LUCAS RODRIGUES
DA REDAÇÃO
O abarrotamento de ações nos Juizados Especiais da Capital têm preocupado e causado dor de cabeça aos advogados, magistrados e, principalmente, jurisdicionados, que esperam por períodos de tempo além do razoável para terem seus processos decididos.
Uma das propostas para amenizar esta situação tem sido articulada pela desembargadora Clarice Claudino, que coordena o Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT) desde a criação da unidade, há pouco mais de três anos.
Segundo a desembargadora, uma alternativa que desafogaria essa demanda é a criação de uma unidade centralizadora em Cuiabá para realizar todas as audiências de conciliação e mediação dos Juizados Especiais.
“Esse é um projeto que já está em andamento e demanda um aporte de pessoas e de vontade política muito grande. São juizados que têm um número de demandas mensais que, somados, dá um volume de audiências enorme. E aí precisamos de um espaço maior e de toda uma estrutura que está sendo viabilizada”, adiantou ela.
Clarice Claudino avaliou que o número de acordos nas audiências de conciliação nos Juizados da Capital é “pífio” (cerca de 5 acordos para cada 100 audiências) e esse fator tem contribuído para o prosseguimento de ações com “potencial de acordo”, o que tem resultado na maior demora na resolução dos conflitos.
“Não há tempo para aplicar as técnicas corretas no atual sistema. Os juízes fazem por atacado o agendamento das audiências. E nós pretendemos fazer uma triagem diferenciada, para ganhar tempo e otimizar aquelas que terão possibilidade de sucesso. Agora, se um processo com possibilidade de sucesso em acordo for tratado no mesmo tempo que outro que não tem, acaba por gerar um problema”, ressaltou.
Na entrevista da semana, a desembargadora Clarice Claudino ainda falou sobre a falta de uma cultura da conciliação e mediação, as vantagens de se empregar essas técnicas, os objetivos do Núcleo e o aumento das atribuições do Poder Judiciário.
Confira os melhores trechos da entrevista:
MidiaJur – A prática da conciliação tem dado efeitos positivos, com porcentagens de acordos superando os 80%, mas ainda é um instrumento pouco usado em geral. Porque isso ocorre?
Clarice Claudino - O nosso sistema estimula a litigiosidade, tudo vira processo. A gente ainda não tem a cultura de procurar uma alternativa, o advogado é formado para entrar com o processo e não para resolver as demandas que chegam até ele. Diante dessa tradição que está enraizada, estamos com esse mar de processos em todos os segmentos da Justiça.
MidiaJur – A maior procura dos cidadãos em lutar por seus direitos tem contribuído para esse abarrotamento?
Clarice Claudino – Depois da edição da Constituição Federal e do Código de Defesa do Consumidor passamos a estar muito mais conscientes dos nossos direitos, não deixando passar nada. Entretanto, o outro lado da moeda é a constatação de que não é possível dar tratamento adequado a todas as demandas nesse tipo de sistema. Há alguns anos o CNJ já entendeu que, mesmo se multiplicássemos em 10 vezes a atual estrutura judiciária, ainda não resolveria o problema, pois a solução é difundir uma nova cultura: a cultura de que as próprias pessoas participem da solução dos conflitos.
MidiaJur - O Núcleo de Conciliação e Mediação em Mato Grosso está na ativa há três anos. De lá pra cá, quais foram os resultados obtidos?
Clarice Claudino – Obtivemos excelentes resultados, temos trabalhado muito, já contamos com um bom número de centros no interior. As centrais da Capital tem se focado mais nos mutirões, justamente porque há um acervo, um estoque muito grande. E nesses mutirões também estão sendo incluídos os pré-processuais, ou seja, evitar a judicialização. Tivemos uma experiência muito boa com o município em um mutirão pré-processual e evitamos o ajuizamento de mais ou menos 25 mil processos. O percentual de acordo é animador. Agora em junho, iremos instalar mais dois centros no interior, em Primavera do Leste e Campo Verde.
"O processo é muito caro, manter uma ação tramitando é muito caro. E quem paga isso? Todos nós."
MidiaJur – Esses mutirões geram algum tipo de economia aos cofres públicos?
Clarice Claudino – Sim, pois o processo é muito caro, manter uma ação tramitando é muito caro. E quem paga isso? Todos nós. Agora se o judiciário oferece às pessoas a possibilidade de fazer um acordo antes mesmo de ser ajuizado o processo, esse custo cai a quase zero. Assim, com menor número de ações, o magistrado pode dar mais atenção a processos mais complexos. Porque aqui no tribunal nós temos milhares de recursos de pequeno valor, de controvérsias que poderiam ser resolvidas em dois tempos.
MidiaJur - Além de desafogar o estoque e economizar recursos, que outros benefícios a conciliação traz?
Clarice Claudino – O fator satisfação é o maior benefício. Esta alternativa resolve não só o processo, mas o conflito. Porque as partes saem contentes pela agilidade e também porque elas se sentem com maior participação na decisão. E quem participa do desfecho sai mais comprometido. Se eu prometi que vou lhe entregar um celular, se eu fiz esta proposta e não o juiz, eu acabo por entregar o celular de melhor boa vontade e aquele sentimento de conflito é resolvido. Porque muitos processos não se resolvem com a sentença. Porque depois da sentença vem a execução da sentença, os embargos da execução, a impugnação, então vai criando estes filhotes. E mesmo quando o processo é resolvido, o problema não é. Porque só se acaba com o problema quando as partes saem satisfeitas, que é o que acontece na mediação e na conciliação.Sentença nunca agrada. Agrada um e desagrada o outro, quando não desagrada os dois.
MidiaJur - Nos centros judiciários há uma preparação e estrutura diferenciada para atender as partes?
Clarice Claudino – A sala de audiências há uma mesa redonda, oferecemos café e contamos com uma estrutura para proporcionar aconchego às partes, com música ambiente, para as pessoas se soltarem um pouco mais. Porque as pessoas geralmente chegam muito tensas, porque há esse pensamento de ter orgulho em nunca ter ido à delegacia ou ao Fórum. Em alguns lugares, os centros funcionam em outros lugares distantes do Fórum para fugir um pouco desse ambiente austero, como em Várzea Grande e Sinop, onde os centros ficam em faculdades. Isso faz com que as pessoas tenham menos resistência e cheguem às audiências mais ambientadas e desarmadas. Porque essa postura formal do ambiente forense corre com muita gente.
MidiaJur - E quanto à prática da conciliação e mediação, existem investimentos para preparar o mediador/conciliador no intuito de conseguir promover acordos entre as partes?
Clarice Claudino – Às vezes a pessoa pede uma coisa, mas o que ela está querendo naquele processo é outra. Seja uma vingança ou uma forma de usar aquilo como arma. Por isso temos trabalhado muito nos cursos de preparação de voluntários e com os credenciados do Estado, que também são capacitados, e tem dado muito certo. Nós temos uma equipe muito bem composta por instrutores.
"Às vezes a pessoa pede uma coisa, mas o que ela está querendo naquele processo é outra. Seja uma vingança ou uma forma de usar aquilo como arma. "
MidiaJur - Quais são as próximas metas no âmbito da conciliação e mediação no Estado?
Clarice Claudino - A pretensão nossa é centralizar todas as audiências de conciliação dos juizados da Capital. Esse é um projeto que já está em andamento e demanda um aporte de pessoas e de vontade política muito grande. Porque o volume é muito grande. São juizados que têm um número de demandas mensais que, somados, dá um volume de audiências muito grande. E aí precisamos de um espaço maior e de toda uma estrutura que está sendo viabilizada. Hoje, a maior reclamação dos usuários dos juizados é a demora. E a demora acontece porque existem milhares de processos aguardando audiência de conciliação. As audiências estão sendo marcadas para muito longe. Nossa proposta é instalar esse centro na Capital para fazer todas as conciliações dos juizados em um local só e em tempo hábil.
MidiaJur – Quais seriam as vantagens da centralização das audiências?
Clarice Claudino - O número de resultados positivos de conciliação dos juizados é pífio, não dá nem para falar de tão vergonhoso. De 100 audiências de conciliação realizadas nos juizados, não há 5 acordos. Porque não há tempo para aplicar as técnicas corretas no atual sistema. Os juízes fazem por atacado o agendamento das audiências. E nós pretendemos fazer uma triagem diferenciada, para ganhar tempo e otimizar aquelas que terão possibilidade de sucesso.
Agora, se um processo com possibilidade de sucesso em acordo for tratado no mesmo tempo que outro que não tem, acaba por gerar um problema. Hoje, o nosso tratamento é igual. E ele precisa ser diferenciado. Não se pode admitir que um processo de DPVAT, que tem uma dívida de R$ 3 mil, seja tratado do mesmo jeito –processualmente falando- que uma demanda de grande repercussão social. Essas demandas podem ser aceleradas e otimizadas se forem tratadas adequadamente.
MidiaJur – Levantamento do CNJ mostrou que, em 2012, o TJ-MT foi o terceiro pior tribunal de porte médio do país em produtividade de magistrados. Isso não acaba por frustrar os ganhos obtidos em baixa de estoque resultados da conciliação?
Clarice Claudino – Eu percebo que, de 2013 para 2014, houve um aumento considerável de magistrados e isso deve ajudar a melhorar esse número. Pois são pessoas comprometidas, que estão trabalhando e produzindo muito. Foi um reforço muito positivo para nosso Estado. A gente até se assusta com esse tipo de resultado, pois estamos todos trabalhando além do limite. E aí tem a questão daquilo que havia falado: resolve o processo, mas não resolve o problema.
Se eu sentenciei, obtive um número positivo. Mas o processo não morre, acaba vindo os filhotes da sentença. É uma aparente baixa produtividade, a produtividade é boa. Nós não estamos tendo ainda um bom gerenciamento na hora de finalizar o processo. E a conciliação e mediação evita isso, evita execução de sentença, evita embargos e os desdobramentos.
Sentença tem muita, mas o processo não acaba. O nosso volume de recursos no tribunal triplicou, meu gabinete nunca teve tanto recurso para julgar. Eu saí de licença médica e continuei julgando, baixei 270 processos e parece que não foi nada. Parece que estamos cavando buraco na água, uma sensação de impotência.
"O número de resultados positivos de conciliação dos juizados é pífio, não dá nem para falar de tão vergonhoso. De 100 audiências de conciliação realizadas nos juizados, não há 5 acordos"
MidiaJur - Nos últimos anos, ficou evidente que as atribuições do Judiciário aumentaram. As eleições se resolvem na Justiça, o que era para ser resolvido na administração pública se resolve na Justiça, a falta de iniciativa do Poder Legislativo em determinada questão se resolve na Justiça. Isso tem causado temor na magistratura como um todo?
Clarice Claudino – Não assusta, mas causa perplexidade. Porque a finalidade do Poder Judiciário acaba sendo muito diluída, principalmente na área da saúde, é muito crítica a situação. O Poder Público é nosso principal cliente, seja como demandante seja como demandado.
MidiaJur – Falta conscientização do Poder Público para evitar essa judicialização de tudo?
Clarice Claudino – Ainda falta muito em termos dessa consciência. Mas já temos alguns avanços. A própria União tem determinado que os procuradores não movam recursos fadados ao insucesso. No entanto, não chega a ser algo que faça com que diminua a carga. Não existe ainda como praxe a prática de evitar a judicialização. Os avanços são pequenos e precisamos trabalhar muito ainda.
MidiaJur – Algumas correntes de juristas pregam que as punições e multas ao Poder Público deveriam ser bastante majoradas em caráter pedagógico, pois muitas vezes as condenações são até mais vantajosas financeiramente do que cumprir a lei da forma adequada. A desembargadora concorda com isso?
Clarice Claudino – Essas penalidades pedagógicas dependem de prova de má-fé. E provar má-fé nesses casos é algo bastante difícil. Muito raramente nós temos instrumentos para fazer a aplicação dessas penas inibitórias. Mas quando dá, o tribunal não titubeia, aplica. Não só para o Poder Público, mas bastante para o particular. E às vezes os próprios profissionais do Direito fazem com que haja uma incidência muito grande de certos tipos de ação, que vira moda. Alguns desdobramentos de ações de empresas de telefonia, por exemplo, no mesmo caso eles multiplicam por milhares, que poderiam ser um caso só. Fazem uma captação, ao arrepio da ética, e abarrotam nossos caminhos com esses processos.
MidiaJur – No STF recentemente foi julgada uma ação sobre um pacote de pão de queijo estragado e outra sobre um roubo de galinha. A desembargadora já chegou a julgar algum recurso motivado por razões insignificantes?
Clarice Claudino – Sim, e digo que o número não é pequeno não. De coisas que economicamente são insignificantes e que poderiam ser resolvidas de outra forma, que é levado avante. Uma vez julguei o caso de um inseto na garrafa de Coca-Cola, ou uma fotografia indevida no jornal sem autorização do pai e da mãe, coisas pequenas que dariam para resolver em dois tempos. Mas não, vem recursos e mais recursos. No caso da fotografia foram mais de um, pois foram várias mães que se sentiram lesadas porque os filhos apareceram em uma propaganda e cada uma delas moveu um processo. E demoraram anos para ter uma decisão, mas não sei se conseguiram subir algum recurso para uma instância superior (risos).
MidiaJur - Existe alguma parceria do núcleo com a OAB para incentivar os advogados a praticar a conciliação e evitar o ajuizamento de ações com pedidos abusivos ou que poderiam ser resolvidos de outra maneira?
Clarice Claudino – Nós fizemos parceria com a OAB e a ordem inclusive instituiu uma comissão para isso. E há um advogado que trabalha com a gente aqui, também temos parceria com o Ministério Público, Defensoria Pública, Procuradoria Geral do Estado, faculdades. Para ir mudando inclusive a grade curricular, várias faculdades de Cuiabá já estão ofertando a matéria sobre conciliação e mediação. Já temos avanços concretos para formar profissionais com uma outra visão. Porque a conciliação e a mediação não tira a clientela, pelo contrário, é possível ganhar honorários até mais rápido, fazendo a conciliação no próprio escritório e tendo seu lucro com isso.
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