ANGELA JORDÃO E LETÍCIA AVALOS
Da Redação
No Brasil, motoristas de aplicativos enfrentam longas jornadas de trabalho, baixa remuneração e total ausência de direitos garantidos por lei. Esses trabalhadores vivenciam o fenômeno conhecido como “uberização do trabalho” ou “ciberproletariado” — termos que se referem à falta de vínculo empregatício, à precarização das condições laborais e à falsa sensação de autonomia.
Desde a pandemia de Covid-19, as plataformas digitais se consolidaram como alternativas viáveis para atender às necessidades dos consumidores brasileiros. Atualmente, o Brasil é o líder mundial em número de motoristas e viagens pela Uber, acumulando cerca de US$ 25 bilhões em ganhos para a empresa na última década. A informação foi divulgada pelo presidente da Uber, Dara Khosrowshahi, durante um evento do BTG Pactual, em fevereiro deste ano.
Muitos motoristas são atraídos pela promessa de autonomia e flexibilidade, alimentando o sonho de empreender e “serem seus próprios patrões”. No entanto, a realidade é bem diferente. Tratam-se de trabalhadores que enfrentam jornadas diárias de 12 a 14 horas “para conseguir uma renda que proporcione a ele, ou a ela, e à sua família, uma vida digna”, afirma Solange Menacho, presidente da Associação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores por Aplicativos (ANSTAPP).
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Em todo o país, há entre 1,8 milhão e 2 milhões de motoristas atuando por meio de diversos aplicativos, como Uber, 99, inDrive e outros. Em Mato Grosso, o número chega a 21 mil, segundo a ANSTAPP.
Por serem classificados como “autônomos”, esses trabalhadores não têm acesso a férias, 13º salário, licença médica ou previdência. Em caso de acidente ou doença, ficam desamparados. A ausência de vínculo formal e a instabilidade financeira resultam em insegurança e vulnerabilidade social.
A renda média para uma jornada de 12 horas gira em torno de R$ 300,00 por dia. No entanto, desse valor, o motorista precisa arcar com todos os custos da atividade, como combustível, manutenção do veículo, seguro e, em muitos casos, o aluguel do automóvel — para aqueles que não possuem carro próprio.
Embora os contratos estipulem que as plataformas fiquem com 25% do valor pago pelas corridas, essa porcentagem pode chegar a 65% dependendo do trecho, do horário e das condições climáticas.
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“Nossa luta hoje é por maiores ganhos. Não queremos que o valor das corridas aumente, mas sim que o repasse para as plataformas seja menor, já que elas ficam com grande parte do valor da viagem, enquanto nós arcamos com a maior parte dos custos”, explica Solange. Porém, sem a regulamentação da categoria, os trabalhadores têm dificuldade de negociar melhores condições.
O impacto social é alarmante: estima-se que 85% desses trabalhadores não contribuem para o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) ou qualquer outro tipo de previdência. Isso significa que, dentro de alguns anos, o país pode enfrentar uma geração de trabalhadores sem direito à aposentadoria.
A regulamentação da atividade tem sido tema de debate entre a categoria e o Governo Federal. Recentemente, motoristas conseguiram barrar o avanço do Projeto de Lei nº 1.224/2024, que tramitava na Câmara dos Deputados e propunha a regulamentação da profissão. Os trabalhadores discordaram da proposta de remuneração por hora e defenderam o pagamento com base na quilometragem percorrida. Um projeto alternativo foi apresentado e as negociações continuam.
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“O discurso do empreendedorismo, de ser dono do próprio negócio, mascara condições de trabalho muitas vezes degradantes, sem direitos ou garantias. [...] Essa ideologia transfere toda a responsabilidade para o trabalhador, isentando a sociedade de seu papel em garantir condições dignas de trabalho”, analisa a advogada trabalhista Ignez Linhares.
Segundo ela, a “uberização” ou o “ciberproletariado” é um reflexo direto da precarização do mercado de trabalho brasileiro. Ignez aponta que, embora haja aumento na oferta de empregos, muitos oferecem salários baixos e jornadas exaustivas, o que impede os trabalhadores de arcarem com suas despesas básicas.
“A reforma trabalhista de 2017 deixou os trabalhadores desprotegidos e criou as condições para esse tipo de relação, que é chamada de ‘parceria’, mas que, na prática, é uma relação de emprego. Essa situação só mudará com uma transformação profunda na estrutura social do país”, defende a advogada.
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