JAD LARANJEIRA
DA REDAÇÃO
O advogado Victor Maizman, que atua há cerca de 25 anos na área, é ao mesmo tempo um estudioso e um crítico do sistema tributário de Mato Grosso. Ele avalia que a legislação local é um obstáculo para o desenvolvimento, já que as inúmeras regras – às vezes conflitantes – desestimulam o empreendedorismo.
O advogado, autor de dois livros, está acompanhando de perto das discussões sobre a chamada taxação do agronegócio.
Se o produtor quiser abrir mão do Fethab, dizer que não quer mais pagar, aí ele vai ter que pagar o ICMS, que tem o valor maior do que o fundo
Segundo ele, uma eventual cobrança do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias) nas transações internas das commodities – já que as exportações são isentas pela Lei Kandir – só poderia ocorrer se o Estado deixasse de exigir o Fethab (Fundo Estadual de Transporte e Habitação) dos produtores rurais.
Maizman entende que a discussão sobre uma maior cobrança ao agro é oportuna, mas é preciso haver cuidado, já que o Estado é muito dependente do campo.
"Estamos tratando de uma questão socioeconômica, estamos tratando do desenvolvimento do Estado, não estamos aqui tratando se vai beneficar A ou B", afirmou. Segundo ele, é preciso colocar na balança se, do ponto de vista social, o atual modelo de taxação deve permanecer.
Nesta entrevista que deu ao MidiaNews na última semana, Maizman falou ainda da fiscalização do Governo, da alternativa encontrada por Mato Grosso do Sul - e de como sua implantação em Mato Grosso seria difícil - e da necessidade de a Lei Kandir passar por reavaliações periódicas.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
MidiaNews – A respeito dessa polêmica que está sendo formada ao redor da taxação do agronegócio, gostaria que o senhor nos explicasse como é hoje a questão da Lei Kandir e quais seriam as possibilidades para a modificação desse quadro?
Victor Maizman – A pretensão desses movimentos que ocorrem agora, com relação ao aspecto da chamada tributação ou taxação do agronegócio, vem ao longo de vários anos. Nós percebemos isso toda vez que há uma mudança no Governo. Sempre é um assunto que volta a ser pautado. Qual a ideia de quem defende a taxação do agronegócio? É instituir o ICMS sobre as commodities que são destinadas à exportação. O grande problema é que as commodities, de acordo com a Lei Kandir, são isentas do ICMS na exportação. Então não cabe [cobrar] ICMS com relação às exportações destes produtos. Aqui no Estado nós temos a soja, o algodão, o milho, a carne, a madeira, que são as principais commodities. E a Lei Kandir veio para isso – para incentivar a exportação e para que o produto produzido no País não seja tributado, não chegue ao mercado externo com incidência tributária.
O que não pode é o movimento a favor da taxação - Assembleia e Governo do Estado... - pretender alterar uma lei federal [que é competência do Congresso Nacional]. Esse é o primeiro impeditivo. Nós não podemos avançar com relação a essa questão. Porém existem algumas alternativas: o produtor rural, na maioria das vezes, não faz a exportação direta desse produto. Ele vende para uma trading – que é uma empresa que tem autorização da Receita Federal para fazer a exportação. Essa operação chamamos de operação interna, que em tese incidiria o ICMS. O Estado não tributa o produtor nessa operação. Em contrapartida, exige o Fethab [Fundo Estadual de Transporte e Habitação]. E o valor quantitativo dele [Fethab] é menor do que seria o ICMS. Porém para o Estado é melhor arrecadar o Fethab, porque o dinheiro vai para um fundo, como diz o próprio nome, e ele [Estado] tem o poder de vincular e manejar aqueles recursos que foram arrecadados.
MidiaNews – Qual a porcentagem do Fethab? Quanto é arrecadado anualmente?
Victor Maizman – O valor é fixado de acordo com a tonelada transportada, seja de carne, algodão ou soja. Existe um valor fixo para cada uma dessas commodities. Eu não tenho esse valor preciso de quanto o Fethab arrecada. Mas é uma questão até interessante porque as associações representativas do agronegócio estão sendo contra a renovação do Fethab porque não têm o acesso direto aos valores arrecadados e à sua aplicação. Por isso que se fosse o ICMS, [o dinheiro arrecadado] teria que entrar para a conta geral do Estado. Seria votado na Assembleia Legislativa o Orçamento anual e aí existem as destinações constitucionais que são obrigatórias. E para o Fethab não existe essa vinculação. Ou seja, não existe uma amarra constitucional. E inclusive [o valor arrecadado] pode ser destinado, como já foi, para pagamento dos servidores públicos. Então houve, durante os anos, um desvio da finalidade do Fethab. Isso é uma forma que o Estado tem de arrecadar e gerenciar esses valores com maior flexibilidade. E isso, para o Estado, é melhor que a arrecadação que haveria com o ICMS.
MidiaNews – Então o Estado poderia taxar a venda do produtor para a trading e assim incidir o ICMS?
Victor Maizman – Poderia sim incidir o ICMS. Porém, quando houve ampliação dessa incidência do Fethab, inclusive no setor madereiro, o Superior Tribunal de Justiça falou o seguinte: “Como o Estado está abrindo mão do ICMS nessa operação interna, eu entendo que [o Fethab] é uma contribuição facultativa”. Para o produtor, é melhor [pagar o Fethab] porque o tributo fica menor, mais em conta. E ele acaba necessariamente ganhando com isso. E o Estado ganha porque tem essa possibilidade de manejar esses recursos do Fethab.
Se o produtor quiser abrir mão do Fethab, dizer que não quer mais pagar, aí ele vai ter que pagar o ICMS, que tem o valor maior do que o fundo. Esse ICMS já está vigorando, porque a lei estadual diz claramente isso: a alíquota disso é 17%, com relação às operações internas.
MidiaNews – Então, se o Governo criasse essa taxação no agronegócio, não daria para cobrar o Fethab e o ICMS juntos nestas operações internas?
Victor Maizman – Se o Estado resolver tributar essa operação, não vai poder, juridicamente, cobrar o Fethab. E aí é uma conversa que está tendo, mas não se falou ainda com a Secretaria de Fazenda, nem com o Executivo se ele vai abrir mão do Fethab.
MidiaNews – Qual seria o mais interessante em termos de arrecadação?
Victor Maizman – Para o Estado, o mais interessante em se tratando de arrecadação seria o ICMS. Porém o que vai ficar exatamente para o caixa do Estado vai ser um valor menor, porque se for o ICMS ele vai ter que entrar para as destinações normais, como municípios...
O mercado interno, pelo volume de produção de Mato Grosso, não comporta esse percentual. Não chega nem próximo a 30%
MidiaNews – Pelo entendimento do STJ, não pode haver as duas cobranças?
Victor Maizman – Não pode. Tem que abrir mão de uma. Se pensarmos assim: "Vamos taxar essa operação interna", aí teria que abrir mão do Fethab. Se os dois fossem obrigatórios, iríamos esbarrar numa questão jurídica e isso vai demandar com certeza uma intervenção do Poder Judiciário.
MidiaNews – O senhor disse que poderia ser criada essa taxação na operação entre o produtor e a trading, mas a trading continuaria livre de taxação, porque ela iria exportar. Não seria injusto?
Victor Maizman – Nós estávamos falando, a princípio, do ponto de vista jurídico. Agora entra outro ponto de vista. Por que as tradings não recolhem ICMS, já que são empresas que têm grande potencial financeiro? É porque o Congresso Nacional se reuniu, inclusive com maioria absoluta - porque é uma lei complementar, que precisa de maioria absoluta tanto da Câmara quanto do Senado, é diferente de uma maioria simples. Então eles se reuniram e entenderam que para a questão de balança comercial e do interesse nacional, precisava desonerar as operações destinadas à exportação.
MidiaNews – Objetivamente, hoje o Estado teria como a única alternativa a taxação do ICMS entre o produtor e trading, não é mesmo? Ou abrir mão disso e continuar com o Fethab?
Victor Maizman – Exatamente. Seria essa alternativa.
MidiaNews – Outro caminho é o de Mato Grosso do Sul, que seria restringir o volume comercializado externamente para forçar que esse produto seja colocado no mercado interno.
Victor Maizman – Exatamente assim. Ou seja, a legislação de Estado do Mato Grosso do Sul criou uma alternativa no seguinte sentido: parte de produção – e no caso a legislação de lá fala em 30% - tem que ser destinada para o mercado interno [para ser tributada]. Aí recai um problema jurídico sério. Primeira questão, se formos analisar do ponto de vista estrutural: o mercado interno, pelo volume de produção de Mato Grosso, não comporta esse percentual. Não chega nem próximo a 30%. É só ver que Mato Grosso exporta muito mais do que Mato Grosso do Sul. Então não agrega valor nenhum. Teria que haver um programa eventualmente e não obrigar. Porque se obrigar, vai ter um problema jurídico. Se obrigar uma empresa, por exemplo, a vender para o mercado interno e não o externo, há uma intervenção do Estado no negócio, o que é inconstitucional. O Estado não pode intervir no teu negócio e dizer: “Olha, você vai ter que vender tanto para um e tanto para outro”.
MidiaNews – Na sua opinião, o resultado disso pode ser temeroso, justamente em função de não haver essa oferta e procura - e os preços caírem?
Victor Maizman – Pode acontecer uma situação nesse sentido, além de gerar todo um problema jurídico que isso pode ter. E para o negócio, essa insegurança jurídica é um desastre.
MidiaNews – O senhor tem informações de como está a situação em Mato Grosso do Sul?
Victor Maizman – Com várias ações judiciais. Ainda existe a exigência da legislação, mas são várias ações judiciais. Como eu mencionei, se trouxer esse modelo para Mato Grosso, aqui o volume é muito maior. Então o questionamento será muito maior.
Nós temos a alíquota de ICMS nos serviços essenciais, que é uma dos maiores do País - estou falando com relação a energia elétrica, telefone e combustível. A Constituição Federal diz que quanto mais essencial for o produto ou serviço, menor tem que ser a carga tributária. E isso não é observado em Mato Grosso. O Supremo Tribunal Federal está para analisar uma ação que a Federação das Indústrias de Mato Grosso ingressou e está sendo discutida, com relação ao ICMS da energia e telefonia. E por que o Executivo nem pensa em diminuir isso, de acordo com a arrecadação e com o rombo que o Estado tem? Porque aqui nós temos um grande problema, que é a pífia industrialização. O mercado hoje, em volumes financeiros, é muito maior com relação às exportações dessas commodities. E aí é desonerado do ICMS. Então o Estado não recebe ICMS dessas operações, que é o grande volume.
MidiaNews – Se fosse possível taxar essas operações todas, o ICMS seria de quanto?
Victor Maizman – A gente chama de alíquota linear. Dezessete por cento é o básico e normal, mas que pode ser reduzido. Há algumas operações que chegam até 12% e tem operações maiores que chegam a 27,5%. Mas sempre lembrando que o ICMS é calculado por dentro. Então na conta final aumenta esse percentual.
MidiaNews – Se fosse uma alíquota de 17% [em todas operações com a soja], isso significaria uma arrecadação de quantos milhões para Mato Grosso?
Victor Maizman – Eu não tenho como saber exatamente, porque teria que fazer um levantamento com relação ao volume de exportação. Esses dados a Secretaria de Fazenda tem, porque toda operação de exportação possui um rigoroso controle da Sefaz. Porque há aquela velha novela do FEX [Fundo de Compensação das Exportações]. E o que é o FEX? A Lei Kandir, que desonerou o ICMS da exportação, disse o seguinte: "Eu, União, estou desonerando o ICMS dos Estados, mas em compensação vou compensar. Mas me apresente aqui o volume que foi efetivamente exportado por Mato Grosso, que nós vamos recompor esses valores".
MidiaNews – Há um cálculo para o FEX?
Victor Maizman – O cálculo seria o valor integral, porém de fato é sonegado. A União impõe uma série de requisitos e obrigações para o Estado. Por isso que o controle é rigoroso para as empresas que exportam. Porque se não cumprir a questão da origem, de onde veio o produto e seguir todos aqueles critérios operacionais, a União acaba glosando esses valores.
MidiaNews – Tem gente que costuma dizer que a Lei Kandir foi muito importante para o País em 1996, quando de sua aprovação. Mas que talvez esteja na hora de ser revista. O senhor pensa assim também? Não acha que o momento é outro?
Victor Maizman – Acredito que sim. Porque a Lei Kandir foi criada para incentivar as exportações. Mas se realmente já se criou uma regularidade com relação aos negócios, é possível revê-la. Até entendo que deveria se criar uma sistemática de fazer revisões periódicas com relação a essa questão. Ou seja, ter um debate no Congresso de forma periódica, a exemplo de votar uma lei orçamentária, que é anual. Porque senão fica muito vago. E hoje a discussão de quem quer tributar o agronegócio bate exatamente nessa tecla: já é um mercado conquistado.
MidiaNews – Alguns produtores dizem que na verdade o agronegócio paga sim o ICMS, porque está comprando os maquinários caríssimos, está comprando combustível, os insumos e fazendo girar a economia. Seria uma colocação razoável afirmar que, em função disso, não seria necessário se taxar o agro? E considerando também a situação precária do Estado.
Victor Maizman – Por isso que deve ter um debate, porque é uma questão bastante técnica. Não pode lagar isso aqui sem uma discussão ampla. O que agrega socialmente o valor para a sociedade é a industrialização. É a industrialização que cria frente de trabalho, que gera o aumento do IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] do Estado. Enfim, uma série de benefícios que a industrialização traz. Acho que deveria chamar o setor da indústria e pensar como isso vai gerar valor. Aí entra o debate do incentivo fiscal, se é viável ou não, enfim... Acho que deve conjugar essa questão da isenção com a industrialização.
MidiaNews – Forçar por meio de lei a comercialização interna deveria ser uma segunda medida após a industrialização, não é mesmo? Porque, se houver industrialização do Estado, haveria demanda interna para esses produtos primários...
Victor Maizman – Quando a gente fala em industrializar, quer dizer que tem que criar incentivos para fomentar os empreendimentos.
MidiaNews – Na sua opinião, se essa questão da taxação do agro não for bem discutida, pode acabar se transformando ou gerando uma catástrofe no Estado?
Victor Maizman – Estamos tratando de uma questão socioeconômica, estamos tratando do desenvolvimento do Estado, não estamos aqui tratando se vai beneficar A ou B. Se isso para o Estado é melhor ou não. Não adianta o Estado querer dizer que vai criar imposto para tudo, em linhas gerais. E aí vai afugentar o empreendimento daqui. Aí não tem a razão de ser. Tem que incentivar a industrialização e para isso tem que criar incentivo fiscal.
MidiaNews - Falando especificamente do agro, é temeroso tratar disso sem um amplo debate?
Victor Maizman – É preciso um amplo debate, não resta dúvida nenhuma. Sob risco de afugentar a pequena fonte de investimento.
MidiaNews – Falando do que o senhor diz sobre a questão social, teria chegado o momento desse segmento colaborar um pouco mais com o social do Estado? E que essa taxação pudesse se traduzir em mais qualidade de vida para quem mais precisa?
Victor Maizman – Não resta dúvida nenhuma, nesse caso é preciso ver esse equilíbrio. Agora tem que mensurar isso, colocar na balança se, do ponto de vista social para o Estado, é uma questão que ainda deva permanecer. A discussão é exatamente essa, ainda vai ter que ampliar exatamente nesse campo. Precisa analisar em âmbito nacional, não apenas em estadual. Até porque essa questão está regulamentada na Lei Kandir. Se eventualmente o Estado chegar a conclusão de que precisa tributar o agronegócio por uma questão socioeconômica, ele vai ter que mobilizar o Congresso Nacional.
MidiaNews – Na sua avaliação, o Governo do Estado, não só nessa gestão, mas nas anteriores, soube trabalhar nesse aspecto de se estimular, atrair empresas para que fosse possível agregar valor à produção? Fez um bom uso das ferramentas que tem, no sentido de dar isenção de ICMS e outros incentivos?
Victor Maizman – Aí nós temos um grande problema. A vontade do gestor foi materializada, todos deram prioridade à questão de desenvolvimento do Estado. Então eu vou dar como exemplo o setor industrial, que tem um programa chamado Prodeic (Programa de Desenvolvimento Industrial e Comercial de Mato Grosso), que já existe há muito tempo, e é um instrumento de incentivo fiscal. Porém a grande reclamação que o industrial tem é a complexidade da legislação tributária estadual.
Mato Grosso tem uma série de legislações em que uma se sobrepõe a outra e isso cria uma insegurança total no Estado
Eu vou dar um exemplo claro: uma empresa dinamarquesa que fabrica telhas térmicas, que foi para o Município de Lucas do Rio Verde (354 km de Cuiabá) para fornecer para a Sadia. Ela veio para o Estado em razão do incentivo fiscal. E assinou um termo com o próprio governador, de acordo com a legislação, para que não pagasse o ICMS nessa operação. Ele fabricava toda a telha e na hora que vendia para a Sadia, não pagava o ICMS. E essa empresa estava gerando vários empregos. Então a Secretaria de Fazenda entendeu que haveria alguma falha nessa transação e resolveu autuar a empresa. É uma burocracia tão grande que aí a empresa, que é de fora, queria saber como isso aconteceu. Se o governador deu a isenção de acordo com a lei, que tem um jurídico que aprovou e avalizou tudo isso, e agora o próprio Governo autua? Aí temos que explicar... Ou seja, criou um embaraço e isso está na própria legislação, que permite.
MidiaNews – Então em sua avaliação há uma insegurança jurídica muito grande?
Victor Maizman – Há! Perfeitamente. Mato Grosso tem uma série de legislações em que uma se sobrepõe a outra e isso cria uma insegurança total no Estado. Para se ter uma ideia, Mato Grosso tem quase 300 mil processos administrativos. Ou seja, a empresa é autuada, apresenta um recurso e fica lá julgando. Em São Paulo os processos não chegam a 30 mil. Para você ver a diferença!
Um exemplo bem claro disso é que para cada nota fiscal o sistema de Mato Grosso abre um processo. Aí você imagina a quantidade de processos em uma empresa que emite várias notas fiscais. E se questionar algum problema naquela nota, é um outro processo. É uma complexidade enorme.
MidiaNews – A saída para isso seria uma reforma tributária? É difícil isso?
Victor Maizman – O governo atual agiu bem. Chamou as entidades para discutir a reforma tributária, basicamente a legislação do ICMS, e também aprimorar a parte do processo administrativo para tentar reduzir esse número enorme de processos. Os dois projetos são excelentes. Houve a participação das entidades, conselhos de contabilidade, as federações, enfim... Mas está lá, ainda não foi aprovado. Ainda tem alguns ajustes. Mas foi reconhecido, o próprio Governo reconheceu que a legislação atrapalha. Já teve casos práticos de empresas que resolveram fechar unidades em Mato Grosso em razão de toda essa complexidade.
MidiaNews – Essa empresa dinamarquesa que o senhor citou foi embora?
Victor Maizman – Essa empresa ainda está lá, mas desmotivou totalmente o plano de ampliação do negócio.
MidiaNews – Quando o governador Pedro Taques assumiu, ele falou que a legislação tributária de Mato Grosso era um absurdo e que ele queria mudar muita coisa. Nesses quatros anos houve melhora em comparação com o Governo de Silval Barbosa ou é a mesma coisa?
Victor Maizman – Teve melhora, teve avanço. Talvez o Governo Silval Barbosa tenha sido o auge das complexidades burocráticas com relação à legislação tributária. Com o atual houve um avanço, inclusive ele reconheceu [os problemas]. E essa proposta de mudar e fazer a reforma tributária partiu do próprio Governo.
MidiaNews – Na sua avaliação, para que essa situação tributária e fiscal melhore, é necessário então enxugar esse cipoal de normas e fazer também um estudo adequado? Há algum Estado que possa ser utilizado como modelo?
Victor Maizman – Nós temos um Estado que tem uma arrecadação enorme, um parque industrial muito desenvolvido e uma legislação que, ao meu modo de ver, é um modelo, que seria Santa Catarina. Ali existe um parque extremamente amplo e a legislação é muito objetiva. Eu vou dar um exemplo: se a operação está isenta, é numa norma só. Não é como o que observamos aqui no Estado, em que uma norma remete à outra, que remete à outra e quando vê já há umas 15 normas tratando da mesma isenção. E aí é claro que vai dar confusão. Cria-se uma série de burocracia que torna tudo mais complexo.
MidiaNews – Na sua opinião, então é meio inviável trabalhar um programa para atrair indústrias para cá sem que haja antes um trabalho nessa escala?
Victor Maizman – Sim, sem dúvida nenhuma! Tem que dar uma segurança jurídica para o empreendedor. Hoje o empreendedor sabe que aqui no Estado há uma complexidade na legislação. Então, o Estado, quando for criar essas regras, tem que pensar nisso, na questão da atração de investimento. Se continuar com questões burocráticas, passíveis de impugnações judiciais, cria um problema seriíssimo, e isso ai acaba afugentado os empreendimentos.
MidiaNews – O senhor tem conhecimento da estrutura e a eficácia da máquina de arrecadação estadual?
Victor Maizman – O Estado é bem eficaz com relação à fiscalização. Hoje o aspecto tecnológico está bem presente nessa situação. As notas fiscais hoje são eletrônicas. Antigamente se usava como fraude aquela chamada “meia nota”. Hoje em dia existe todo um controle de barreiras fiscais. Existem alguns setores em que talvez pudesse aumentar essa forma de fiscalização. Por exemplo, os combustíveis, em que existe uma possibilidade de aumentar a fiscalização. E se aumenta a fiscalização, aumenta a arrecadação e eventualmente não precisa elevar a carga tributária.
MidiaNews – Por que o senhor citou esse setor?
Victor Maizman – Porque, na verdade, existe um histórico, com relação a algumas operações que foram efetivadas, de volumes altos, inclusive até pela própria Delegacia Fazendária.
MidiaNews – O que o senhor pode falar sobre sonegação em Mato Grosso? É uma questão presente ainda?
Victor Maizman – Tirando os casos isolados, hoje em dia é muito difícil sonegar. Vamos dar um exemplo com relação ao próprio ICMS. Se eu sou uma indústria e adquiro um produto de um produtor, eu tenho direito a créditos, onde o que eu paguei de ICMS posso usá-lo para abater em compra. É como se fosse como o Imposto de Renda.
Ou seja, na cadeia de negócios, há uma fiscalização do próprio negócio, onde o próprio empreendedor fiscaliza isso. E dificilmente ele vai adquirir um produto sem nota, porque não vai poder utilizá-la em crédito. Sem contar que realmente está muito eficaz a questão da fiscalização. Hoje em dia tem a Escrituração Fiscal Digital, que está sendo aplicada e ela está fazendo um cruzamento de dados, inclusive de transações bancárias. A Secretaria de Fazenda sabe o estoque que você tem, sabe a média de faturamento que você tem e vai saber a sua movimentação bancária. Então o sistema vai identificar se tiver alguma coisa fora do normal.
MidiaNews – A tecnologia está a favor do combate à sonegação fiscal?
Victor Maizman – Cada vez mais.
MidiaNews – Muita gente fala sobre a simulação de exportação de soja, a fim de não pagar impostos. Como funciona isso?
Victor Maizman – Alguma coisa vai fugir do controle da fiscalização. Porque hoje a exportação depende de várias documentações. Tem que preencher um formulário, tem que ter um cadastro específico na Secretaria de Fazenda. As notas fiscais têm que ser registradas no sistema. Então quando [a mercadoria] sai, tem que comprovar que foi exportado. E se há essa reintrodução do produto no mercado interno, há um envolvimento muito maior de pessoas. É uma série de coisas.
MidiaNews – Como nunca houve uma ocorrência ou operação policial de maneira efetiva relacionada a isso, é provável que seja algo mínimo, não é?
Victor Maizman – Não é fácil, o procedimento de exportação é difícil. Por exemplo, na Federação das Indústrias, há um setor lá que trata de dar auxílio para o empresário fazer essa exportação. São muitos documentos e formulários. Autorização da Secretaria de Fazenda, autorização da Receita Federal...
MidiaNews – Na sua opinião, isso também deveria ser desburocratizado?
Victor Maizman – Nós temos que diferenciar. Vou dar um exemplo do setor industrial. No Estado mais de 90% são de micro e pequenas indústrias. E quando eu falo isso, cito uma padaria de bairro, que também é indústria. Então digamos que eles queiram fazer uma confeitaria no lugar e exportar aquele produto. Isso é muito burocrático. São as mesmas exigências que para uma trading. No meu ponto de vista, deveríamos avançar na legislação para que se crie uma possibilidade de facilitar a exportação para o pequeno empreendedor, porque se ele precisar ter que buscar um auxílio, o custo vai ser extremamente oneroso.
MidiaNews – Como é lidar no seu dia a dia de advogado com coisas tão absurdas na legislação?
Victor Maizman – Os bons pagam pelos maus. Por exemplo, na questão de incentivo fiscal, nós defendemos o incentivo fiscal, porque é a única forma hoje para o desenvolvimento socioeconômico de uma região. Só que o incentivo aqui no Estado sofreu vários ataques por poucos que o utilizaram de forma criminosa. Concessão de incentivo fiscal para quem não deveria... E acabou, na verdade, maculando o incentivo fiscal.
MidiaNews – O volume do incentivos fiscal é aquém do necessário? Inclusive o Governo reduziu em função da roubalheira. O senhor acha que é a hora de retomar?
Victor Maizman – Sim, é a hora de retomar, mas valeu a pena passar o “pente-fino” e analisar. Nós entendemos perfeitamente isso. Houve empresas que nem eram indústrias - e o benefício é para o setor industrial -, mas tinham benefícios, sem industrializar um alfinete. E então aquilo era uma fraude, um crime. Eu acredito que tenha que estimular, chamar a Assembleia Legislativa, tem que identificar os municípios que tenham os menores IDH, criar ou ver uma forma de instalar indústrias nessas cidades. Existem "n" exemplos de municípios que se transformaram em razão de uma indústria.
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