sete mil. E ainda alegaram que havia apenas um recurso judicial, o que também não é verdade”, citou.
Abreu afirma que a Terra Indígena em questão é uma fraude. “Nunca existiu essa história dos xavantes ali. Foi a Funai que inventou esse nome de Marãiwatsédé. Os índios mesmos nunca tinham ouvido falar nisso. A própria Funai admite que Marãiwatsédé nunca existiu”.
No entanto, ele ressaltou que, caso a liminar do STJ também seja suspensa, a decisão será respeitada. Porém, questionou a forma como a desintrusão será feita.
“Decisão judicial tem que ser cumprida. Mas vão levar essas famílias para onde? Quantos milhares de caminhões vão ser deslocados para a área para fazer essa retirada?”
Bloqueio
A iminência da retirada das famílias já provocou protestos por parte dos posseiros. Cerca de 150 manifestantes bloquearam a BR-158 entre os dias 24 e 30 de junho deste ano contra a decisão judicial que autorizou a desocupação. O bloqueio isolou a região e fez com que a Prefeitura de Alto Boa Vista decretasse estado de emergência.
Em setembro, quando a desocupação ainda não havia sido suspensa pela Justiça, houve nova manifestação. Centenas de moradores da Gleba Suiá-Missu, localizada em Alto Boa Vista, bloquearam por cerca de 10 dias a BR-158 e a MT-252.
Retirada
A decisão da retirada das famílias de Maraiwãtsédé foi proferida pelo juiz substituto da 1ª Vara Federal, Marllon Sousa, no dia 30 de julho. Ele também determinou que os imóveis desocupados da área sejam alienados pela Funai (Fundação Nacional do Índio) e, a indenização, depositada em juízo.
Decisões anteriores
A saída dos não-índios da TI já foi determinada em decisões da Justiça Federal em 2007 e do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) em 2010. Os despachos determinavam a ocupação da área somente por índios xavantes. No entanto, decisão de julho de 2011 do TRF-1 permitiu a permanência dos posseiros. Em junho deste ano, o próprio TRF-1 revogou a decisão e determinou a retirada das famílias.
"As informações do pedido da PGR estão equivocadas e induziram o Supremo ao erro"
Permuta
Em junho de 2011, deputados aprovaram lei que autoriza o Estado a fazer permuta com a União da área de Marãiwatsédé com a do Parque Estadual do Araguaia, que tem reserva de 230 mil hectares. A proposta foi recusada pelos indígenas. À época, assessores jurídicos do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) afirmaram que a lei aprovada em Mato Grosso é inconstitucional pois a terra indígena é bem de uso da União para posse e uso exclusivo dos xavantes.
História
A briga pela Terra Indígena começou na década de 60, quando a Agropecuária Suiá-Missú ocupou a área. Os índios foram retirados para dar lugar à expansão da agropecuária e levados à TI de São Marcos, no sul de Mato Grosso.
Duas décadas depois, a Suiá-Missú foi vendida à italiana Agip, empresa do setor petrolífero. Em 1992, após pressão feita por entidades nacionais e internacionais, a terra foi devolvida à etnia Xavante.
A área foi declarada indígena em 1993. Cinco anos depois, sua demarcação foi homologada pela União. Mas àquela altura, a área já estava invadida por posseiros: os índios ocuparam apenas 10% do território a que têm direito.
Depois disso, a batalha pela terra começou a se arrastar pela Justiça.
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