AIRTON MARQUES
DA REDAÇÃO
A Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso (OAB-MT) analisa a possibilidade de abrir investigação disciplinar contra os advogados Anderson Flávio Godoi e Júlio César Rodrigues, réus na ação penal derivada da Operação Ventríloquo.
Eles são acusados de participar de suposto esquema que teria desviado R$ 9,4 milhões da Assembleia por meio de pagamentos indevidos ao então advogado do HSBC e delator dos crimes, Joaquim Fabio Mielli Camargo.
Para a instauração dos procedimentos ético-disciplinares, o Tribunal de Ética e Disciplina (TED) solicitou a juíza Selma Arruda, da Vara Contra o Crime Organizado da Capital, o compartilhamento de documentos e provas que constam nos autos do processo.
O compartilhamento foi autorizado pela magistrada no dia 2 de junho. Entre os documentos que serão compartilhados está a colaboração premiada firmada pelo tambem advogado Joaquim Mielli, que, em novembro, já teve seu registro profissional suspenso por 12 meses, pelo TED.

Depois da análise é que o Tribunal de Ética irá decidir se instaura ou não o procedimento. Nós só podemos penalizar profissionais que cometeram infração ética no exercício da profissão
De acordo com o presidente do Tribunal de Ética da OAB-MT, João Beneti, os documentos da ação penal ainda não foram entregues à instituição. Ele afirmou que antes da abertura dos procedimentos disciplinares, a comissão irá analisar o teor das acusações contra os dois advogados.
“Estamos aguardando os documentos ainda. Depois da análise é que o Tribunal de Ética irá decidir se instaura ou não o procedimento. A análise é feita em relação a prática ética dos advogados. Nós só podemos penalizar profissionais que cometeram infração ética no exercício da profissão”, afirmou Beneti.
Caso os procedimentos disciplinares sejam abertos, os advogados podem receber punições que vão desde o pagamento de multa até a suspensão ou exclusão da inscrição da OAB.
Procurador Jurídico
Anderson Flávio Godoi, ex-procurador jurídico da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, é acusado de ter dado o parecer jurídico favorável ao pagamento dos créditos, mesmo após ter sido informado de que tais valores estariam superfaturados.
De acordo com depoimento do secretário Legislativo da Assembleia Legislativa, Odenil Rodrigues de Almeida, Anderson Godoi recebeu R$ 50 mil do suposto esquema investigado na Operação Ventríloquo.
Conforme depoimento ao Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco), no último dia 19 de maio, Odenil Almeida revelou que o valor foi depositado em sua conta bancária, pelo advogado Joaquim Mielli.
Ele contou que, no dia 25 de fevereiro de 2014, seu então chefe e secretário geral da Assembleia, Luiz Pommot, pediu seus dados bancários para depositar um dinheiro, “tendo especificado que seria R$ 50 mil”.
“Que por receio de perder seu emprego concordou em ceder a conta para Pommot, porém ele não disse sobre o que se tratava”, disse Almeida aos promotores de Justiça Samuel Frungilo e Carlos Roberto Zarour Cesar.
Odenil Almeida disse que o valor foi transferido para a sua conta na mesma data e, no dia seguinte, foi procurado pelo então procurador jurídico da Assembleia, Anderson Godoi, “que lhe disse que aqueles R$ 50 mil eram dele”.
Suposto lobista
Já o advogado Júlio Cesar Rodrigues é acusado de ter atuado como “lobista” no alegado esquema e intermediado as negociações, cujo principal destinatário seria o ex-deputado estadual José Riva. No total, Julio César teria recebido R$ 340 mil na tratativa.
Além disso, o advogado é acusado de tentar extorquir e ameaçar José Riva, o deputado estadual Romoaldo Júnior e outros envolvidos no suposto esquema.
Conforme os autos, anotações contidas em agenda que pertence ao advogado diziam para “ferrar” com o ex-deputado José Riva, com o deputado Romoaldo Júnior, com o banco HSBC, com “sua OAB”, e com pessoas identificadas apenas como “procurador do Estado e procurador da Assembleia”.
A suposta tentativa de extorsão contra Romoaldo Júnior teria ocorrido em julho do ano passado, por meio de mensagens enviadas ao irmão do parlamentar, Juliano Jorge Boraczynski, cujo teor dizia: “Tenho seu mano gravado várias vezes... Quero um milhão para segurar a bronca toda... Vocês têm três dias”.
O ex-parlamentar José Riva, em depoimento à juíza Selma Arruda, também afirmou que Júlio Cesar e o pai dele, Jaime Rodrigues, exigiram R$ 1 milhão para pagar os custos de seus advogados sob a ameaça de “sofrer retaliações pela recusa no pagamento”.
As tentativas de ameaça e extorsão, segundo o ex-deputado, teriam ocorrido dentro do Centro de Custódia de Cuiabá (CCC) e no Fórum da Capital. A magistrada encaminhou o caso à Polícia Civil.
Registro suspenso
Em novembro do ano passado, a OAB-MT suspendeu, por 12 meses, o registro profissional de Joaquim Camargo. Ele foi condenado pela prática de apropriação indébita dos R$ 9,4 milhões que a Assembleia Legislativa de Mato Grosso pagou ao banco HSBC, em 2014.
Além de estar impedido de exercer a profissão até novembro deste ano, Joaquim Camargo só poderá voltar a ter seu registro na OAB após comprovar o ressarcimento do valor que pegou indevidamente do banco.
A condenação atendeu parcialmente o recurso de Mielli, que havia sido expulso dos quadros da Ordem em definitivo. O procedimento ético que culminou na decisão foi aberto após denúncia do HSBC à OAB-MT.
Segundo o banco, Camargo fez um acordo com a Assembleia e teve os R$ 9,4 milhões depositados em sua conta.
Porém, conforme a instituição bancária, o advogado não teria repassado os valores ao banco e sequer informado a instituição sobre o acordo.
O HSBC afirmou, inclusive, que o advogado teria dito que não havia conseguido firmar acordo com o Legislativo.
O banco ficou sabendo da infração por meio do advogado Júlio César Rodrigues que, insatisfeito com a quantia que teria recebido no alegado esquema, “dedurou” Joaquim Mielli, em email endereçado ao HSBC.
Após a descoberta, o advogado confessou que recebeu a quantia e depositou R$ 2 milhões em favor do HSBC, alegando que essa seria a fatia ao qual o banco teria direito de receber, sendo o restante sua parte a título de honorários.
A princípio, o Tribunal de Ética da OAB excluiu Joaquim Mielli por inidoneidade moral, que é a infração de não ter conduta compatível com o exercício da advocacia.
Porém, o delator da Ventríloquo recorreu da decisão administrativa junto ao Conselho Seccional da OAB.
Operação Ventríloquo
Além de Anderson Godoi e Júlio César, o ex-deputado Riva e o ex-secretário geral da Assembleia Legislativa, Luís Marcio Pommot, também são réus na ação.
Segundo a investigação do Gaeco, a Assembleia Legislativa contratou um seguro junto ao antigo Bamerindus Companhia de Seguros na década de 90 (hoje HSBC, que o incorporou), porém, não quitou os valores devidos, o que levou à Seguradora ingressar com a ação de execução no ano de 1997.
Passados quinze anos, em meados de 2012, com a ação judicial ainda em andamento (como está até o momento), o advogado Júlio César Domingues Rodrigues, atendendo aos ditames dos demais integrantes do suposto bando criminoso, procurou Joaquim Fabio Mielli Camargo se dizendo intermediário da Assembleia e se colocando à disposição para negociar referidos valores; aduzindo, em seguida, já no ano de 2013, que o procurador-Geral daquele órgão daria parecer favorável, ocasião em que fora protocolado requerimento administrativo de pagamento do débito junto à ALMT e que deu origem ao Processo Administrativo nº 45/2013.
Segundo os promotores do Gaeco, entre os meses de fevereiro à abril de 2014, os denunciados subtraíram cerca de R$ 9,5 milhões em proveito próprio e alheio valendo-se da condição de funcionários públicos de alguns de seus membros.
“Os fatos são aterradores e vieram a lume por intermédio de declarações prestadas pelo arrependido Joaquim Fábio Mielli Camargo a este Grupo, o qual, devidamente acompanhado e assistido por seu advogado, de forma lúcida, clara e espontânea, desvelou fatos criminosos aos quais se viu enredado pelo ex Presidente daquela Casa de Leis, o então Procurador-Geral e Secretário-Geral daquela mesma instituição, bem como outros agentes, alguns ainda desconhecidos, outros portadores de foro por prerrogativa de função, os quais urdiram sofisticada forma de “surrupiar” dinheiro que não lhes pertencia, mas sim ao povo mato-grossense”, diz trecho da denúncia.
De acordo com a delação de Joaquim Mielli, em reunião realizada na Assembleia, já em janeiro de 2014, o então deputado José Riva, mesmo afastado judicialmente da presidência do Parlamento, na companhia do à época secretário-geral Luiz Pommot, "demonstrando ter total domínio do fato, atestou que a Assembleia pagaria a Joaquim Mielli a totalidade da dívida com acréscimos (mais de R$ 9milhões), conforme cálculo apresentado por este último, porém, metade do valor teria que ser encaminhada para contas bancárias por ele indicadas".
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