LUCAS RODRIGUES
DA REDAÇÃO
O juiz Roberto Teixeira Seror, da 5ª Vara da Fazenda Pública de Cuiabá, condenou o Estado a indenizar o prefeito de Rondonópolis (212 km ao Sul de Cuiabá), Percival Muniz (PPS), e sua esposa e ex-secretária de Estado de Educação, Ana Carla Muniz, em R$ 376,3 mil.
A decisão é do último dia 30 de junho e é passível de recurso.
O valor é relativo aos danos morais (R$ 50 mil) e materiais (R$ 326,3 mil) sofridos em razão de uma investigação – considerada ilegal -, que resultou na apreensão de uma fazenda do casal e na exoneração de Ana Carla Muniz do comando da Seduc.
Conforme a ação, os fatos ocorreram em 2006, quando Percival era deputado estadual e Ana Carla, secretária de Estado de Educação.
Na época, o então governador e atual ministro da Agricultura, Blairo Maggi (PP), realizou uma comitiva denominada “Estradeiro da Balsa”, onde os caciques Raoni e Megaron solicitaram a cessão de grupos de geradores para as aldeias indígenas.
Ana Carla Muniz disse que, enquanto secretária de Educação, localizou geradores que não estavam sendo utilizados e informou ao chefe da Casa Civil para que, após as revisões, os equipamentos fossem levados até São José do Xingu (1200 km a Nordeste da Capital) e entregues aos líderes das comunidades indígenas.
Naquele mesmo ano, com base em denúncia anônima, a Polícia Civil instaurou um inquérito que apontava que um motorista da Seduc havia recolhido dois geradores da Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural (Empaer) e levado para a Fazenda Felicidade, que pertence a Percival e a Ana Carla Muniz.
Durante as investigações, a Justiça da Comarca de Vila Rica – a pedido do Ministério Público Estadual (MPE) – autorizou que a fazenda do casal ficasse lacrada até o fim do inquérito, além de determinar a busca e apreensão dos geradores.
Mas, ao final das investigações, ficou comprovado que os geradores que estavam na fazenda não eram os mesmos que pertenciam à Empaer e à Seduc.
Também foi descoberto que os equipamentos supostamente desviados estavam nas aldeias Kaiapó e Tuba Tuba há muito tempo.
Conforme Percival e Ana Muniz, durante o tempo em que a área de terra ficou lacrada e sem os geradores, as necessidades básicas da fazenda – como fabricação de ração e geração de energia para as máquinas – ficaram prejudicadas.
Por conta disso, o casal afirmou que teve que adquirir o alimento para os animais em lojas de produtos agropecuários, o que teria lhes causado um prejuízo de R$ 326,3 mil.
Além disso, segundo o casal Muniz, os alegados abusos cometidos pelo delegado, promotor e juiz do caso geraram repercussões negativas, que foram usadas pelos seus adversários políticos, chegando a resultar na exoneração de Ana Carla do comando da Seduc.
Já o Estado alegou que a ação de Percival e Ana Carla Muniz estaria prescrita, uma vez que foi protocolada em 2011, passado o prazo de três anos dos fatos.
Falta de prudência
O juiz Roberto Seror refutou o argumento do Estado, pois, segundo ele, o prazo de prescrição em ações contra o Estado é de cinco anos, e não de três anos.

Verifica-se claramente a ilegalidade da conduta dos agentes estatais (autoridade policial, promotor e juiz), diante do abuso e do excesso consubstanciados nas drásticas medidas adotadas
Quando aos fatos em si, o magistrado disse que o prejuízo ao casal Muniz é incontroverso e o caso enseja a responsabilização do Estado.
“Verifica-se claramente a ilegalidade da conduta dos agentes estatais (autoridade policial, promotor e juiz), diante do abuso e do excesso consubstanciados nas drásticas medidas adotadas no curso do Inquérito Policial n. 148/2006, fundado em mera denúncia anônima ratificada por singela investigação preliminar (fls. 22 a 27), que passou a apurar a prática, pelos autores, do crime do art. 312, §1º do CP (peculato)”, afirmou.
Para Seror, o inquérito foi baseado “em frágil denúncia anônima” e a busca a apreensão na fazenda foi autorizada pelo juiz de Vila Rica “sem prudência alguma, acarretando na paralização parcial das atividades da propriedade rural”.
“Ao final das investigações, concluiu-se que os geradores apreendidos na Fazenda Felicidade não pertenciam à Empaer nem tampouco à Seduc, mas sim, aos autores (fls. 205/212), ou seja, tratava-se de uma denúncia infundada. Ora, é sabido que cabe a instauração de inquérito policial com base em denúncia anônima, contanto que haja investigação preliminar antecedente, pautada na prudência e discrição, em total contraposição ao que aconteceu no presente caso”, declarou.
Atuação “medonha”
Em sua decisão, Seror também disse que as investigações tiveram “condução desastrosa” e “atuação medonha” por parte da delegada, dos promotores de Justiça e do juiz que atuaram no caso.
“Em outras palavras, as consequências desse fato na vida dos autores foram desastrosas, pois são pessoas públicas, conhecidas em todo o Estado, principalmente o requerente [Percival], que tem longos anos de carreira na política, e a situação narrada nos autos deu margem para seus opositores políticos, que, inclusive quiseram criar uma CPI para investigar os fatos (fls. 269/270), o que foi amplamente divulgado na mídia a nível estadual (fl. 08 e fls. 269/274)”, disse.

Em outras palavras, a referida investigação preliminar teve por base unicamente uma denúncia anônima e o “achismo” da delegada
O juiz observou que a polícia tem o dever de instaurar inquérito quando há denúncia acompanhada de investigação preliminar, mas sem os “diversos abusos e excessos no curso das investigações” que ocorreram na situação.
“Cabe enfatizar que a Investigação Preliminar n. 095/2006 que ratificou a denúncia anônima e “embasou” a instauração do Inquérito é demasiada frágil, pois as diligências nela realizadas não apontaram nenhum indício de autoria e materialidade do crime, com relação aos autores. Em outras palavras, a referida investigação preliminar teve por base unicamente uma denúncia anônima e o “achismo” da delegada”, completou.
Outro fato destacado pelo magistrado foi a falta da verificação do número de série dos geradores, providência que, se tivesse sido tomada, poderia comparar se as máquinas encontradas na Fazenda Felicidade eram ou não as mesmas supostamente extraviadas.
“Mesmo assim, sem indício algum do crime de peculato, a autoridade policial e os promotores representaram perante o Juiz, pedindo a busca e apreensão na Fazenda dos autores (fls. 118/121), que foi deferida pelo Juiz em novembro/2006 (fls. 143/144), sem qualquer prudência”, disse.
“Tais abusos acarretaram prejuízos de ordem extrapatrimonial na vida dos autores, mormente por serem pessoas públicas, engajadas na política local, inclusive, houve a exoneração da requerente do cargo de Secretária de Estado de Educação no auge das investigações, em dezembro/2006 (fl. 303), daí porque entendo que procede o pleito de reparação”, decidiu.
Advogado vai recorrer
O advogado do prefeito, Ulisses Rabaneda, já adiantou que irá recorrer da sentença ao Tribunal de Justiça, no intuito de elevar o valor arbitrado a título de indenização.
"Já fomos intimados da sentença. O magistrado acertadamente reconheceu os abusos cometidos, no entanto, a indenização arbitrada ficou abaixo do que entendemos ser justo. Iremos recorrer para aumentar o valor dano moral, diante do dano expressivo causado ao Percival e Ana Carla", disse.
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