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Midia Jur
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Entrevista Domingo, 16 de Fevereiro de 2014, 08:00 - A | A

16 de Fevereiro de 2014, 08h:00 - A | A

Entrevista / BUROCRACIA E CORRUPÇÃO

“Lei de Licitações impede avanço do sistema prisional”

Juiz Jorge Luiz Tadeu critica burocracia e brechas que travam melhorias às penitenciárias

LUCAS RODRIGUES
DA REDAÇÃO



O sistema penitenciário do Estado de Mato Grosso sofre com o déficit de vagas em suas unidades. As pouco mais de 6 mil vagas disponíveis são ocupadas por cerca de 10.500 detentos, o que corresponde a mais de 40% de superlotação.

Segundo o juiz auxiliar da Corregedoria Geral de Justiça, Jorge Luiz Tadeu Rodrigues, um dos fatores que dificulta e burocratiza a resolução desse e de outros problemas do sistema prisional é a atual Lei de Licitações.

“O legislador foi criando instrumentos como a Lei de Licitação para que o dinheiro público não fosse para o ralo. Só que hoje a lei, devido a artifícios escusos, ela está servindo de escudo para as corrupções e atrapalha a administração que é séria e que gostaria de fazer as coisas de forma mais rápida”, afirmou ele.

O magistrado utilizou o exemplo de uma licitação realizada para adquirir uma bomba d’água para a Penitenciária Estadual de Água Boa, em que foram feitas “três licitações e não apareceu ninguém interessado”.

Além de atrapalhar o andamento de uma administração célere , Jorge Tadeu acredita que a Lei de Licitações também abre brechas para a corrupção.

“Infelizmente para nós, as empresas se unem, fazem um pacto de corrupção e elevam o preço lá em cima. Por isso as obras são superfaturadas. Vemos coisas absurdas acontecendo”, criticou.

Bandido bom é bandido morto

O juiz ainda ressaltou que um dos obstáculos para trabalhar a melhoria das condições para que o apenado cumpra a pena imposta pelo Estado está na mentalidade de alguns grupos de pessoas. De acordo com ele, muita gente ainda impede a reintegração do detento à sociedade, por acreditar que “bandido bom é bandido morto", que “direitos humanos é para humanos direitos” e“se cadeia fosse boa não seria punição, seria férias”.

Para o magistrado, este tipo de pensamento causa prejuízos à própria população e contribui para a alta taxa de reincidência ao crime, que em Mato Grosso chega aos 83%.

“Temos que ter em mente que, se nós não investirmos nesses 10 mil presos que temos no Estado, 83% vão voltar a delinquir, e de forma ainda mais grave. Temos que resgatar nesse ser humano os valores morais e dar condições de ele sobreviver de forma digna, do contrário estaremos multiplicando a delinquência”, opinou ele.

Jorge Tadeu explicou que, em muitos casos, os próprios gestores públicos temem em investir no sistema penitenciário por acreditarem que iniciativas deste tipo seriam mal vistas aos olhos da população.

“Se a sociedade ficar sabendo que ele está investindo, dando condições de trabalho, condições de cursar um curso superior, o gestor fica com uma imagem ruim perante a sociedade. Porque a sociedade ainda entende que bandido bom é bandido morto, bandido bom é bandido preso, bandido tem que ser torturado mesmo, tem que sofrer”, afirmou.

Lotação da unidades

Segundo relatou Jorge Tadeu, a situação mais grave de superlotação ocorre na Penitenciária Central do Estado (PCE), mas o problema deverá ser sanado com a inauguração do Presídio de Jovens e Adultos, em Várzea Grande, que deve ser inaugurado até o fim do ano.

“A grande motivação de todo mundo é que até o final de 2014 nós teremos zerado o déficit de vagas na unidade. Quando isso acontecer, estaremos criando condições para implementar outras coisas, como salas de aula, cursos”, assegurou.

Na entrevista da semana, o juiz Jorge Luiz Tadeu Rodrigues também falou sobre a burocracia do sistema prisional, os trabalhos desenvolvidos pelo Judiciário em parceria com outros órgãos para melhorar a situação, as brechas que a Lei de Licitações deixa para a ação de corruptos e a a implementação de modelos para a reintegração do detento na sociedade.

Confira os melhores trechos da entrevista:

MidiaJur - Após a polêmica sobre a volta ou não do Arcanjo, tentativas de fuga do traficante Sandro Louco e as constantes denúncias de insalubridade e surtos de tuberculose, o sistema penitenciário mato-grossense voltou a ser alvo de discussões. Qual a avaliação que o senhor faz desse sistema no Estado?

Jorge Tadeu
– Tivemos avanços, mas ainda contamos com muitos problemas. O primeiro deles é o déficit de vagas. Temos um déficit de 40% de vagas, temos em média 10.500 penitentes para 6 mil vagas. Outra questão: tudo o que se faz em área pública é demorado devido à burocracia que se criou para que o gestor não desviasse recursos. O legislador foi criando instrumentos como a Lei de Licitação para que o dinheiro público não fosse para o ralo. Só que hoje a lei, devido a artifícios escusos, ela está servindo de escudo para as corrupções e atrapalha a administração que é séria e que gostaria de fazer as coisas de forma mais rápida. Temos que rever a lei de Licitações o mais rápido possível. É preciso fazer o pregão digital, quantificar o preço médio dos produtos e serviços, determinar o valor do metro quadrado da construção e, com base nisso, fazer o contrato.

MidiaJur - De que forma a Lei de Licitações se torna um problema para o sistema prisional?

Jorge Tadeu
– Infelizmente para nós, as empresas se unem, fazem um pacto de corrupção e elevam o preço lá em cima. Por isso as obras são superfaturadas. Vemos coisas absurdas acontecendo. A Lei de Licitação, que deveria ser uma garantia para que conseguíssemos um menor preço com maior qualidade, está servindo de escudo para as empresas que se unem e oferecem preços superfaturados. E muitas vezes o gestor fica sem meios para contestar isso na Justiça, porque as empresas obedeceram o processo legal previsto. Isso tem que ser repensado. O grande problema que nós temos aqui é esse. Quando entrou o novo secretário de Justiça e Direitos Humanos, vimos que ele realmente quer melhorar este sistema, mas ele enfrenta essa dificuldade, pois nem a própria secretaria possui uma equipe de licitações e depende de outras secretarias.

MidiaJur – Houve algum tipo de abuso deste tipo aqui no Estado?

Jorge Tadeu
- Nós tivemos um caso de uma bomba d’água lá em Agua Boa em que tivemos que fazer três licitações e não apareceu ninguém. É um problema aparentemente fácil de ser resolvido e demorou quase um ano. O povo brasileiro é muito criativo, tanto para o bem quanto para o mal, e criou um sistema de fazer corrupção e estar acobertado pelo própria lei. Qual a solução? Mudança desta lei, pregões eletrônicos, tabelas de preços, que não podem ultrapassar tal preço. Em Cuiabá, por exemplo, está sendo praticado R$ 5 mil o metro do apartamento. É absurdo. Todo mundo sabe que dá para fazer com R$ 3 mil e olha lá. Porque isso? É a ganância. Para o Poder Público, esse preço ainda dobra. Você vê construções públicas valendo R$ 10 mil o m². Não pode. Dinheiro público é sagrado.

MidiaJur - Falta fiscalização também?

Jorge Tadeu
– O Ministério Público tem atuado, mas ainda precisa mais efetividade. A sociedade também precisa exigir e criar órgãos de fiscalização independentes para verificar se tal obra está superfaturada, entrar com uma ação e anular o contrato. A empresa cobra um preço superfaturado e depois ainda entrega uma obra com um mundo de defeitos. Eu já vi contratos que eram para fazer 10 centímetros de asfalto e quando eu ia lá só tinha 2 centímetros. E o preço era de asfalto de 20 centímetros. Isso é dinheiro que vai para o ralo.

"O povo brasileiro é muito criativo, tanto para o bem quanto para o mal, e criou um sistema de fazer corrupção e estar acobertado pelo própria lei"

MidiaJur - Que medidas a Corregedoria Geral da Justiça tem tomado para tornar o sistema penitenciário mais eficaz?

Jorge Tadeu
– Nessa gestão do desembargador Sebastião de Moraes, estamos fazendo o papel de incentivador, motivador e agregador, porque é um sistema que depende de união. O sistema penitenciário implica em trabalho conjunto de juízes, promotores, Defensoria Pública, OAB. As ações que visam a reinserção do detento na sociedade precisam ser trabalhadas junto com o Ministério Público e com os demais órgãos atuantes. Precisamos desse trabalho conjunto, pois o sistema penitenciário ainda faz um papel de desintegração da personalidade do preso. Porque a pessoa é obrigada a entrar em determinados sistemas criados internamente e ele perde a sua identidade. E quando ele é retirado de perto da família perde também o vínculo familiar. Ele vira um número para a sociedade, o que gera um problema seríssimo que é a reincidência de mais de 80%.

MidiaJur - Há exemplos práticos disso?

Jorge Tadeu
– Estamos incentivando os juízes a usarem valores de penas de medidas alternativas para reformas, pinturas, resolver problemas de fossa, ampliar as janelas. Temos um trabalho muito forte para que os juízes sejam mais criteriosos no sentido de manter o acusado preso. E agora com a vinda das tornozeleiras, eles vão se sentir mais seguros. Mas o juiz está sempre entre a cruz e a espada. Ele tem que proteger a sociedade, mas também seguir a lei. A recomendação é manter o acusado no cárcere apenas quando estritamente necessário.

MidiaJur – Em Estados como São Paulo e Minas Gerais há unidades da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC), em que o índice de reincidência dos detentos chega a ser menor que 7%. O que é feito lá que não é feito aqui?

Jorge Tadeu
– São vários fatores. A APAC faz seleção de penitentes e eles vão para o sistema com a sua anuência. Porque nem todos querem frequentá-la. Por isso a reincidência é menor. Nas APACs, são os presos que fazem suas próprias comidas, eles que limpam, que fazem quase tudo e o sistema é extremamente disciplinador. Não tem choro nem vela. Então a APAC é frequentada por aqueles presos que realmente querem dar um rumo para suas vidas. Lá é praticada a religião, o resgate dos valores morais, estudo. O detento vai para a cela às 22 horas e é obrigado a sair às 6 horas para uma rotina disciplinar, de limpeza, estudo, trabalho. Não podem fumar, não tem cheiro ruim. Ele tem benesses, mas também há rigor.

MidiaJur - Aqui em Mato Grosso, haveria uma maneira de implantar alguns modelos da APAC para de fato reeducar o detento?

Jorge Tadeu
– Muito do que é feito no APAC está sendo feito no Centro de Ressocialização do Carumbé (CRC), que hoje é um exemplo. Eu encontrei ele numa situação e hoje é outra. É a rotina de trabalho, não ficar de dia nas celas, estar trabalhando, limpando, fazendo trabalhos manuais, música. Isso fornece uma saúde mental melhor a eles. Porque como diz o ditado, cabeça vazia é oficina do diabo. Agora, na PCE, há 28 presos em uma cela que deveria ter 8. Muitos ficam em pé para os outros dormir. O que vai acontecer? Agressividade. Coloca 20 ratinhos em um ambiente pequeno e eles vão começar a se matar. Está tudo errado. Houve tempo em que a comida lá era azeda, o cara entregava meia noite para os detentos comerem meio-dia, o que já foi resolvido. Mas precisamos de tempo. Se não zerarmos o déficit de vagas, não há como implementarmos essas políticas.

MidiaJur - Em Cuiabá, a Penitenciária Central do Estado é a unidade com maior denúncias de insalubridade, epidemias de doenças. Qual a situação hoje da PCE?

" Agora, na PCE, há 28 presos em uma cela que deveria ter 8. Muitos ficam em pé para os outros dormir. O que vai acontecer? Agressividade"



Jorge Tadeu
– A PCE não tem estrutura nenhuma. Não há estrutura para fornecer cursos de capacitação aos detentos, estamos em uma superlotação de mais de 100%. Houve surtos de tuberculose, em que foram detectados 157 casos e não 400 como ventilaram por aí. Está sendo feita a separação de detentos, de mais reincidentes dos menos reincidentes, mais perigosos e menos perigosos. Inclusive também foi feita a separação dos presos gays, porque os presos gays declarados acabam por sofrer abusos sexuais dentro do presídios.

MidiaJur – E há previsão positiva para amenizar essa situação?

Jorge Tadeu
- Acreditamos que o problema de superlotação será resolvido com o Presídio de Jovens e Adultos, em Várzea Grande, que vai oferecer mais de mil vagas. A grande motivação de todo mundo é que até o final de 2014 nós teremos zerado o déficit de vagas. Quando isso acontecer, estaremos criando condições para implementar outras coisas, como salas de aula, cursos. Estamos trabalhando parcerias com as empresas que queiram empregar, prefeituras.

MidiaJur – Quando a juíza de RO quis “devolver” o Arcanjo para cá, ela argumentou que o ex-comendador não estava preso em Cuiabá há mais de seis anos, tempo suficiente para o Estado promover melhorias no sistema penitenciário. O senhor concorda que houve falta de iniciativa do Poder Público?

Jorge Tadeu
– Faltou e está faltando. O problema das penitenciárias não é dinheiro não. Falta muitas vezes projetos, contrapartida. Às vezes só se precisa da doação de um terreno. Não é problema de dinheiro, é problema de vontade política, de trabalhar e aprender. O Luiz Antônio [Pôssas de Carvalho] chegou agora e vai ficar por dois anos. É preciso que o próximo secretário receba a pasta com todos os projetos que estão em andamento, porque hoje a cultura dos municípios é de destruir até os computadores para impedir que a nova administração trabalhe bem. Temos que mudar essa cultura para não haver problemas de continuidade e perder o bonde da história.

Tony Ribeiro
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MidiaJur - Quanto às unidades prisionais do interior, o senhor já possui um panorama das situações?

Jorge Tadeu
– Eu vejo uma sensível melhora. Estamos fazendo colheitas de dados de todas as unidades, mandei ofício circular aos juízes das comarcas para informarem sobre a situação e as melhorias que eles têm promovido. Vamos fazer uma catalogação, até porque no próximo Fórum de Humanização e Ressocialização do Sistema Penitenciário vamos discutir os projetos e ações desenvolvidas e premiar, inclusive, estas iniciativas. Houve situações em que os próprios agentes trabalharam para ajudar nas construções, para contribuir com um ambiente que é deles. É preciso engajamento. Em São José dos Quatro Marcos, colocaram câmeras, assim o diretor sabe o que está ocorrendo na unidade, evita tortura, fuga. Lá percebemos que havia sinergia entre os agentes, a diretoria e os penitentes, a ponto de fazermos a cerimônia de inauguração com todos os presos, sem nenhuma grade. Há muitas comarcas como Barra do Garças, em que os juízes estão fazendo ótimos trabalhos.

MidiaJur - Uma boa parcela da sociedade ainda acredita que “direitos humanos são para humanos direitos” e que o detento deve sofrer dentro da prisão ao invés de ser tratado com dignidade e reeducado para a vida lá fora. Há relutância de gestores em investir em melhorias no sistema prisional por medo de perder o voto dessa parcela que pensa assim?

Jorge Tadeu
– Muitas vezes o gestor não quer saber de investir porque ele acha que isso não rende dividendos políticos. Se a sociedade ficar sabendo que ele está investindo, dando condições de trabalho, condições de cursar um curso superior, o gestor fica com uma imagem ruim perante a sociedade. Porque a sociedade ainda entende que “bandido bom é bandido morto”, “bandido bom é bandido preso”, “bandido tem que ser torturado mesmo, tem que sofrer”. Tudo isso são coisas que nós estamos vendo e nos propondo, a longo prazo, em mudar essa cultura, em parceria principalmente com a imprensa, que assumiu esse papel de chamar a atenção dos gestores. Temos que ter em mente que, se nós não investirmos nesses 10 mil presos que temos lá, 83% vão voltar a delinquir, e de forma ainda mais grave. E somos nós, enquanto sociedade, que vamos sofrer as consequências.

MidiaJur – E como mudar essa consciência que a sociedade tem do detento?

Jorge Tadeu
– Leva tempo. Para mudar uma cultura eu acredito que leva no mínimo 20 anos. É conscientizar, mostrar, a imprensa ajudar, é uma questão de inteligência. Esses 10 mil bandidos que estão lá presos, 8 mil vão voltar pra sociedade e praticar a criminalidade. Por questão de inteligência, de segurança, de paz social, temos que resgatar nesse ser humano os valores morais e dar condições de ele sobreviver de forma digna, do contrário estaremos multiplicando a delinquência.

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