ORLANDO MORAIS JR
DO MIDIANEWS
Os 30 desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso receberam, em média, no mês de dezembro do ano passado, R$ 18,8 mil a mais que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Em tese, os ministros são os funcionários públicos que deveriam, de acordo com a Constituição de 1988, receber os maiores salários no Brasil.
A diferença entre os salários nas duas cortes permanece nesse patamar mesmo em meses em que não são pagas as indenizações de Natal (13º) e as férias.
Como em novembro de 2015, quando os desembargadores de Mato Grosso receberam, em média, R$ 17,5 mil a mais do que os ministros do STF.
Em virtude de receberem verbas indenizatórias como auxílio-moradia, gratificações, adicionais por tempo de serviço e outros “extras”, o salário dos magistrados, que não deveria passar o teto constitucional de R$ 33.763,00, em média, é de R$ 52.653,00 - ou seja, quase R$ 19 mil a mais.
Esses dados estão disponíveis no “Portal Transparência” dos sites do TJ-MT e do STF, nos quais o MidiaNews fez um levantamento.
Esse mesmo procedimento foi adotado para levantar os salários pagos para promotores e procuradores do Ministério Público do Estado (leia AQUI), para conselheiros e procuradores do TCE (leia AQUI) e para auditores do Estado (leia AQUI).
Pelos dados levantados no site do TJ, até mesmo ser juiz em Mato Grosso é financeiramente mais vantajoso do que ser ministro da mais alta corte do país.
Em novembro do ano passado, os 248 juízes e juízes substitutos receberam, em média, R$ 44.439,27. Ou seja, R$ 10.676,00 a mais do que um ministro do Supremo.
Em Mato Grosso, o salário-base de um desembargador é R$ 30.471,11; o de um juiz é R$ 28.947,55. Sobre esses valores incidem Imposto de Renda, contribuição previdenciária e outros descontos.
Mas eles ainda recebem (ou podem receber) “gratificação de atividade judiciária”, “vantagem pecuniária individual”, “adicionais de qualificação”, “gratificação de atividade externa”, “gratificação de atividade de segurança”, além de “outras parcelas desta natureza”.
Também têm direito a “vantagem pessoal nominalmente identificada”, “adicional por tempo de serviço”, “quintos, décimos e vantagens decorrentes de sentença judicial ou extensão administrativa” e “abono de permanência”.
Recebem ainda “auxílio-alimentação”, “auxílio-transporte”, “auxílio-creche”, “auxílio-saúde”, “auxílio-natalidade”, “auxílio-moradia”, “ajuda de custo”, além de “outras parcelas desta natureza”.
De nenhuma dessas verbas extras é preciso prestar contas, e sobre nenhuma delas incide Imposto de Renda ou qualquer outro tipo de desconto.
Magistrados e servidores ativos do Tribunal de Justiça de Mato Grosso recebem um “auxílio-alimentação” de R$ 800,00.
O “auxílio-saúde” é de R$ 400,00 e o auxílio-creche é de R$ 450,00 por filho ou dependente, podendo chegar a R$ 900,00 mensais.
Todos os meses, os desembargadores recebem R$ 10.256,25 de “indenizações”. Não raro, surgem mais R$ 4 mil ou R$ 6 mil nos holerites, sob a rubrica “vantagens pessoais”.
Os juízes também têm esses direitos todos os meses, sendo que suas “indenizações” começam em R$ 9 mil.
Em razão dessas verbas, além de férias e gratificação natalina, há caso de deesembargador que recebeu R$ 102 mil na folha de dezembro - e um juiz de Direito que chegou a receber R$ 108 mil.
Nenhum ministro do STF recebe esses tipos de verba. Além do salário de R$ 33.763,00, o ministro da mais alta corte do país recebe no máximo um “abono de permanência” de R$ 3.713,93, que é todo descontado para um fundo de previdência.
Em média, os ministros do Supremo recebem um salário líquido de R$ 22,6 mil.
Outro lado
A reportagem do Midianews procurou o Tribunal de Justiça para falar sobre os ganhos salariais de magistrados e servidores.
A assessoria de imprensa disse que a instituição prefere não se posicionar sobre esse assunto.
Em dezembro de 2015, o contribuinte mato-grossense pagou R$ 18,2 milhões com os salários de 278 magistrados (desembargadores e juízes), R$ 63,8 milhões com os 4.799 servidores ativos do TJ, R$ 10,4 milhões com 666 servidores inativos ou pensionistas e R$ 4,78 milhões com os 163 magistrados inativos.
No total, a folha de pagamentos do TJ somou R$ 97,18 milhões em dezembro, segundo o Portal Transparência.
Neste ano, o orçamento do Poder Judiciário de Mato Grosso é de R$ 1,3 bilhão. Esse valor equivale a 6% da receita líquida do Estado.
“Teto virou piso”
Apesar de a Constituição brasileira dizer que nenhum servidor público pode ganhar mais do que um ministro do STF, todas essas “verbas extras”, “indenizações” e outros penduricalhos salarias estão legalmente amparados.
Em setembro de 2014, o próprio ministro do Supremo, Luiz Fux, ao apreciar uma ação da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), concedeu uma liminar dando direito aos magistrados de receber o “auxílio-moradia”, mesmo àqueles que eram lotados nas cidades onde tinham domicílio.
A medida teve um efeito cascata e abriu caminho para que o auxílio-moradia fosse estendido a diversas categorias de inúmeras instituições do Poder Judiciário Brasil afora e para a concessão de outros benefícios semelhantes.
Se antes era necessário descontar dos salários tudo o que excedesse o “teto constitucional”, a partir dali não haveria mais limite para os ganhos dos servidores.
“O teto constitucional passou a ser piso”, disse a ministra Carmem Lúcia, em uma sessão do Supremo no final do ano passado.
“Hoje, o único servidor que observa o teto é o ministro do Supremo”, completou.
Segundo a ministra, a palavra “indenização” supõe a reparação de um dano, ou reposição de algo que foi perdido ou tomado.
“Se não houve dano, não há que se falar em indenização, por óbvio. Aí é português. E, no entanto, sob o nome de verba indenizatória se paga o que não deve”, disse.
Nessa sessão, ocorrida no dia 18 de novembro, os ministros do STF deram um sinal de que as verbas extras e penduricalhos salariais podem ter um fim no Brasil.
Quem puxou o tema foi ministro Teori Zavascki. “Eu penso que está na hora de colocar o ponto final no Brasil essa questão do teto. Ultimamente nós estamos saindo por outros subterfúgios. Não estamos mais chamando de vantagem pessoal, nós estamos chamando de verbas indenizatórias. Que é o modo de sair do teto. Eu penso que está na hora da sociedade brasileira respeitar a Constituição”, afirmou.
O ministro Gilmar Mendes foi ainda mais enfático. “Em nome dessa chamada autonomia econômico-financeira, vão se produzindo distorções que descumprem o elemento elementar do princípio da legalidade. Claro que em alguns casos estamos copiando o Ministério Público, que também abusou na construção do modelo! [...] Esses dias chegou aqui ao tribunal uma discussão sobre se procurador tem direito a andar de primeira classe ou de classe executiva. Pois é, vejam o delírio a que nós estamos submetidos. O País imerso numa crise, discutindo se paga ou não bolsa-família, e a gente discute se procurador tem direito ou não a nadar de primeira classe. É muita coragem. Veja que nós perdemos os paradigmas! Nações ricas não têm esses paradigmas. Veja que nós perdemos alguns referenciais”, afirmou.
Gilmar Mendes disse ainda que, em todo o Brasil, estava-se fazendo “uma leitura extravagante, extravagantíssima da ideia de autonomia administrativa e financeira”, afirmou.
“Nós temos que fazer uma profunda autocrítica, porque estamos obviamente dando mau exemplo. [...] Portanto, presidente, é urgente essa discussão, sob pena de nós conspurcarmos as nossas próprias atividades. É claro que é justo que se pague um salário adequado. Mas é importante que o salário seja legal, seja legítimo, e não fruto de concepções cerebrinas e de arranjos, de conveniência. Então é chegada a hora de nós discutirmos. E isso vale para nós e vale também para o Ministério Público evidentemente. Onde nós agora estamos nos mirando. Inclusive temos agora o fenômeno da equiparação agora ao Ministério Público. Claro, avançaram tanto. Mas, como esse sujeito depois vai se olhar no espelho e vai se dizer fiscal da lei?! [...] Esse é um tema que está na nossa agenda, não adianta nós fingirmos que não temos nada com isso”, completou.
E arrematou: “Nós perdemos a credibilidade. Nós perdemos a legitimidade, se nós incidirmos nesse tipo de equívoco. Isso é delicado. Eles vão lá e metem a mão no cofre. Isso não é digno das nossas atividades, de quem tem que zelar pela boa aplicação do direito”.
Veja quanto ganha um ministro do STF (folha de novembro/2015):
Nome | Bruto (R$) | Líquido (R$) | |||
37.476,93 | 24.964,26 |
| |||
37.476,93 | 23.750,34 |
| |||
37.476,93 | 22.950,01 |
| |||
37.476,93 | 18.752,22 |
| |||
33.763,00 | 22.324,37 |
| |||
33.763,00 | 22.131,96 |
| |||
37.476,93 | 25.347,53 |
| |||
33.763,00 | 21.244,91 |
| |||
37.476,93 | 21.100,39 |
| |||
37.476,93 | 22.999,38 |
| |||
37.476,93 | 21.905,87 |
| |||
Fonte: site do STF
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