LUCAS RODRIGUES
DA REDAÇÃO
Um dos principais apoiadores do advogado José Moreno na última eleição para a presidência da Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso (OAB-MT), o também advogado Bruno Boaventura afirmou que, atualmente, “não apoiaria” mais o candidato oposicionista.
Um dos motivos, segundo ele, é que Moreno teria “leiloado vaga para o Conselho Federal” durante a campanha, que ocorreu no ano passado e acabou por eleger o grupo da situação para a direção da Ordem.
“Ao longo do caminho, foi perceptível que a intenção era ganhar por ganhar, mesmo que a campanha tivesse que assumir práticas condenáveis já praticadas pelo grupo da situação”, denunciou Boaventura.
Lider do grupo “Movimento OAB Democrática e Ética”, o advogado nega que tenha pretensões de se candidatar à presidência da OAB-MT e assegura que a intenção deste grupo é “fazer com que a advocacia tenha a possibilidade de discutir de maneira democrática, transparente e ética a própria advocacia”
“Queremos fazer com que a advocacia reflita sobre suas necessidades, pautas de reivindicação, sobre as críticas que temos junto a OAB, mas tudo isso de maneira livre, sem comprometimento com candidaturas”, garantiu.
Na entrevista da semana, o advogado Bruno Ricci Boaventura também comentou sobre a batalha judicial que trava com a OAB para obter documentos da prestação de contas, as atividades do grupo “Movimento OAB Democrática e Ética”, sua visão do papel da oposição, a atuação da OAB-MT nas questões pertinentes à advocacia e ainda criticou um alegado atrelamento político da seccional com o Poder Público.
Confira os melhores trechos da entrevista:
MidiaJur – Na eleição passada o senhor apoiou o candidato José Moreno para a presidência da OAB-MT. Como o senhor vê o atual grupo de oposição liderado pelo advogado José Moreno, o “Advocacia em Movimento”?
Bruno Boaventura – Eu vejo que é interessante os advogados participarem da atuação política da classe, mas eu desconheço as atividades que esse grupo tem feito. Mas acho que eles têm o direito, o dever de quererem participar. Na eleição passada, acredito por ter feito parte do grupo da atual gestão, o Moreno cometeu o mesmo equívoco de leiloar vaga de candidato a Conselheiro.
MidiaJur - O senhor poderia explicar melhor essa afirmação sobre "leiloar vaga de conselheiro"?
Bruno Boaventura - Eu elaborei o plano de gestão que iria ser implantado, caso a chapa fosse vitoriosa. É um plano ousado, baseado na democracia, ética e transparência com plena capacidade de mudar a OAB-MT. Foram 4 versões até ser finalizado. Acontece que ao longo da caminho, foi perceptível que a intenção era ganhar por ganhar, mesmo que a campanha tivesse que assumir práticas condenáveis já praticadas pelo grupo da situação. A mais representativa foi leiloar vaga em conselho federal.
MidiaJur - Então o senhor descarta apoiar o Moreno nas próximas eleições?
Bruno Boaventura - Hoje, não apoiaria o Moreno, pois não sinto nele a verdadeira vontade de querer implementar o plano de gestão necessário para mudar a OAB-MT, mas também acredito que ainda seja cedo para definir essa questão, é melhor aguardar os fatos.
MidiaJur - O senhor tem a pretensão de ser candidato?
"[...] foi perceptível que a intenção era ganhar por ganhar, mesmo que a campanha tivesse que assumir práticas condenáveis já praticadas pelo grupo da situação"
Bruno Boaventura – Não, não tenho essa pretensão não. Nunca cogitei isso. Eu quero é fazer com que a advocacia tenha a possibilidade de discutir de maneira democrática, transparente e ética a própria advocacia. Essa sempre foi a intenção do Movimento OAB Democrática desde a sua fundação, em 2008. Queremos fazer com que a advocacia reflita sobre suas necessidades, pautas de reivindicação, sobre as críticas que temos junto a OAB, mas tudo isso de maneira livre, sem comprometimento com candidaturas.
MidiaJur – O senhor trava uma disputa judicial contra a OAB-MT na Justiça Federal para conseguir os documentos relativos à prestação de contas. Já conseguiu uma liminar favorável, mas a OAB-MT recorreu. Como o senhor vê essa questão das contas?
Bruno Boaventura – Quem não teme, não esconde. Se tem aprovação do Conselho Federal, se o Conselho Seccional aprovou, porque não disponibilizar essas prestações de contas no site da OAB? Não só para que eu tenha acesso, mas para que todos os advogados e advogadas tenham acesso. Foi uma infelicidade da OAB ter recorrido. Porque a Justiça Federal reconheceu esse direito, pela citação da Lei de Acesso à Informação Pública.
MidiaJur - Em que pé está esse processo?
Bruno Boaventura - A juíza está analisando a admissibilidade do recurso apresentado pela OAB.
MidiaJur – A partir desse mês, a OAB-MT passou a prestar as contas de maneira mais detalhada no site. Houve melhora nesse ponto?
Bruno Boaventura - Melhorou, mas ainda é insuficiente. O ideal é que nós tenhamos na íntegra a prestação de contas, nota a nota, documentada.
MidiaJur – Pelos dados apresentados até agora na prestação de contas da OAB-MT, como o senhor avalia os gastos?
Bruno Boaventura – Não tem como saber, pois falta a documentação. Mas o que eu aponto é que existe uma falta de prioridade no gasto da OAB. Eu acredito que está se gastando muito com passagem de avião, com diária e não está se gastando com a atividade fim da OAB, que é a atuação do advogado nas comissões. Existem comissões que não saem do papel pela falta de disponibilidade de orçamento.
MidiaJur - Quando o senhor pediu a documentação da prestação das contas, era só para verificar a regularidade ou já possuía alguma suspeita de eventual atividade ilícita?
Bruno Boaventura – O que me passaram é que nestas viagens estão se gastando muito com frigobar. Agora, eu não tenho como confirmar ou não essa informação, porque não tive acesso aos documentos da prestação de contas. Se a OAB fizesse o que a lei determina, que é transparecer o gasto, eu e os meus colegas teríamos de repente descartado essa hipótese. Mas essa questão fica como uma suspeita, até que a gente tenha acesso. Os gastos como serviços de terceiros são colocados de forma genérica, é tapar o sol com a peneira, tem que detalhar quem é o fornecedor de serviços para a OAB.
MidiaJur - Como a oposição tem se portado no acompanhamento da atuação da OAB?
Bruno Boaventura – A oposição tem um papel político de pontuar as necessidades que a gestão da OAB tem e não cumpre. E isso nós temos feito, e muito bem. E não vamos deixar de fazê-lo. Temos construído pautas de reivindicação. Se não fosse a oposição, haveria publicação do lotacionograma da OAB no site? Haveria a relação daqueles que são indicados pela OAB em conselhos deliberativos no Estado? Haveria a publicação mínima que seja dos gastos da OAB no jornal de dezembro? A resposta é não. Isso foi construído pela oposição. Graças a atuação da oposição é que a OAB fez isso.
MidiaJur - Então na sua opinião, a OAB só fez o detalhamento das contas por pressão da oposição?
Bruno Boaventura - Com certeza. A oposição tem o papel de tirar os gestores do comodismo. E isso ela tem feito muito bem, de maneira qualificada, trazendo ao debate as questões sobre o processo democrático interno da OAB, questões sobre a ética da advocacia e também, por último, questões da transparência da OAB. Eu tenho a certeza que se não fosse a oposição, a atual gestão continuaria a esconder todo e qualquer gasto que ela efetua.
MidiaJur - O senhor fez uma ampla campanha para trazer o filme “Sobral – O homem que não tinha preço”, para Cuiabá, neste sábado (14), que foi exibido de forma gratuita. Qual a importância de trazer este longa metragem que conta a história do jurista mineiro que lutou pela democracia em plena ditadura?
Bruno Boaventura – É importante resgatar o símbolo que representa o Sobral Pinto na advocacia, e também na Justiça brasileira, não só para as atuais gerações que não o conheceram, mas também para todas aquelas que viveram junto com Sobral Pinto. Sobral Pinto tem um aforismo que diz que advocacia não é profissão de covarde, tenho para mim que ele quis dizer que é preciso coragem para defender a sociedade. Talvez esteja então faltando mais coragem e menos arrogância para OAB/MT voltar a fazer a defesa que a sociedade tanto necessita.
"Eu tenho a certeza que se não fosse a oposição, a atual gestão continuaria a esconder todo e qualquer gasto que ela efetua."
Bruno Boaventura - Ela partiu do grupo Movimento OAB Democrática, vendo que não havia interesse da própria OAB em fazer com que o filme fosse trazido para Cuiabá, como foram feitas em outras seccionais, a gente entendeu que seria imprescindível que o filme passasse aqui.
MidiaJur - O senhor chegou a conversar com a OAB e propor uma parceria para exibir o filme?
Bruno Boaventura – Eu nem tentei, mas a gente aguardou. O filme estreou no dia 1º de novembro e várias seccionais a partir desta data fizeram a programação de exibir o filme. Mas não estavam entre elas a seccional de Mato Grosso. Depois desse período, vimos que não iriam trazer, não tinham interesse, e acabamos nos mobilizando para trazer essa mensagem de final de ano com uma repercussão social.
MidiaJur - O grupo Movimento OAB Democrática já possui outro evento programado?
Bruno Boaventura – Por enquanto não, mas estamos idealizando um concurso de artigos, de repente até sobre a temática de Sobral Pinto. Mas é apenas uma ideia, não temos nada definido. Estamos abertos a sugestões dos colegas advogados, que queiram promover algum ato, tanto político, quanto cultural, social.
MidiaJur - Esse grupo tem alguma intenção de formar chapa para as eleições da OAB?
Bruno Boaventura – Não, não temos conotação eleitoral. O grupo está desde 2008 fazendo as discussões dentro da advocacia de Mato Grosso e não temos esse intuito exclusivo eleitoreiro. Queremos debater a advocacia como a advocacia merece ser debatida.
MidiaJur – E qual sua avaliação deste primeiro ano de gestão da OAB-MT?
Bruno Boaventura – Eu acredito que tenha a mesma cara de sempre. O mesmo jeito de fazer gestão, os mesmos erros, alguns acertos ainda permanecem, mas o que a gente acredita é que seria necessário democratizar todas as decisões. Não ser algo restrito apenas à diretoria, mas todos aqueles que participam da própria gestão enquanto membros de comissão, advogados de maneira geral. Não se mudou isso, permanece da mesma forma, um grupo restrito é que decide. Outra questão é em relação à própria transparência. Ainda permanece às escuras a prestação de contas da OAB. A seccional deveria publicar a prestação de contas na íntegra, para que todos os advogados soubessem pontualmente como está sendo gasto o dinheiro das suas anuidades e que pudessem, com isso, fazer sugestões, críticas e elogios, inclusive.
MidiaJur - E quanto à defesa das prerrogativas e reivindicação de melhorias para a classe?
Bruno Boaventura – Eu tenho um elogio e uma crítica. O elogio é que em caso pontuais , a OAB já criou um sistema eficiente de atuação. O advogado individual, que tem alguma prerrogativa ferida, conta com o um tribunal que pontualmente vai lá e defende a prerrogativa. Agora, isso não é suficiente. Porque a prerrogativa está intrinsecamente ligada à valorização da classe. E deveria haver um movimento coletivo liderado pela OAB para essa valorização, até mesmo em relação aos honorários e ao tratamento que alguns magistrados possuem com os advogados. E isso eu não vejo. Não vejo a diretoria da OAB fazendo algo que trouxesse essa mensagem para todo o sistema de Justiça, que é necessário o respeito às prerrogativas da advocacia.
MidiaJur - Existe outro ponto em que a atuação da OAB seria falha, em sua opinião?
Bruno Boaventura – Eu acredito que existe uma falta de técnica jurídica em relação aos processos do Tribunal de Ética e Disciplina. Deveria haver uma reforma no regimento, juízos de admissibilidade das representações, melhor capacitação dos funcionários da OAB que tramitam com esses processos, melhor possibilidade de atuação dos advogados que se predispõem a serem relatores desses processos. No caso do TED, há uma necessidade de um aperfeiçoamento como um todo. Politicamente, a OAB também tem sido muito aquém daquilo que ela representa historicamente. Porque ela não se pontua enquanto instituição representativa da sociedade, contra os absurdos que acontecem no Poder Executivo estadual e municipal, no Poder Legislativo estadual e municipal. Ela tem sido omissa e essa omissão é proposital. Existe um atrelamento político-partidário entre a instituição OAB e as pessoas que estão no comando desses poderes. A OAB tem que romper este atrelamento, resgatar a sua história e demonstrar para a sociedade que é independente e imparcial.
MidiaJur – O senhor tem algum exemplo desse alegado atrelamento político?
Bruno Boaventura – Nós temos vários casos de corrupção relacionados ao Governo do Estado. “Land Rovers”, “Escândalo dos Maquinários” e nada a OAB pontua em relação a esses casos. Acaba a imprensa corriqueiramente divulgando casos de corrupção e a OAB corriqueiramente silenciando sobre estes casos. Não cobrando, não exigindo a fiscalização dos órgãos de controle. E ela deveria fazer essa pressão, porque a sociedade necessita da OAB nisso. Em relação ao Legislativo é a mesma coisa. Vários casos de corrupção vêm a tona e a OAB nunca cobra ética e transparência nessas instituições públicas.
MidiaJur - Porque ocorreria esse tipo atrelamento?
Bruno Boaventura - A OAB conta atualmente com alguns quadros de sua diretoria que estão politica e partidariamente vinculados aos gestores dos poderes públicos. Esse atrelamento pessoal acaba interferindo na atuação da entidade, impossibilitando ela que cobre daqueles que deveriam agir de maneira proba.
MidiaJur - Um decisão recente do Superior Tribunal de Justiça entendeu que é legítima a propositura de ações civis públicas, em nível estadual, pelas seccionais da OAB. A OAB-MT deveria usar
"A OAB conta atualmente com alguns quadros de sua diretoria que estão política e partidariamente vinculados aos gestores dos poderes públicos"
Bruno Boaventura – Com certeza. A OAB enquanto entidade, que tem uma série de advogados com conhecimento específico nas mais diversas esferas do Direito, poderia muito bem levar ao judiciário tantos e tantos casos que afligem a sociedade. Cobrando das instituições aquilo que elas já deveriam ter feito. E esse mecanismo é muito pouco utilizado. A OAB não tem se utilizado dessa ferramenta, são pouquíssimos os casos em que a OAB coloca-se no Judiciário como defensora da sociedade.
MidiaJur – A atual gestão da OAB-MT afirma que renovou cerca de 60% dos seus quadros. Isso tem gerado efeitos positivos para a entidade?
Bruno Boaventura – A diretoria permanece com o mesmo grupo, com a mesma forma de gestão. É uma forma cada vez mais fechada, circunscrita a um pequeno grupo de pessoas que decidem o que a OAB deve ou não fazer. Eu entendo que os jovens advogados querem participar, participam das comissões, o que é louvável. Mas essas pessoas, além de darem o sangue para a OAB, também devem ter o direito de participar das decisões de maneira democrática. Porque a OAB não convoca uma assembleia geral para decidir o seu plano estratégico anual? Para decidir o que deve fazer ao longo do ano, que pautas deve priorizar. Isso são decisões macro que não chegam à base de sustentação da OAB, que são os advogados e advogadas, e até mesmo esses que estão militando nas comissões.
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