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Midia Jur
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Entrevista Domingo, 15 de Setembro de 2013, 08:04 - A | A

15 de Setembro de 2013, 08h:04 - A | A

Entrevista / FALTA DE INVESTIMENTO

Juízes soltam menores por falta de espaço, diz promotor

Promotor da Infância afirma que Estado não investe no sistema sócioeducativo e em todos os outros setores que envolvem a vida das crianças

LUCAS RODRIGUES
DA REDAÇÃO



Com mais de uma década de experiência de atuação na 14ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de Cuiabá, o promotor José Antônio Borges afirmou, em entrevista ao MidiaJur, que juízes estão liberando adolescentes que cometeram ato infracional grave, por falta de local adequado para internação.

Segundo o promotor, a situação é crítica no Estado.

“Os juízes para não serem responsabilizados por uma situação dessa, e com razão, estão sendo obrigados a soltar adolescentes que cometeram atos infracionais graves, porque não há lugar para internar este meninos”, disse.

José Borges ressaltou que “adolescentes estão ficando na rua e está sendo gerada a impunidade, porque faltam vagas no sistema”.

“Se existe uma área que foi esquecida em nosso Estado, é a área socioeducativa para nossos adolescentes”, destacou.

O promotor também é categórico ao assegurar que o Poder Público não tem tratado as crianças como prioridade na Capital.

“A própria Constituição diz que a criança deve ter prioridade absoluta. Se todo mundo pensasse nesse sentido, o Governo Estadual, Federal e Municipal, assim como o Legislativo, Judiciário, Ministério Público, talvez tivéssemos um país melhor. Porque a criança não é o futuro, é o presente”, disse ele.

Borges criticou o SUS (Sistema Único de Saúde) e afirmou que falta atendimento especializado para este público. Segundo ele, o SUS “só cumpriria situações de urgência em casos de intervenções da Justiça”.

“Uma criança que tem um problema ortopédico, uma cirurgia cardíaca, tudo isso tem se resolvido com liminares judiciais. Não há uma situação que funcione em relação à saúde das crianças”, ressaltou.

Outro ponto que o promotor tachou de problemático é a falta de creches no município, fato que gera uma demanda de “mais de três mil crianças de zero a seis anos fora das creches” em Cuiabá.

"Se existe uma área que foi esquecida em nosso Estado, é a área socioeducativa para nossos adolescentes"

“São mães trabalhadoras, que deixam as crianças pequenas com os irmãos mais velhos, com risco de acidentes domésticos, abusos sexuais dos vizinhos, e coisas do tipo”, relatou.

Na entrevista especial da semana o promotor José Antônio Borges também falou sobre a falta de investimentos para as crianças e adolescentes na área da educação, cultura, esporte, lazer, assistência social e descreveu o trabalho que a promotoria tem realizado nestas questões.

Confira os melhores trechos da entrevista:

Midiajur - Quanto ao menor que comete um ato infracional, que tipo de atendimento o Complexo Pomeri está oferecendo?

José Antônio Borges -
Estamos com uma ala interditada. Porque é uma obra que tem mais de 30 anos, insalubre, um local completamente inóspito. Hoje temos somente 80 adolescentes lá, já chegou a ter 200. Na parte provisória, dos que ainda estão respondendo processos, temos ainda 30 meninos. Em Várzea Grande não termina a obra, estamos com um problema de demanda. Então, tem muitos adolescentes que estão ficando na rua, está sendo gerada a impunidade, porque faltam vagas no sistema. Segundo informações, em Várzea Grande não vai ser terminada a obra em dezembro, porque a empresa faliu. Eles estão licitando novamente para terminar.

MidiaJur – Então o Pomeri não tem de fato reeducado o menor para reinserí-lo na sociedade?

José Antônio Borges –
Tem até uma estrutura, mas, por exemplo, faltam mais orientadores, não tem psiquiatras, há uma boa vontade dos funcionários, mas o complexo não está trabalhando adequadamente não.

MidiaJur – E no interior do Estado?

José Antônio Borges -
Temos que pensar também Sinop, Barra do Garças, Cáceres, Alta Floresta. Estes locais deveriam ter um centro conforme o Sinase determina, naquele padrão máximo de 40 meninos, dois em cada cubículo, com estrutura de escola. Se existe uma área que foi esquecida em nosso Estado, é a área socioeducativa para nossos adolescentes. E com um agravante: o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou que mais nenhum adolescente fique nas cadeias. Então os juízes, para não ser responsabilizados por uma situação dessa, e com razão, estão sendo obrigados a soltar adolescentes que cometeram atos infracionais graves, porque não há lugar para internar este meninos.

MidiaJur - Números recentes afirmam que, diariamente, quatro crianças são abusadas sexualmente em Cuiabá e Várzea Grande. Como o senhor vê isso e o que a promotoria pode fazer a título de conscientização e cobranças do Poder Público?

José Antônio Borges –
Nós temos uma delegacia em Cuiabá com duas delegadas, mas sem estrutura para investigar. Em Várzea Grande, a delegacia atende tudo, atende idoso, criança e mulher. Nós tínhamos que ter na delegacia especializada de Cuiabá uma maior estrutura, mais investigadores, psicólogos, assistentes sociais. E em Várzea Grande, ser criada uma delegacia especializada só para atender crianças, que é um público diferenciado. Se uma criança é abusada, precisa ter uma investigação especial.

MidiaJur - Qual é a realidade, em Cuiabá, da criança que se encontra desamparada?

"Até chegar o Bolsa Família, essa família vai comer o que? "

José Antônio Borges -
Nós temos alguns programas federais, como o Bolsa-Família, de uma forma geral há uma pulverização destes projetos na esfera federal. Agora, o que nos traz preocupações são questões na esfera municipal. Por exemplo, foi feito propaganda de determinado governo municipal de que haveria período escolar ampliado, escolas em período integral, e isso a gente não vê. Outra falha grande no município é o Banco de Segurança Alimentar. Até chegar o Bolsa Família, essa família vai comer o que? Então a gente vê uma grande dificuldade dos conselhos tutelares de conseguir alimentação para essa população que está passando fome, enquanto não chegam os programas federais.

MidiaJur – Precisa de uma atuação mais forte do município para garantir uma alimentação digna às crianças?

José Antônio Borges -
Mesmo com um programa federal que dê R$ 60, R$ 80, aquela família vai continuar sem comer, porque isso não é o suficiente. Deveria ser adotado o Banco de Segurança Alimentar. Tem até um estudo na Universidade Federal de Mato Grosso, em que conta que na época das férias das creches ou das escolas, as crianças perdem peso. Porque o lugar onde elas têm a alimentação balanceada é na escola. Então esse é um problema sério.

Midiajur - A educação em tempo integral seria uma alternativa para reduzir este problema?

José Antônio Borges –
Seria interessante, porque são mães trabalhadoras, pais que trabalham, e a criança ao invés de estar na rua, estaria na escola. Isso seria perfeito.

MidiaJur - E o que impede de haver a implantação do tempo integral?

José Antônio Borges -
Os custos. Tudo são custos. Se está sendo cumprido o teto constitucional, a questão é saber se esse dinheiro está chegando na ponta. Esse é o grande problema: a qualidade do gasto desse dinheiro. Os recursos são limitados, mas como esses recursos estão sendo aplicados na educação? É o que se discute hoje. E aí fazemos comparativos: porque essa escola funciona e essa aqui não, se ela tem professores ganhando o mesmo salário? Essas questões deveriam começar a serem discutidos pelas secretarias estaduais e municipais de Educação. Porque essa escola tem um diferencial, alfabetiza e a outra não? O problema é intramuros ou é o difícil acesso, o local, o material didático, a grade curricular? Temos escolas em Cuiabá que são modelos, mas há outras que não funcionam. Pode ser um problema gerencial. Ou não.

MidiaJur - Falta então um planejamento estratégico para definir diretrizes?

José Antônio Borges -
Talvez haja planejamento. No entanto, mais importante que planejar é executar. O problema talvez esteja na execução.

MidiaJur - Quanto à cultura, esporte, lazer e educação oferecida às crianças, o Poder Público tem feito um bom trabalho?

José Antônio Borges -
Essa é uma questão pior ainda. Porque tinha um programa que foi desativado, que deixava as escolas abertas no final de semana. Onde ali teria uma equipe de orientadores, professores de educação física para essa meninada praticar esportes. Não tem mais. Aliás, uma das questões que vamos ampliar, talvez até junto com os colegas da Promotoria do Meio Ambiente, é o direito de brincar. Se formos analisar, Cuiabá tem pouquíssimas praças, a maioria é abandonada. Faltam balanços, falta parquinho e quadra polivalente. O único lugar que eu sei que tem uma quadra dessa é a Praça Popular, mas ali é um bairro que virou elitizado e é um local de bares e restaurantes.

"Se você andar a cidade inteira vai verificar que as praças de Cuiabá não existem. Elas estão abandonadas"

Midiajur - Estão faltando lugares que proporcionem às crianças um ambiente em que possam brincar com segurança?

José Antônio Borges -
Se você andar a cidade inteira vai verificar que as praças de Cuiabá não existem. Elas estão abandonadas. Nesse sentido, você pode ir na Universidade Federal nos finais de semana e constatar que é um grande parque, porque é o único local que é seguro, com guardas. Você vê gente brincando com elástico, com carrinhos, pipa, mas é uma coisa improvisada da própria população. Em Cuiabá faltam equipamentos de lazer, como piscina. Não temos uma piscina pública nesse município. Temos uma estrutura que poderíamos incentivar o esporte na área de natação. O Direito de brincar das crianças é cerceado.

MidiaJur – Na área de cultura, acontece o mesmo?

José Antônio Borges –
Tirando o Sesc Arsenal, que tem alguns projetos, mas às vezes têm um custo, o investimento em cultura é muito pequeno. Há alguns projetos isolados, mas não há nenhum projeto de cultura efetivo para as nossas crianças, como política de governo.

MidiaJur – Na sua opinião, porque este descaso nestas áreas?

José Antônio Borges –
Na área de cultura e assistência social posso dizer, sem medo de errar, é onde tem menos recursos, tanto dos governos estadual quanto municipal. E os poucos recursos que têm, teriam que ser maximizados. A própria Constituição diz que a Criança deve ter prioridade absoluta. Se todo mundo pensasse nesse sentido, o Governo Estadual, Federal e Municipal, assim como o Legislativo, Judiciário, Ministério Público, talvez tivéssemos um país melhor. Porque a criança não é o futuro, é o presente. Criança deveria ser prioridade, mas infelizmente, não é.

MidiaJur - E qual deveria ser a prioridade, neste momento?

José Antônio Borges –
O mais urgente em Cuiabá é a falta de creches. Temos uma demanda de mais de três mil crianças de zero a seis anos fora das creches. São mães trabalhadoras, que deixam as crianças pequenas com os irmãos mais velhos, com risco de acidentes domésticos, abusos sexuais dos vizinhos, e coisas do tipo. Outra questão séria é na área da saúde, um problema crônico do Estado de maneira geral. Uma criança que tem um problema ortopédico, uma cirurgia cardíaca, tudo isso tem se resolvido com liminares judiciais. Não há uma situação que funcione em relação à saúde das crianças.

MidiaJur – E como a promotoria tem se posicionado em relação a isso?

José Antônio Borges –
Nas questões individuais concretas, de falta de remédio para uma criança ou a necessidade de se fazer uma cirurgia, a promotoria tem promovido ações individuais. Há mais de 700 ações tramitando sobre isso. Na questão macro, algumas coisas envolvem, de forma geral, a saúde de todos. Então o promotor Alexandre Guedes tem promovido ações, como foi o caso do Pronto Socorro, em pedir para reativar o terceiro andar, porque não há hoje dentro do local nenhuma UTI infantil.

MidiaJur - O senhor teria outros casos de ações ou acordos que foram frutos da atuação da promotoria nestes tópicos e tiveram repercussão?

" Estado não construiu a creche até hoje e o Judiciário ainda não despachou o processo"

José Antônio Borges –
Nós temos um caso emblemático. Há dois anos eu promovi uma ação para que as crianças tivessem creche dentro do presídio Ana Couto. As crianças de lá estavam ficando junto com as mães, dentro das celas. Então os bebês e até crianças acima de cinco anos, estavam morando dentro da cela. O direito da mãe ter a criança com ela, no aleitamento materno, deveria ser de no máximo seis meses e, após esse prazo, era imprescindível uma creche para as crianças lá. Entrei com um Habeas Corpus dizendo que as crianças estavam presas, para que liberassem aquelas crianças presas indevidamente lá. A saída que o juiz encontrou foi liberar todas as mães com crianças, então deu uma limpada. Porque haviam 45 mães com crianças dentro do presídio, no meio do esgoto, e foram todas soltas. Mas, virou um alvará de soltura, porque como não tem creche, a mulher engravida lá dentro e é solta. E o Estado não construiu a creche até hoje e o Judiciário ainda não despachou o processo.

MidiaJur – Em questões mais urgentes, o Judiciário tem sido eficiente em julgar os pedidos feitos pela promotoria?

José Antônio Borges –
Nesse quesito o Judiciário tem atendido, não há o que reclamar.

MidiaJur - A maior parte da atuação da promotoria provém de denúncias ou é do próprio acompanhamento?

José Antônio Borges –
Os conselhos tutelares têm poder de requisição. Então, em um primeiro momento, eles tentam isso do Estado e do Município. Quando eles não conseguem, e na maioria das vezes não conseguem, eles procuram o Ministério Público para tomar as medidas. São Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) ou uma medida judicial. A comunicação entre a sociedade e o Ministério Público ou é diretamente ou através dos conselhos tutelares, porque são seis conselhos.

MidiaJur - Das demandas trazidas pelos conselhos tutelares e pela própria população, qual é a mais comum?

José Antônio Borges –
Nós temos o Disque 100, que são os abusos e os maus-tratos de crianças. Essa é uma demanda que chega de cinco a dez casos por semana.

MidiaJur - Após as denúncias de supostas irregularidades no Lar da Criança, a promotoria ficou de verificar o serviço oferecido às crianças abrigadas no local. O que foi constatado?

José Antônio Borges –
O Lar da Criança é um modelo do século passado. Porque pela nova Lei de Defesa da Convivência Familiar e Comunitária, que foi introduzida dentro do Estatuto da Criança e do Adolescente, o objetivo é não deixar a criança abrigada, apenas em últimos casos. Aquele modelo de reformatório, de entregar o filho para ser criado pelo Estado, isso não existe mais. E na lei existe o plano individual de cada criança. Cada município deveria ter seus abrigos. Várzea Grande e Cuiabá não investiram nessas instalações, e o Estado ficou com essa demanda e até hoje não conseguiu se desvencilhar. O modelo que a lei se propõe é o seguinte: famílias substitutas, que ficariam com as crianças provisoriamente até ser dada uma solução do caso, e casas-lares, que abrigariam no máximo 20 crianças.

MidiaJur - Sendo assim, o Lar da Criança não se encaixa neste modelo?

José Antônio Borges –
Ele abriga mais de 100 crianças, ou seja, não dá para oferecer um tratamento individualizado às crianças. Apesar disso, o Lar da Criança tem uma estrutura boa. Temos crianças cardiopatas, autistas e há todo um trabalho em função disso para cuidar destas crianças. Agora o número de crianças baixou, mas o modelo ideal seria de casas individuais. Porque vai ter um menino que não gosta de leite, só toma chá, porque era assim na casa dele, então será dado chá. Tem criança que só dorme com 'cheirinho' no quarto, então ela deve dormir com o 'cheirinho'. Essa criança tem que ter a roupa dela, não pode ir no armário e pegar qualquer sapato, senão ela fica despersonalizada. Criança já tem a personalidade dela. O período em que ela fica nesse ambiente teria que ser preservada a sua personalidade. Por isso o modelo deveria ser de no máximo 20 crianças, ou a também chamada mãe social. E até hoje os municípios de Cuiabá e Várzea Grande investiram nisso.

MidiaJur - Então não foi detectada nenhuma irregularidade na instituição?

José Antônio Borges -
A alimentação é boa e tem uma estrutura boa de funcionários. Lá funciona durante 24 horas, então é inegável que se tenha um número grande de funcionários para atender as crianças, porque não se pode colocar uma cuidadora para 10 crianças.

MidiaJur - Há iniciativa por parte do município em criar um abrigo dentro dos padrões da nova Lei de Defesa da Convivência Familiar e Comunitária?

José Antônio Borges –
O município de Cuiabá está criando um novo lar, que seria o lar municipal, mas está começando errado. Eles querem colocar 70 vagas no local, mas não se pode ter 70 vagas. Tem que ser no máximo para 20 crianças, senão quebra o modelo trazido pela lei.

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