LUCAS RODRIGUES
DA REDAÇÃO
O advogado Roberto Tardelli, que faz a defesa do ex-secretário de Estado Marcel de Cursi, ameaçou pedir a suspeição do desembargador Alberto Ferreira de Souza na relatoria dos habeas corpus relacionados à Operação Sodoma e acusou o magistrado de ter provocado “constrangimento” a ele.
A crítica foi levantada por Tardelli em sessão de julgamento ocorrida na 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT), nesta quarta-feira (15).
Na ocasião, o advogado reclamou, em elevado tom de voz, da decisão de Alberto Ferreira – posteriormente revogada pelo próprio desembargador - em dar continuidade ao julgamento dos habeas corpus que pedem a liberdade do seu cliente, do ex-governador Silval Barbosa e do também ex-secretário de Estado Pedro Nadaf.
Isso porque, no início da sessão, o desembargador Rondon Bassil declarou sua suspeição para votar no julgamento, uma vez que seu filho, o advogado Leonardo Moro Bassil, atua nas ações da Sodoma.

Não é possível que um desembargador que esteja passando casualmente seja chamado para julgar um dos casos mais difíceis deste tribunal
Porém, ao invés de adiar o julgamento, o desembargador Alberto Ferreira – que é presidente da 2ª Câmara Criminal – pediu que sua assessoria encontrasse outro desembargador no TJ-MT para substituir Bassil.
A assessoria então localizou o desembargador Luiz Carlos da Costa, da 4ª Câmara Cível, que passou a integrar o julgamento.
“Vergonha”
Na bancada, Tardelli afirmou que o próprio Rondon Bassil disse que havia notificado o presidente do TJ-MT, desembargador Paulo da Cunha, sobre sua suspeição no caso.
Assim, o advogado declarou que, de acordo com o Regimento Interno do tribunal, cabia ao presidente do TJ-MT designar o desembargador mais antigo para substituir Bassil, o que não havia ocorrido até o momento.
“Com todo o respeito ao Dr. Luiz Carlos da Costa, mas a impressão que se tem é que foi uma casualidade que trouxe Vossa Excelência a essa câmara hoje para julgar um dos processos mais complexos em tramitação no Estado”.
Tardelli acusou o desembargador Alberto Ferreira de ter violado o princípio constitucional da ampla defesa ao determinar a continuidade do julgamento.
“Eu nunca vi alguém ser trazido quase que por acaso para julgar um processo desta natureza, porque estava passando pelo corredor. Isso nos afronta, me afronta, afronta meu cliente, não vou fazer a sustentação, peço, suplico que tudo isso seja noticiado na ata do julgamento”.
“Se não formos ouvidos aqui, vamos ser ouvidos no CNJ [Conselho Nacional de Justiça], no Supremo [Tribunal Federal], em algum lugar. Não é possível que um desembargador que esteja passando casualmente seja chamado para julgar um dos casos mais difíceis deste tribunal”, reclamou.
O advogado de Marcel de Cursi declarou que não se pode adotar este tipo de elemento “surpresa” no julgamento de pedidos de liberdade. Ele adiantou que, caso a sessão prosseguisse, iria pedir a suspeição do desembargador Alberto Ferreira para julgar os casos derivados da Sodoma.

É constrangedor. Em 31 anos de profissão nunca vi isso. Se a sessão prosseguir, prosseguirá com a ausência desse defensor
“É constrangedor. Em 31 anos de profissão nunca vi isso. Se a sessão prosseguir, prosseguirá com a ausência desse defensor. Imediatamente vamos tomar providências. Caso se prossiga, nós teremos a obrigação cidadã de fazer isso. Eu não serei digno do meu cliente, se eu não estiver aqui, com o constrangimento e vergonha que estou sentindo, de arguir a suspeição de Vossa Excelência como presidente desse julgamento”.
Ele também argumentou que o caso precisa ser julgado com regularidade, uma vez que seu cliente está preso desde setembro do ano passado.
“Existe um homem preso, existe uma greve dos agentes penitenciários. Ele está sendo tratado como porco lá dentro, e não pode ter em seu defensor um gesto de covardia e omissão”.
Desembargador revê decisão
Após a crítica, o desembargador Alberto Ferreira pediu maiores informações ao desembargador Rondon Bassil sobre a declaração de suspeição enviada, via ofício, ao presidente do TJ-MT.
Após os esclarecimentos, Ferreira mudou seu posicionamento e determinou o adiamento da sessão até que seja convocado, de forma regular, o desembargador que irá substituir Rondon Bassil. Também compõe a 2ª Câmara Criminal o desembargador Pedro Sakamoto.
A denúncia da Sodoma
Segundo a denúncia, assinada pela promotora de Justiça Ana Cristina Bardusco, o grupo era dividido em várias ramificações, e cada uma delas possuía graus hierárquicos.
Silval Barbosa é apontado como o líder da organização, "responsável por articular e coordenar as ações dos demais integrantes". O grupo atuaria exigindo pagamento de propina para conceder incentivos fiscais e para manter contratos de empresas com o Governo do Estado.
Na divisão secundária figuram os ex-secretários de Estado Pedro Nadaf, Marcel de Cursi, Cezar Zílio e Pedro Elias; o ex-secretário adjunto de Administração, coronel José Jesus Nunes Cordeiro; o ex-chefe de gabinete de Silval, Sílvio Cézar Correa Araújo; o ex-procurador do Estado Chico Lima; a ex-secretária de Nadaf na Fecomércio, Karla Cintra; e o filho de Silval, o médico e empresário Rodrigo Barbosa.
“Os indícios apontam que a organização criminosa atuou de forma perene durante toda a gestão de Silval Barbosa, provocando prejuízo a toda a população mato-grossense, que até hoje arca com as consequências das ações criminosas de seus membros, frente ao sucateamento da máquina administrativa, ausência de investimento em infraestrutura, na saúde, segurança e educação pública, etc”, diz trecho da denúncia.
Já o ex-deputado José Riva foi denunciado após o depoimento do empresário Paulo Mischur, da empresa Consignum, alvo da 2ª fase da Sodoma. Mischur relatou ter pago R$ 17,6 milhões ao grupo liderado por Silval e a José Riva para manter o contrato com o Estado.
O ajuste da propina, conforme a ação, teria sido feito com a ajuda do empresário Tiago Dorileo, que também é alvo da Operação Ararath.
O grupo também teria exigido R$ 1 milhão da Zetra Soft, do empresário Fábio Drumond, para que a empresa passasse a gerenciar os empréstimos consignados dos servidores – tarefa então feita pela Consignum.
A tratativa, no entanto, acabou não sendo efetivada e o contrato – assim como as supostas propinas pagas para mantê-lo – continuou com a empresa de Mischur.
Também foi denunciado o servidor Bruno Sampaio Saldanha. Ele teria exigido propina para fazer “vistas grossas” ao contrato da empresa Webtech, de Julio Tisuji, que também confessou ter pago valores ao grupo.
Quanto ao prefeito cassado de Várzea Grande, Walace Guimarães, consta na denúncia que ele ofereceu R$ 1 milhão, em 2012, ao então secretário de Administração, César Zílio, para que o poder público pagasse valores a gráficas – por serviços inexistentes ou incompletos - no intuito de levantar dinheiro para pagar custos de campanha.
Entre as gráficas estavam as de propriedade dos empresários Antônio Roni de Liz e Evandro Gustavo Pontes da Silva, igualmente denunciados.
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