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Entrevista Domingo, 01 de Dezembro de 2013, 10:20 - A | A

01 de Dezembro de 2013, 10h:20 - A | A

Entrevista / ARMANDO CÂNDIA

“Falta de atuação da OAB deixa o Judiciário cômodo”

Segundo advogado, suposta “timidez” da OAB-MT em cobrar melhorias da Justiça Estadual reflete negativamente na atuação dos advogados

LUCAS RODRIGUES
DA REDAÇÃO



Integrante ativo do grupo intitulado “Advocacia em Movimento”, o advogado Armando Biancardini Cândia vê com preocupação a realidade da advocacia mato-grossense.

Para ele, a atuação da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso (OAB-MT), no que tange a cobrar melhorias à Justiça para o exercício da advocacia, tem sido “tímida” e deixado “o Judiciário cômodo”.

“ A gente vê que a OAB-MT não faz nada de concreto. Há visitas, reuniões, mas é só. E aí o tribunal vai tocando, vai indo. Sabe que há problemas, reconhece, mas não faz nenhum esforço conjunto para que isso seja solucionado. E cabe à OAB atuar nisso”, criticou Armando.

Um dos principais problemas da Justiça que atrapalha a qualidade e a celeridade dos serviços prestados pela classe, segundo o advogado, é a falta de servidores efetivos no tribunal e nas comarcas e, mais recentemente, a multiplicidade dos sistemas de cadastro, consulta e conta única disponibilizados pelo TJ-MT.

"A gente vê que a OAB-MT não faz nada de concreto"

“A situação é séria quanto à conta única. Há organização, mas às vezes um banco procede de uma forma, outro de outra, e ninguém encontra o dinheiro. Aí o advogado tem que correr atrás de alvará, ir à vara, e isso não é má vontade. Não são grandes empresas que dependem dos juizados, são os advogados”, apontou.

Armando relatou que todas estas dificuldades aliada com a alegada falta de cobrança da seccional acabam por resultar em um “efeito dominó” que agrava a já existente “crise na advocacia mato-grossense: com morosidade e falta de qualidade na prestação dos serviços, o cliente fica insatisfeito e o advogado o perde. Como dependem do valor dos honorários, muitos profissionais acabam por se sujeitar a preços irrisórios propostos por escritórios de massa do sul-sudeste, que, por consequência, geram concorrência desleal".

“Eu tinha um cliente há anos e em certo momento ele quis propor o pagamento de um preço bem abaixo do que eu cobrava, não quis fazer e perdi o cliente. Mas há quem faça e isso gera um grande problema. Isso é preocupante e precisa ser discutido pela OAB”, contou.

Na entrevista da semana, o advogado Armando Biancardini Cândia fez um balanço sobre os erros e acertos da atual gestão da OAB-MT, discorreu sobre a realidade da advocacia em Mato Grosso e contou detalhes das articulações do grupo que faz oposição aos atuais comandantes da seccional.

MidiaJur - Qual a sua avaliação deste quase um ano de gestão do grupo que hoje comanda a OAB-MT?

Armando Cândia
– Eu vejo que estão havendo mudanças, mas, mudanças realmente significativas não estão ocorrendo. E falta mais atitude da OAB-MT. A sala dos advogados no Fórum de Cuiabá também melhorou muito, mas ela poderia ter feito muito mais. Cumprimento a gestão por algumas conquistas, como o estacionamento, a clínica dos advogados. Lá em 2009 o estacionamento foi inaugurado, depois foi abandonado durante a gestão do presidente anterior e voltou agora quase 1 ano depois de assumir essa gestão. Há uma questão financeira? Claro. Mas é um momento político. Porém, é uma atitude positiva e deve ser elogiada. Há muito o que se fazer ainda. A gestão foi tímida.

"Eu vejo que estão havendo mudanças, mas, mudanças realmente significativas não estão ocorrendo"

MidiaJur – E a OAB-MT, em sua opinião, tem se engajado em buscar os interesses da classe?

Armando Cândia
- Falta um pouco de combate. E esse grupo da OAB-MT, essas administrações que passaram antes dessa e que continuam no poder, está um pouco cansado. Quem sabe a oxigenação seja uma mudança boa. Há mudanças, mas muda o time e não muda o técnico. Muda o time, mas não muda o capitão. Na hora da decisão, quem vai carregar a taça são os mesmos.

MidiaJur - Esse grupo conseguiu contribuir em algo pela Ordem?

Armando Cândia
– Após a gestão Rubens de Oliveira, a OAB-MT deu uma guinada. O Ussiel Tavares, por exemplo, tirou a seccional de um estado um pouco igualitário com outras instituições e a colocou um patamar acima. Faiad também abriu muitos espaços, o Cláudio Stábile um pouco menos, mas contribuíram para a Ordem.

MidiaJur - O que o senhor acredita que a OAB-MT tem feito ou deveria fazer para melhorar a qualidade da Justiça, fator que interfere diretamente na qualidade do trabalho e remuneração do advogado?

Armando Cândia
- Na campanha passada, propomos haver debates com o Tribunal de Justiça, ajudar nessa busca de maior orçamento junto ao Governo do Estado. E a gente vê que a OAB-MT não faz nada de concreto. Há visitas, reuniões, mas é só. Poderia ser criada uma comissão específica só para lidar com essa questão de orçamento, de acompanhar onde estão sendo aplicados os recursos e no que a OAB-MT poderia auxiliar, estar presente. Não vemos isso, se existe, está faltando divulgarem. Temos muitos advogados que poderiam ser úteis nesse sentido, com experiência, com carreira no serviço público, ex-magistrados, ex-presidentes dos TJs.

MidiaJur - As dificuldades em lidar com uma Justiça morosa continuam complicadas para o advogado?

Armando Cândia
- Nós vemos a situação dos Juizados Especiais. Processos conclusos há um ano, dois anos, sem decisão. A situação também é séria quanto à conta única. Há organização, mas às vezes um banco procede de uma forma, outro de outra, e ninguém encontra o dinheiro. Aí o advogado tem que correr atrás de alvará, ir à vara, e isso não é má vontade. Não são grandes empresas que dependem dos juizados, são os advogados. Nada contra os estagiários, mas precisamos de mais funcionários efetivos, comprometidos. Esse é o grande questionamento do jurisdicionado e do advogado. O advogado precisa de mecanismos para trabalhar bem.

MidiaJur- Uma reclamação constante é quanto à falta de padronização do processo eletrônico, pois só na Justiça Estadual há três sistemas diferentes...

"O Judiciário acaba ficando em uma situação cômoda. Vai tocando, vai indo. Sabe que há o problema, reconhece, mas não faz nenhum esforço conjunto para que isso seja solucionado"

Armando Cândia
– É uma discussão que precisa acontecer. Porque ela vai ferir o advogado que vai estar prestando o seu serviço. Poderia a OAB fazer audiências públicas sobre esse assunto. Que receio é esse de discutir o PJe da Justiça do Trabalho, do CNJ, que é o Projudi, e de outros sistemas? Já tive ocasiões em que o sistema não bate horário, para um procedimento é de uma forma, para o outro já muda e quem é prejudicado é o advogado.

MidiaJur - A falta dessa discussão que o senhor alega, faz com que o Judiciário não dê prioridade a esse problema?

Armando Cândia
- O Judiciário acaba ficando em uma situação cômoda. Vai tocando, vai indo. Sabe que há o problema, reconhece, mas não faz nenhum esforço conjunto para que isso seja solucionado. E cabe à OAB atuar nisso. A OAB é muito maior do que uma representação de advogados, a sociedade cobra isso. Se esse problema afeta os advogados, imagine para quem depende que os processos andem. É um problema seríssimo.

MidiaJur - No que a OAB-MT poderia cobrar da Justiça para uma melhor prestação jurisdicional?

Armando Cândia
– Era a hora da OAB-MT realmente adentrar nesta questão. Mas, é preciso chamar para a discussão, pois é sempre o mesmo grupo que está lá. Temos que chamar para a discussão todos os advogados, arejar um pouco. Não há oposição depois que acaba uma eleição, todos queremos que a Ordem vá bem, pois se ela fazer um bom serviço, vai refletir no nosso dia a dia. Eu acho que falta a OAB-MT se posicionar e estar ao lado do Poder Judiciário, efetivamente. Se inserir nas discussões, exigindo posturas e cobrando, não só criticando.

MidiaJur - Há outras questões em que a OAB-MT deveria estar mais atuante, na sua opinião?

Armando Cândia
– Cuiabá está enfrentando esse problema da água com a CAB, afetando centenas de bairros. Falta uma postura da comissão responsável. As instituições não falam, o MPE não fala, será que ninguém está vendo? Você pode perguntar para os advogados que estão no Fórum, pedindo se houve alguma mudança com essa administração, ninguém sabe responder. Cansou. A administração é boa? É boa. Mas tem que ser muito melhor. Tem que ser diferente, é a vez de se ouvir mais, abrir mais os espaços como um todo. A OAB deveria mostrar como são escolhidas as comissões, precisamos saber quais são os critérios de quem ocupa os cargos. A instituição brigou por eleições limpas, mas precisa fazer a lição de casa. Não era a hora da OAB instituir a ficha limpa dentro da entidade? O mundo pede mais dessa clareza. Aí vem a notícia da imprensa sobre o advogado que pediu os documentos da prestação de contas da OAB-MT, conseguiu uma liminar, mas a OAB-MT recorreu. Me surpreendeu a postura da Ordem em fazer isso. Porque não se propôs a fazer uma assembleia de prestação de contas? Isso não cabe mais.

"Eu tenho certeza que o dinheiro da seccional está sendo bem utilizado, mas a classe precisa saber como está sendo gerido os recursos, colocado às claras"

MidiaJur - A Ordem precisa ser mais transparente nessa questão de prestar contas?

Armando Cândia
– Até algumas empresas privadas fazem essa prestação e nós, que sempre estamos na vanguarda de muita coisa, ficamos retrógrados. Isso precisa ser melhorado. Causa uma perplexidade, instabilidade. Qual é o problema de apresentar os documentos? Não há nada secreto. Se o advogado utilizar dos dados com má-fé, há o Tribunal de Ética para apurar. Eu tenho certeza que o dinheiro da seccional está sendo bem utilizado, mas a classe precisa saber como está sendo gerido os recursos, colocado às claras.

MidiaJur - Qual é a realidade que o advogado enfrenta atualmente no Estado?

Armando Cândia
– Há uma grande influência de grandes escritórios que começaram a entrar dentro do Estado e gerou um problema muito sério de aviltamento dos honorários advocatícios. Nesse ponto, cumprimento o colega Adriano Carrelo, da Comissão dos Honorários Advocatícios, que tem brigado por essa questão. Esses escritórios do sul acabam contratando advogados daqui por preços irrisórios. E o advogado, que não pode deixar de trabalhar, ás vezes acaba aceitando fazer uma audiência por R$20, R$50. Eu tinha um cliente a anos e em certo momento ele quis propor o pagamento de um preço bem abaixo do que eu cobrava, não quis fazer e perdi o cliente. Mas há quem faça e isso gera um grande problema. Isso é preocupante. Há muitos profissionais, mas há processos, há litígios, e todo cidadão um dia vai precisar de um advogado. E isso precisa ser discutido pela OAB.

MidiaJur - O fato de Mato Grosso ser um dos principais alvos desses aviltamentos pode ser interpretado como um indício de que há uma crise na advocacia do Estado, que leva estes profissionais a aceitarem trabalhar nestas condições?

Armando Cândia
– Com certeza, há uma crise sim. E porque ela existe? Por conta de dificuldades na prestação jurisdicional. Se você tem um cliente e o processo anda, o cliente vai ficar satisfeito e você vai ter mais clientes. Agora, se demora anos e você cobrou um valor “x”, acabou que você pagou para trabalhar. E você, pagando para trabalhar e aí alguém te oferece para fazer algo rapidamente, a pessoa acaba cedendo. É um problema crônico. A profissão não é fácil, é belíssima, mas hoje em dia é muito difícil. Tanto que há um número muito grande de pessoas que saem do direito e se dedicam a uma carreira na magistratura, ou fazem concursos. Porque é preferível uma estabilidade na profissão. Eu ando nos fóruns, Tribunal de Justiça, TRT e vejo que muita gente joga a toalha.

MidiaJur - O senhor pertence ao grupo de oposição liderado pelo advogado José Moreno. Esse grupo tem se reunido?

Armando Cândia
– Esse grupo não deixou de se encontrar, continuamos a nos reunir, a cada uma semana, às vezes a cada 15 dias. Teve a iniciativa do Moreno e esse grupo já tem nome, que é o Advocacia em Movimento. Ouvimos colegas do interior, da Capital, e criamos o site MT Jurídico, bem simples. Queremos ser ouvidos, possuímos grupo de Whatsapp, sempre discutimos, conversamos, inclusive com gente da atual gestão da OAB-MT. Ninguém é candidato agora não, estamos querendo avaliar, fazer uma agenda positiva. Ninguém neste momento pensa em chapa. Queremos agora cobrar, fazer um balanço deste um ano de gestão. Não somos acomodados, queremos sempre o melhor.

MidiaJur - Há comentários de que integrantes da atual gestão da OAB-MT tem se afastado da seccional para integrar este grupo. Há alguma verdade nisso?

"Infelizmente, há esse sentimento de que a coisa poderia se desenvolver um pouco mais"

Armando Cândia
– Conversamos com muitos integrantes da seccional no Estado, até do Conselho Federal. Infelizmente, há esse sentimento de que a coisa poderia se desenvolver um pouco mais. Se em um ano, isso vai ser uma constante, vai depender da direção da seccional.

MidiaJur - O advogado Paulo Fabrinny afirmou, em recente entrevista, que a oposição não tem proposta, que é só ‘oba-oba’ e que não consegue se unir. Como o senhor vê este tipo de crítica?

Armando Cândia
- Vejo com um pouco de tristeza. Falar que é só oba-oba quase dois mil colegas, que foram os votantes do candidato José Moreno na eleição passada. Eu venho de várias campanhas de oposição e não entendo que elas saíram derrotadas. Mas, participamos da discussão, e em nenhum momento deixamos de prestar serviço à nossa entidade e à nossa classe. Até me admiro, porque o Paulo é um advogado conceituado e não deve ter levado em conta esses mais de dois mil advogados que disseram não para essa administração. Se em 3 meses, conseguimos trazer mais de 2 mil advogados para essa “festinha”, será que não tem valor nenhum? É até uma falta de respeito com esses advogados.

MidiaJur - Então o senhor não concorda com essa crítica de que a oposição fique procurando erros para apontar?

Armando Cândia
- Nós queremos somar, contribuir, dependemos de uma boa OAB. Dependemos de uma boa OAB no interior, de uma OAB atuante quando ocorrer uma violação de prerrogativas, e não de uma OAB que só atenda uma ou outra pessoa. Precisamos de uma Ordem que integre os advogados, que os advogados se sintam orgulhosos. Parabenizo pela Corrida dos Advogados, que foi uma ação simples, mas fez com que o advogado tivesse orgulho da sua instituição.

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