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Entrevista Domingo, 25 de Maio de 2014, 09:35 - A | A

25 de Maio de 2014, 09h:35 - A | A

Entrevista / RELAÇÃO CONTURBADA

“Dificilmente conseguiremos aprovação da sociedade"

Waldir Caldas afirma que sociedade precisa de mais instrução para diferenciar as condutas do advogado e do réu

LUCAS RODRIGUES
DA REDAÇÃO



Grande parte dos advogados, especialmente da área criminal, recebe os mais diversos adjetivos quando faz a defesa de uma pessoa polêmica ou que tenha cometido um crime que cause grande comoção social, seja por parte de parentes e amigos da vítima, seja por populares ou em comentários nas redes sociais.

“Quem defende bandido também é bandido”. “Para defender gente desse tipo, deve ser igual”. “Parecia uma pessoa tão boa, não entendo porque resolveu fazer a defesa desse fulano”, são algumas das críticas mais corriqueiras contra o profissional de direito da área criminal.

Este tipo de senso comum, que equipara o caráter do advogado ao mesmo nível da conduta supostamente criminosa do réu, na avaliação do advogado Waldir Caldas Rodrigues, é fruto da “falta de instrução e de respeito ao conhecimento” por parte de uma grande parcela da sociedade.

“Lamentavelmente, a grande maioria do povo brasileiro tem esse perfil. Emite suas opiniões com total leviandade sobre aquilo que não conhece. E isso não é só para o advogado, é para várias profissões”, opinou ele.

Para Waldir, o papel do advogado em garantir a preservação dos direitos ao réu continuará a ser visto pela sociedade de maneira equivocada caso esta deficiência de conhecimento não seja sanada com melhorias na formação educacional.

“Na verdade eu posso até ser mal interpretado, mas eu penso que dificilmente nós advogados conseguiremos aprovação no meio social. Afinal, qual é a qualificação de quem nos julga?”, questionou.

Presidente da recém-formada Comissão de Direito Carcerário da Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso (OAB-MT), Waldir Caldas também salientou que os constantes atritos entre agentes penitenciários e advogados têm diminuído no Estado após medidas tomadas para “estreitar” as relações das duas categorias.

“Passamos a dar palestras na Escola Penitenciária e passamos a levar agentes penitenciários para dar palestras na OAB. Algo impensável até pouco tempo atrás. Com isso, conseguimos humanizar a relação com os agentes penitenciários”, comemorou.

Na entrevista da semana, o advogado Waldir Caldas Rodrigues ainda falou sobre os projetos da Comissão de Direito Carcerário, a avaliação do sistema prisional de Mato Grosso, as ações para diminuir a reincidência e as questões que envolvem a inviolabilidade do advogado e a crítica social.

Confira os melhores trechos da entrevista:

MidiaJur - Constantemente são cogitados no meio político tentativas de diminuir as prerrogativas dos advogados. Uma dessas ideias era de prever que, se o cliente confessasse um crime, o advogado deveria “dedurá-lo” às autoridades competentes, sob pena de ser cúmplice. Porque essas repetidas tentativas de criminalizar os profissionais da advocacia?

Waldir Caldas
– Esse tipo de projeto não tem como passar. Imagine se você jornalista tivesse que dedurar suas fontes? Ficaria sem as informações mais privilegiadas, porque ninguém daria uma informação polêmica, que exigiria uma grande apuração para ser divulgada, se não ficasse no anonimato. O mesmo ocorre com o médico, padre. É inerente a algumas profissões o sigilo profissional. Inclusive eu tenho uma opinião diferente de grande parte dos meus colegas quanto ao réu ter que me dizer exatamente o que aconteceu, eu penso o seguinte: em todo crime há, no mínimo, duas realidades. Uma é a que realmente aconteceu, a que somente o réu sabe, e a vítima, se sobreviveu.

A outra é a que está no papel, no processo. A versão que tentamos reproduzir no processo, com a ajuda de investigadores, delegados, promotores de Justiça, juízes, advogados é um esforço para reconstituir um fato que não presenciamos. E mesmo assim há condenações transitadas em julgado em que não há a certeza do que realmente aconteceu. E eu deixo bem claro ao réu que ele será julgado pelo que está no processo. Explico que, como está a situação, é A, B e C. Se ele souber de algo mais e quer trazer para modificar, nós trazemos ao processo e pode mudar de tal ou tal jeito.

MidiaJur – Também tem ocorrido muitas reclamações dos advogados por serem acionados pelo Ministério Público devido a ações supostamente ilegais dos gestores para os

" Então está equivocada essa responsabilização de um advogado por fazer parecer. Não tem sentido."

quais emitiram pareceres jurídicos. Há um senso comum nos órgãos acusadores em ligar os advogados aos supostos ilícitos dos clientes?

Waldir Caldas
– Há no meu entender exageros nessas situações. Eu sou um profissional e o Direito é uma ciência. Meu pensamento é científico, por isso muitas vezes a população confunde o advogado com quem ele defende. Até na família acontece aquelas frases do tipo “mas como você vai defender esse cara? Você está louco em ser advogado de fulano”. Não separam as coisas. Ora, se eu sou consultado para emitir um parecer sobre determinada situação jurídica, eu estou tão somente fazendo isso.

A discricionariedade em levar em conta aquilo que está sendo dito ou recomendado por mim é de quem vai aplicar aquilo e não minha. Primeiro: o fato de eu fazer um parecer não significa que esse parecer é a verdade absoluta. Segundo: o parecer não é uma determinação, não tem o condão de impor, a quem quer que seja, que adote aquela medida. Então está equivocada essa responsabilização de um advogado por fazer parecer. Não tem sentido.

MidiaJur - Falta uma atuação maior da OAB junto à sociedade para quebrar esse senso comum de que “quem defende bandido é bandido também”?

Waldir Caldas
– Eu entendo que sim. Na verdade eu posso até ser mal interpretado, mas eu penso que dificilmente nós advogados conseguiremos aprovação no meio social. Porque qual é a qualificação de quem nos julga? Eu não conheço nada de comunicação, não sou comunicador, não sou jornalista. Como eu aprecio e valorizo o conhecimento, respeito o seu conhecimento especifico da sua profissão. Agora só tem esse respeito quem valoriza o conhecimento. Eu respeito o conhecimento do médico, do engenheiro, fico abismado quando vejo um prédio gigante e penso na complexidade do projeto para fazer a edificação.

Lamentavelmente, grande parte da nossa população não tem nível de escolaridade e instrução necessária, e não valorizam conhecimento algum. Emitem suas opiniões com total leviandade sobre aquilo que não conhecem. Lamentavelmente, a grande maioria do povo brasileiro tem esse perfil. E isso não é só para o advogado, é para varias profissões. O juiz, por exemplo, quando solta um preso o povo brada “mas como? Porque soltou?”. Não entendem que o juiz é o escravo da lei e se a lei diz que os requisitos para sair são esses, caso o réu cumpra os requisitos ele terá que cumprir a lei e soltá-lo.

Se há insatisfação, deve-se então mudar a lei. Quem faz a lei é o Poder Legislativo, então vamos eleger melhor os nossos representantes e, antes de votarmos, vamos exigir deles que eles corrijam as leis que consideramos equivocadas. Mas eu pergunto: qual o percentual do povo brasileiro que tem esse critério de votação?

MidiaJur - Isso é mais agravante em casos de grande repercussão?

Waldir Caldas
- Esses casos polêmicos suscitam aquela ideia no meio social de que tal decisão é contrária aos interesses populares. O ministro Celso de Mello, quando votou pela aceitação dos embargos infringentes no caso do Mensalão, foi massacrado pela sociedade. Mas tecnicamente a decisão foi perfeita e de uma coragem fantástica, porque ele foi crucificado antes de dar o voto. Porque a população massacra? Por que não tem a informação e a educação para respeitar quem conhece aquele assunto.

"Porque a população massacra? Por que não tem a informação e a educação para respeitar quem conhece aquele assunto"

MidiaJur - No mês passado foi criada a Comissão de Direito Carcerário da OAB-MT. Qual a proposta desta comissão?

Waldir Caldas
– A questão prisional tem preocupado a OAB. Os elevados índices de criminalidade estão insuportáveis. Com um problema dessa magnitude, é imperativo que se tenha uma visão científica sobre o tema.

No final do ano passado, a OAB criou uma Coordenação de Monitoramento Permanente do Sistema Carcerário Brasileiro com a finalidade de não apenas fiscalizar as unidades prisionais, mas interferir para que ocorra gradativa redução dos índices de reincidência, que é o grande mal a ser combatido, no entender da OAB.

Aquelas situações de violência na Penitenciária de Pedrinhas, no Maranhão, foi a gota-d’água para a criação dessa coordenação.

MidiaJur – Quando houve as designações do Conselho Federal para as comissões regionais, foi pedido uma análise do sistema carcerário em cada Estado. Em que pé está este trabalho aqui em Mato Grosso?

Waldir Caldas
– Em Mato Grosso nós estamos um passo a frente em relação ao que vemos em outros estados da federação. Tínhamos um problema que foi resolvido quase que totalmente no começo deste ano, que é o surto de tuberculose, mas a situação foi controlada. Temos uma vantagem por não mais contarmos com presos em delegacia, eles ficam 24 horas e são encaminhados para as cadeias ou penitenciárias. E temos uma quantidade de reeducandos estudando e trabalhando acima da média nacional. Mas isto é insuficiente.

O nosso foco é diminuir a reincidência. Há 10,2 mil reeducandos no Estado. Temos a informação que o índice de reincidência varia de 65% a 80%, mas vamos adotar medidas para quantificar com precisão estes dados. Se a média for em mais ou menos 70%, dos 10 mil, 7 mil voltarão a delinquir.

MidiaJur - Este número negativo de reincidência é culpa da administração do sistema prisional?

Waldir Caldas
– Vou citar um exemplo: se eu vou em um mercado e não sou bem tratado, simplesmente não volto mais ali. Vou no concorrente. Mas nós cidadãos temos um grande problema. O povo não tem esse mesmo critério quando se relaciona com “O Príncipe”, de Maquiavel: o Estado. Ele aceita pacificamente o que vem de lá pra cá. E a nossa ideia é despertar na população esse espírito crítico da contraprestação do serviço público, em todas as áreas.

É inaceitável que, diante da fábula de dinheiro que se gasta na administração penitenciária, a contraprestação para a população seja essa. Gasta-se muito dinheiro para dar um retorno para a população de 70% de reincidência ao crime. Quem tem a ver com essa administração, Secretaria de Justiça, juízes de execução penal, promotores da área, gestores penitenciários, agentes, deveriam parar para pensar e sentir vergonha do que dão para a população.

MidiaJur - Qual é a realidade hoje do detento em Mato Grosso?

Waldir Caldas
– O que se deve entender é que no Brasil não existe pena de morte nem prisão perpétua, logo, quem é preso um dia sairá de lá, mais cedo ou mais tarde. E o perfil do nosso
Isa Sousa
"Gasta-se muito dinheiro para dar um retorno para a população de 70% de reincidência ao crime"
reeducando, em regra, é um jovem de 22 anos de idade, com ensino fundamental incompleto, sem formação profissional e uma renda familiar abaixo de dois salários mínimos.

Os crimes mais comuns são tráfico de drogas, crimes contra o patrimônio e, em Cuiabá e Várzea Grande, um número assustador de crimes contra a vida. Nesta condição o cidadão entra para o sistema. Ora, quando ele entra no sistema já está excluído do mercado de trabalho, que exige formação e escolaridade. Ficando segregado por mais algum tempo, essa deficiência só se agrava e mais defasada e distante ele fica da possibilidade de trabalhar.

E, nessa condição ele sai do sistema. Associado a tudo isso há o preconceito da sociedade hipócrita que exige que esse cidadão, nessa condição, consiga se manter distante do crime por muito tempo. Há exceções, mas não são todos que possuem uma estrutura familiar, ética, moral para resistir a essa tentação.

MidiaJur - Falta mais políticas para que o reeducando possa ser aceito pela sociedade?

Waldir Caldas
– O reeducando precisa trabalhar e estudar. Porque a grande maioria que tiver essa oportunidade vai usar lá fora. Essa é uma das metas da comissão, com o Projeto Cela Vazia. É a nossa obsessão, vai ser muito bom o dia em que não tivermos um reeducando sequer dentro da cela durante o dia. Ele vai estar trabalhando ou estudando. É o nosso grande desafio e vamos atuar como mais um agente para colaborar, levar ideias, fiscalizar as entidades que tem responsabilidade sobre a administração penitenciária.

Acreditamos que colocando os reeducandos para trabalhar e estudar, estaremos reduzindo gradativamente os índices de reincidência e aumentando os números de ressocialização. Aí sim haverá uma contraprestação para a sociedade do que é investido atualmente nesta área. Mas temos também que levar aos agentes penitenciários esta filosofia, pois sem a ajuda deles nada funciona.

MidiaJur – É comum embates entre agentes penitenciários e advogados aqui no Estado. Esta realidade tem melhorado?

Waldir Caldas
– É muito recorrente os problemas dos advogados com os agentes no âmbito das unidades prisionais, mas é bem menos do que já foi. Se eu vou na penitenciária com uma mochila do tamanho do mundo, estou protegido pela lei pois sou inviolável no exercício da profissão. Mas se eu fosse um agente penitenciário e visse um cidadão chegar com uma mochila daquele tamanho dentro da unidade prisional, teria outra visão. Imaginaria que poderia haver 10 celulares lá dentro, uma pistola. E não há como condenar o agente, que é treinado para a segurança, por pensar desta forma.

Nós da OAB então começamos a pensar da seguinte maneira: esses atritos existem porque as categorias não se conhecem. Por isso decidimos estreitar as relações, para que tanto nós quanto os agentes conhecêssemos o outro lado da moeda e passássemos a respeitar as prerrogativas de ambos os lados. Passamos a dar palestras na Escola Penitenciária e passamos a levar agentes penitenciários para dar palestras na OAB. Algo impensável até muito pouco tempo atrás. Com isso, conseguimos humanizar a relação com os agentes penitenciários.

" É muito recorrente os problemas dos advogados com os agentes penitenciários no âmbito das unidades prisionais"



MidiaJur - Um ponto muito criticado é a falta de unidades específicas para políticos, autoridades e pessoas que têm direito à celas especiais em Mato Grosso, o que gera uma sensação de impunidade perante a população. Como o senhor avalia isso?

Waldir Caldas
– De fato, não temos em Mato Grosso uma unidade que possua essa estrutura. Criou-se o Anexo I na Penitenciária Central do Estado (PCE), que funciona nos fundos da Polinter, para receber este tipo de preso diferenciado. Não há, no meu entender, nenhuma afronta à lei, em tratar essas pessoas de maneira diferente. Se é autoridade, significa que representa uma instituição, e essa instituição exige um tratamento diferenciado.

MidiaJur – A questão da inviolabilidade do advogado, apesar de prevista em lei, gera críticas por parte da sociedade, que muitas vezes atribui aos advogados a culpa da entrada de celulares usados para operar o crime de dentro da prisão, ainda mais quando profissionais são presos em flagrantes com os aparelhos. Como resolver este impasse entre utilizar a prerrogativa e não gerar desconfiança popular?

Waldir Caldas
– A tecnologia nos socorreu em situações desta natureza. Na PCE há uma máquina de raio-x, e aquilo é a solução para todos os nossos problemas. A partir da instalação daquela máquina, qual é a certeza que fica para a sociedade? Que nada entrará lá dentro sem o conhecimento do agente penitenciário. Essa situação nos deu uma tranquilidade enorme e nós entendemos que essa máquina deveria existir em toda unidade prisional de porte médio e grande.

MidiaJur – Há outras maneiras de evitar essas situações de desconfiança onde não existem esses equipamentos de raio-x?

Waldir Caldas
- Também temos conversado muito com a advocacia. Ao invés do advogado entrar na unidade prisional com uma mochila preta do tamanho do mundo, poderia fazer o que eu faço. Eu uso uma pasta transparente, coloco uma procuração, cópias de processos, caneta no bolso e entro no sistema prisional desta forma. Alivia o stress do agente penitenciário. Nós estamos mostrando para a advocacia que esse procedimento deve ser adotado para facilitar o controle e a fiscalização por parte de quem está no sistema. E o nosso Tribunal de Ética tem tratado com todo o rigor os profissionais que cometem crimes de levar objetos proibidos para as unidades.

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