CONJUR
As operações de busca e apreensão da Polícia Federal em escritórios de advocacia estão novamente gerando queda de braço entre a Ordem dos Advogados do Brasil, a Polícia Federal, a Procuradoria da República e o Judiciário. A Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas (CDAP) da OAB-RJ, reivindica judicialmente que estas operações lhes sejam comunicadas na véspera, preservado a identidade e o endereço dos atingidos. Com maior prazo, poderá disponibilizar delegados da CDAP para acompanhá-las. Mas, até agora, não encontrou respaldo no juízo da 4ª Vara Federal Criminal Rio de Janeiro que denegou todos os pedidos feitos em Mandados de Segurança.
Os pedidos da Ordem, assinados pela presidente da CDAP, Fernanda Lara Tórtima, e seu vice, Renato Neves Tonini, respaldam-se na experiência ocorrida na Operação Teníase, que no dia 9 de novembro de 2010, executou 24 mandados de prisão de acusados de envolvimento em fraudes contra a Previdência Social. Na relação de endereços onde foram feitas buscas e apreensões estavam os de sete advogados. Estas diligências, porém, só foram informadas aos representantes da CDAP às 5h30 da madrugada, o que, segundo eles, impossibilitou arregimentar delegados da OAB em número suficiente para acompanhá-las.
Em conseqüência, deixando claro que não estavam advogando a favor dos acusados, mas sim na defesa da prerrogativa da categoria, a presidente e o vice da CDAP ingressaram com Mandados de Segurança – como o de número 2011.51.01.802119-7, (clique aqui para ler) em nome do advogado Ariel Guimarães Fonseca – em que pede simplesmente a nulidade dos mandados de busca, uma vez que foram feitas sem o acompanhamento de seus representante. Em outro pedido de teor idêntico – número 2011.51.01.802117-3 -, os dois representantes da Comissão de Prerrogativa tentam anular também as provas colhidas nos escritórios de Manoel Guedes do Amaral Neto, Maria de Nazareth Duarte de Mello e Adalgiza Fábia Souza Pereira da Silva.
Nos pedidos, os dois advogados constatam que nenhum órgão da entidade foi comunicado de que seriam sete diligências, com a devida antecedência. “Ao contrário, tal informação foi chegando paulatinamente ao conhecimento desta presidente ao longo das primeiras horas da manhã do dia 9 de novembro” diz Fernanda Tórtima.
Ela, na ocasião, entrou em contato como delegado federal Fernando Cesar Araujo Ferreira, coordenador da operação, e ponderou da necessidade de que todas as diligências fossem acompanhadas por representantes da entidade. Solicitou que se aguardasse o término das que estavam em andamento para que as demais pudessem ser feitas com to devido acompanhamento. Mas não encontrou respaldo.
Tanto o procurador da República, Carlos Aguiar, como o juiz substituto da 4ª Vara, Vlamir Costa Magalhães, consideraram os pedidos despropositados. Segundo Aguiar registrou no seu parecer sobre o pedido feito em nome dos quatro advogados, a reivindicação “nada tem a ver com o exercício da prerrogativa legal. Confunde-se, antes de qualquer coisa, com a tentativa de se estabelecer um privilégio totalmente desproporcional e desarrazoado, além de, o que é mais importante, sem amparo legal”.
No caso de Ariel Guimarães Fonseca, o procurador lembra em seu parecer que a busca foi feita na residência do advogado e não há nos autos qualquer informação de que ali funcionasse um escritório de advocacia. Com base nisto, considera impróprio o pedido da CDAP, “pois inexiste prova inequívoca de que o endereço da busca estaria acobertado pela prerrogativa prevista no supramencionado dispositivo legal”. Acrescenta ainda: “resta evidente a ausência de legitimidade para a OAB/RJ patrocinar o pedido em foco, mormente diante das evidências de que a conduta criminosa atribuída ao paciente não guarda qualquer relação com o exercício da advocacia”.
Já no MS em nome dos quatro advogados, depois de inúmeras argumentações contrárias, ele finaliza afirmando que “não houve a inequívoca demonstração de qualquer prejuízo advindo com a ausência dos representantes da OAB/RJ nos endereços supramencionados (...) Nenhum deles informou ter havido qualquer abuso ou ilegalidade durante a execução dos mandados”. Em seguida, conclui: “depreende-se, do exposto, que inexistiu qualquer ilegalidade no cumprimento das buscas, muito menos violação das prerrogativas previstas no artigo 7º, parágrafo 6º da Lei 8.906/1994, motivo pelo qual o MPF opina pela denegação da ordem”.
Privilégio injustificável - O juiz Costa Magalhães bateu mais pesado. Na sentença em que nega o pedido feito para anular as provas colhidas na casa do advogado Ariel Guimarães Fonseca, ele classifica esta prerrogativa da Ordem como um “privilégio injustificável” e lembra que “nenhum outro trabalhador ou entidade de classe goza de brecha legal para opor entraves à investigação penal. Nem mesmo magistrados têm seus gabinetes blindados contra investigações penais, o que, por sinal, é corretíssimo”.
Na decisão do Mandado de Segurança em nome dos quatro advogados, ele diz que “a presença de representante da OAB em buscas determinadas pela Justiça deve ser vista como um ônus da própria Ordem dos Advogados do Brasil, isto é, um comportamento a ser adotado por esta entidade a fim de que seu próprio interesse (prerrogativa) possa ser concretizado, isto sem gerar prejuízo ao interesse público”.
Indo além, lembra que a OAB “possuí significativo número de membros e inegáveis recursos financeiros, o que lhe permite plena estruturação para assuntos da categoria. Sendo assim, o fato de ter a Seção da Ordem dos Advogados do Brasil/RJ se mostrado falha e morosa no atendimento a seu ônus não deve ser imputado à Polícia Federal e, muito menos, ao Poder Judiciário, sobretudo, com inadmissível prejuízo para atos investigativos perfeitamente legítimos”.
Segundo adverte, “pretender fazer do escritório de advocacia ou qualquer outro espaço de exercício profissional uma espécie de “paraíso penal”, um território imune ou com entraves à investigação criminal fere o sentimento da esmagadora maioria dos causídicos brasileiros que, de forma honesta, exercem o nobre ofício advocatício. O velho brocardo mostra-se por demais atual e aplicável à hipótese: quem não deve, não teme”.
O procurador Aguiar entendeu que faltou esforço da CDAP: “a ausência de representantes da OAB/RJ mesmo depois que teve início a execução dos mandados, cuja duração ocupou quase todo o dia, sugere que o efetivo acompanhamento da busca em escritório de advocacia não é mais importante que a simples preservação formal do dispositivo que a prevê, daí o recurso ao judiciário para ver reconhecida a ilegalidade das provas”.
Destacou também a questão do sigilo, lembrando que “na condição de executor da ordem judicial cabe à autoridade policial conciliar a prerrogativa estampada no estatuto da Ordem com o necessário sigilo da operação. Nesse aspecto, e não poderia ser diferente, o Ilustre DPF agiu dentro da estrita legalidade, pois fez a comunicação prévia à entidade em condições de tempo que não expuseram a risco maior o sigilo da medida”.
A Ordem está recorrendo das decisões no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo). No recurso em que pede a nulidade do cumprimento do Mandado de Busca na residência e escritório do advogado Ariel, a CDAP não poupou críticas ao que chamou de “forma desrespeitosa como a autoridade coatora se refere à Ordem dos Advogados do Brasil”.
Lembram os advogados que “muito embora tenha o ilustre magistrado tido o zelo de externar formal e expressamente sua opinião no sentido de se tratar de entidade importante e respeitável, constata-se, a partir do conteúdo da decisão combatida, que Sua Excelência, a todo tempo utilizando-se de expressões preconceituosas contra a classe dos advogados, visivelmente ignora a importância e o sentido da preservação de suas prerrogativas – a ponto de entender que essas últimas encontram-se contrapostas ao interesse público”.
Insistem que a Ordem não está ali defendendo o advogado acusado, “não sendo seu interesse, para utilizar as palavras da nobre autoridade coatora, “opor entraves à investigação penal”, mas sim – e tão-somente! – buscar seja reafirmada a validade da garantia legal insculpida no parágrafo 6º da Lei 8.906/1994, a qual, de resto, segundo Sua Excelência, consiste em “privilégio injustificado”.”
Questionam se, pelo horário em que foi formalizado o aviso à CDAP pelo delegado federal sobre as sete diligências, “tal comunicação visava apenas o cumprimento de mera formalidade ou realmente viabilizar que os representantes da entidade de fato pudessem acompanhar o cumprimento dos respectivos mandados”.
Rebatem também que esta prerrogativa seja um mero “interesse corporativo”, como definiu o juiz: “com efeito, não se pode olvidar que o advogado desempenha, nos termos de nossa Constituição Federal, função essencial à justiça e representa interesses de terceiros e da sociedade como um todo e que, portanto, no interior de seu escritório quase sempre existem objetos e documentos que em nada diriam respeito a investigações criminais”
Também não ficam sem respostas as afirmações, do delegado e do juiz, de que a OAB conta com “significativo número de membros ou com um quadro de milhares de advogados inscritos para o acompanhamento de tais diligências”. Eles lembram que “por motivos óbvios, mas que passaram despercebidos às ilustres autoridades coatoras, o número de advogados inscritos na Seccional – de fato milhares – não se confunde com aquele de advogados que recebem, por delegação, poderes para atuar em nome de seu Presidente. Isto porque, exatamente em razão da relevância da função, somente após adequado processo de seleção e treinamento, que implica inclusive no conhecimento do sentido e dos limites da garantia das prerrogativas profissionais da classe, é que determinados advogados são nomeados Delegados da Ordem dos Advogados do Brasil, neste caso, de sua Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas (CDAP)”.
Neste ponto, eles buscam o exemplo do próprio judiciário e da Polícia Federal que não trabalham com expressivo número de plantonistas. Depois de lembrarem que “nem a Justiça Federal conta com inúmeros juízes plantonistas nem a Polícia Federal com um sem número de Delegados em plantão”, questionam: “Quantos Delegados da CDAP deve a OAB-RJ deixar em permanente plantão? E se no âmbito de determinada operação policial, houvesse a necessidade do cumprimento de não sete, mas quinze ou trinta mandados de busca em escritórios? Exigir-se-ia que a OAB-RJ contasse com quinze ou trinta Delegados, já previamente selecionados nas condições acima referidas, de plantão? Parece evidente que não!”
Na defesa de que o comunicado não seja uma mera formalidade legal, eles citam o debate ocorrido no Supremo Tribunal Federal quando da discussão da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.127, “oportunidade em que foi afirmada a constitucionalidade da garantia em discussão. Ainda que não fixem um parâmetro preciso referente ao tempo de antecedência com que a entidade será comunicada da realização da diligência, resta evidenciado, pelo teor do debate, que a comunicação deverá ser feita com anterioridade razoável, chegando-se ao ponto de se falar em envio de ofício como o meio para a comunicação”. A comunicação por ofício, porém, não chegou a ser determinada.
Enfim, concluem: “Ainda que não se venha a exigir que a comunicação à OAB seja feita por meio de ofício, não se pode prescindir que ela se dê com antecedência razoável, aliás, como sempre foi feito até o advento da Operação Teníase”. Ressaltando a manutenção do “devido sigilo acerca do local e do nome do advogado destinatário da medida”, lembram que “a OAB/RJ sempre foi comunicada com a devida antecedência acerca do número de buscas em escritórios e de prisões de advogados, de forma a possibilitar o envio de representantes em quantidade adequada. E tanto sempre se procedeu desta forma, que esta é a primeira vez em que a entidade, por tais motivos, impugna a realização de diligências de busca em escritórios”.
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