LUCAS RODRIGUES
DA REDAÇÃO
Uma empresa que entra com um procedimento para obter licenciamento ambiental dentro do território mato-grossense, especialmente as do ramo de agronegócio, em alguns casos pode esperar até cinco ou seis anos para conseguir a permissão legal para empreender.
A informação é dos advogados Jorge Tadeu Malvenier e Anete Garcia Fiuza, que trabalham com Direito Ambiental há mais de 10 anos.
Anete Fiuza, que também é bióloga, diz que a burocracia na emissão de licenciamentos acaba por contribuir para que muitas empresas se instalem de forma irregular.
“Imagine ficar à espera por todo este tempo para poder iniciar um empreendimento. Por isso se vê muitas empresas à margem da legalidade. Porque elas não vão esperar”, afirmou a advogada.
Jorge Tadeu corrobora a opinião e assegura que a maioria das empresas tenta se instalar de maneira lícita e executar os passos legais para obter o licenciamento, “mas o Estado não oferece estrutura para acompanhar a demanda empresarial”.
“ A Sema (Secretaria de Estado de Meio Ambiente) hoje não tem estrutura, corpo técnico e, pelo visto, não tem vontade política para ampliar. Ela está preocupada com a Copa, com grandes empreendimentos”, diz Jorge, que integra a Comissão de Meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso (OAB-MT).
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A advogada Anete Garcia Fiuza |
Anete Fiuza explica que a descentralização permite que seja realizado “um pacto entre municípios próximos para que haja uma cooperação de trabalho e assim agilizar os procedimentos” de licenciamento ambiental.
“Diminuiria a pressão sobre a Sema e certamente agilizaria a emissão das licenças. Poderíamos ter uma situação de menor irregularidade e menor quantidade de ilícitos ambientais”, argumenta Anete.
Na entrevista da semana do MidiaJur, os advogados Jorge Tadeu Malvenier e Anete Garcia Fiuza também comentam sobre o Novo Código Florestal, a falta de aplicação e fiscalização do Poder Público nas questões ambientais e possíveis saídas para diminuir a irregularidade das empresas neste quesito.
Confira os melhores trechos da entrevista:
MidiaJur – A preservação do meio ambiente foi colocado como direito fundamental da pessoa humana apenas com a Constituição Federal de 1988. De lá para cá, o Direito Ambiental conseguiu acompanhar as mudanças sociais e estruturais da sociedade?
Jorge Tadeu - Nós temos um sistema de legislação ambiental e fazemos o acompanhamento de alterações, avaliação desta legislação. Há lei suficiente, o direito ambiental tem acompanhado sim estas mudanças. Agora, a aplicação da lei que é o problema.
Anete Garcia - Esse é o descompasso. A lei é ágil, mas o Estado operacionaliza de uma forma lenta.
MidiaJur - Vocês teriam exemplos desta falta de aplicação da lei, especialmente no que tange às irregularidades constantemente detectadas em licenciamentos ambientais?
Jorge Tadeu - Essa questão é um vai e volta. Hoje nós temos uma política federal de descentralização para os municípios emitirem licenças ambientais, que desburocratiza e diminui o tempo para emissão. Só que isso tem sido feito de forma bem capenga. O gargalo não é a legislação, mas a fiscalização, a implantação da legislação que existe. Nós temos vários instrumentos jurídicos, normativas. O que não temos é aplicação correta. Não sei se é por preguiça, desconhecimento técnico, a própria política pública do Estado que não fomenta seus fiscais e operadores dos licenciamentos a estarem atualizados, se falta uma conversa dentro das secretarias entre o jurídico e o técnico.
MidiaJur - Então o problema não é alguma falha ou omissão nas leis, na sua opinião...
Jorge Tadeu – Só existe como detectar algum tipo de falha na legislação a partir do momento em que você consegue aplicá-la, o que infelizmente não acontece. Falha em sentido textual tem um monte. A todo tempo o Legislativo tenta refazer a legislação de forma equivocada, errada.
Anete Garcia - Com o que já consta na legislação, poderia ser feito muito mais. Não precisava de novas leis. Se aplicassem só o que tem, já seria interessante.
MidiaJur - Falta então uma atuação das secretarias municipais e estadual do Meio Ambiente, mais proatividade dos gestores públicos?
Anete Garcia– Falta diálogo entre os gestores para verificar se as regras ambientais estão sendo cumpridas, se é possível fazer aquele empreendimento daquela maneira... O Estado deveria funcionar como uma máquina orgânica, em que todos os setores tivessem relação. Me parece que cada secretaria é isolada e vai agindo sem comunicar com a outra.
Jorge Tadeu - Inclusive com outras esferas deve haver essa relação, com a esfera federal e municipal, o que não há. Hoje se implantam grandes empreendimentos no município e não se pede o aval do município, o que a legislação determina. Mas não é verificado. Porque o gestor público municipal não se resguarda de assessores que tenham expertise nas áreas específicas que possam assessorar o prefeito de forma competente.
MidiaJur - Os prefeitos precisam se instrumentalizar mais para se adequar a estas normas ambientais?
Jorge Tadeu - O instrumento legal está ali, mas muitos gestores desconhecem ou não fazem questão de conhecer e não aplicam. E quando o problema estoura, fazem TAC’s (Termo de Ajustamento de Conduta). Aí acabamos vivendo em um Estado regido pelo Ministério Público. Tem prefeito que deveria largar a função e deixar para o Ministério Público ser o executor, porque é isso que acontece. O Ministério Público entra com a ação, o prefeito larga mão e aceita.
MidiaJur – Em que casos aconteceu essa omissão?
Jorge Tadeu – Estourou há pouco tempo as investigações do Ministério Público sobre as PCH’s (Pequenas Centrais Hidrelétricas). Essas centrais têm uma legislação enorme, bem descrita, e que é muito desconhecida. Há compensação financeira, ambiental, antecipação de créditos. Questões de compensação ambiental, onde poderiam gerar recursos ao erário, o Estado não aplica, o município não aplica.
MidiaJur - Vocês falaram sobre a descentralização para diminuir a burocracia na emissão de licenças. Como isso funciona?
Anete Garcia– É um processo muito importante para Mato Grosso. Muitas empresas do ramo do agronegócio pleiteiam um procedimento para licenciamento ambiental que, às vezes, demora cinco, seis anos. Isso não é interessante para o Estado. Imagine ficar à espera por todo este tempo para poder iniciar um empreendimento. Por isso se vê muitas empresas à margem da legalidade. Porque elas não vão esperar esse tempo. Nem todos os municípios têm condições de ter um corpo técnico e estrutura para bancar o gerenciamento para emitir licenças em tempo hábil. Com a descentralização, que é permitida pelo Estado, pode-se fazer um pacto entre municípios próximos para que haja uma cooperação de trabalho e agilizar os procedimentos. A lei cria possibilidades.
Jorge Tadeu - No nosso Estado, há 15 consórcios de desenvolvimento econômico. Há a Bacia do Rio Cuiabá, o Complexo do Pantanal, Bacia do Paraguai e aí vai. Os municípios se juntam em consórcios e, assim, os licenciamentos ambientais podem ser feitos de forma consorciada. Porque assim você junta valores à parte técnica, diminui o custo e você consegue atender a demanda e emitir a licença em tempo razoável. A lei permite.
MidiaJur - Essa atuação consorciada também facilita a fiscalização?
Anete Garcia– Sim. Existem soluções já previstas na legislação, mas falta a operacionalização. A máquina precisa conhecer e dialogar entre si. A Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema) precisa também acompanhar estes municípios, conforme diz a lei. Se a descentralização fosse de fato efetivada, até para a Sema ficaria só licenciamentos de locais mais complexos, intermunicipais, interestaduais. Diminuiria a pressão sobre a Sema e certamente agilizaria a emissão das licenças e poderíamos ter uma situação de menor irregularidade e menor quantidade de ilícitos ambientais.
Jorge Tadeu - As empresas legalmente constituídas não querem estar na marginalidade da lei. Tanto que entram com os procedimentos e tentam cumprir todos os programas de acordo com a lei. Quem é bandido, quem entra em área indígena, desmata, nem entra com pedido de licença, é uma minoria, mas é o que dá ibope. A grande maioria das empresas tenta agir da forma correta, mas o Estado não oferece estrutura para acompanhar a demanda empresarial. E a saída mais viável é a descentralização.
MidiaJur – Em outras palavras, a descentralização desburocratizaria a emissão de licenciamentos...
Jorge Tadeu - E desafogaria a Sema. A Sema hoje não tem estrutura, corpo técnico e, pelo visto, não tem vontade política para isso, de ampliar. Ela está preocupada com a Copa, com grandes empreendimentos.
Anete Garcia- Mas também há a questão financeira. Muitos prefeitos reclamam que não podem arcar com mais essa obrigação de descentralização sem contrapartida de recursos, porque é preciso investimento, capacitação, se preparar para criar normas ambientais próprias em âmbito municipal. E o município sofre por não contar com a tutela, o amparo do Estado para esses passos iniciais.
Jorge Tadeu – E essa capacitação, segundo a própria legislação, deve ser feita pela Sema. E a Sema não consegue capacitar nem o seu corpo técnico, que dirá os servidores da prefeitura.
MidiaJur - Outra temor dos ambientalistas é relacionado ao Novo Código Florestal. Em Mato Grosso, essa nova legislação representa riscos ao meio ambiente?
Anete Garcia - Do ponto de vista da tutela do meio ambiente, este Novo Código Florestal, que não é mais um Código Florestal, e sim tem outra vertente, tende a retroceder a proteção. Ele diminuiu a proteção para área de preservação permanente e mais na frente vamos sentir o impacto dessas novas medidas. O Estado de Mato Grosso segue a legislação ambiental estadual, que muitas vezes é diferente do que está na legislação federal. Nós ainda temos a mesma proteção ambiental de antes mas, na prática, estão sendo adotadas as regras federais.
MidiaJur - Como houve muita pressão da bancada ruralista na elaboração deste Novo Código Florestal, isso não acaba por abrir um precedente para que, pouco a pouco, o meio ambiente vá sendo degradado de forma legal?
Anete Garcia- Há avanços e retrocessos e parece que nunca saímos do lugar. O que é preciso é achar um meio termo para a questão ambiental e do agronegócio, que agrade aos dois lados, encontrar alternativas de conciliá-los. Eu vejo que é possível, mas tem que ter muita boa vontade tanto do setor ruralista quanto do setor ambiental.
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