LUCAS RODRIGUES
DA REDAÇÃO
Pela segunda vez, o Pleno do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT) adiou o julgamento da sindicância contra o juiz Jean Louis Maia Dias, que atua na comarca de Itiquira (353 km de Cuiabá), e é suspeito de desvio de conduta funcional.
Jean Louis responde à sindicância por ter mandado prender preventivamente, em 2014, um homem acusado de furtos no município de Ribeirão Cascalheira.
A possível infração do magistrado estaria no fato de o alvo do mandado de prisão, chamado Joel Alves, ter furtado a residência do juiz pouco tempo antes. Logo, de acordo com a legislação, o juiz estaria impedido de decidir este caso, uma vez que também foi vítima do suspeito.
O adiamento ocorreu na tarde desta quinta-feira (16), por falta de quórum para a votação.
Onze membros do Pleno já votaram pela abertura de procedimento administrativo disciplinar (PAD) contra o magistrado: a corregedora-geral de Justiça Maria Erotides (relatora) e os desembargadores Luiz Carlos da Costa, João Ferreira, Paulo da Cunha, Rondon Bassil Dower Filho, Maria Aparecida Ribeiro, José Zuquim, Nilza Maria Pôssas de Carvalho, Guiomar Teodoro Borges, Serly Marcondes e Marcio Vidal.
Já o arquivamento foi pedido por oito desembargadores: Marcos Machado, Pedro Sakamoto, Alberto Ferreira, Antonia Siqueira, Pedro Sakamoto, Juvenal Pereira, Sebastião Moraes e Clarice Claudino.
Para a abertura do PAD ou arquivamento da sindicância, é necessária a maioria absoluta de votos dos membros do TJ-MT, ou seja, pelo menos 15 votos para uma das opções.
Defesa refuta má-fé
Na sessão passada, o advogado do juiz, José Fábio Marques Dias Júnior, relatou que não houve má-fé na atuação do juiz Jean Louis ao decretar a prisão do suspeito Joel Alves.
“Tanto é que na decisão ele não se esconde, ele consigna que é a vítima. O equívoco dele foi não se declarar impedido. Se houvesse má-fé, ele omitiria a condição dele de vítima”, disse.
Conforme o advogado, a conversão da prisão em flagrante para prisão preventiva foi decretada pelo juiz visando o interesse público dos cidadãos daquele município.
“O Joel tinha total desprezo pela Justiça. O indivíduo estava aterrorizando a cidade. Havia 45 procedimentos criminais contra ele. E o juiz substituto estava a 100 km de lá”, alegou.
José Fábio Marques ainda disse que a decisão do juiz não teve relação com o fato de a residência que o magistrado dividia com o delegado da cidade ter sido furtada dias antes.
“O juiz não teria interesse em prejudicar o Joel pelo furto de uma bermuda e de uma toalha”, completou.
Corregedora Maria Erotides: "o tribunal não pode relevar condutas desidiosas e passar a mão na cabeça"
Corregedora quer investigação
Já a corregedora Maria Erotides discordou da tese de que Jean Louis decretou a prisão para resguardar a ordem pública.
“A lei é clara em dizer que o juiz não pode decidir em casos em que for parte ou interessado no feito. Apesar dos delitos, o juiz substituto poderia decidir da mesma forma. Não haveria urgência a justificar uma decisão ilegal. A atitude transcende uma mera irregularidade”, relatou.
Para Erotides, a atitude do juiz demonstrou que a prisão preventiva decretada contra Joel Alves “ocorreu justamente por conta do furto em sua residência, com nítido cunho pessoal”.
“Consequentemente, torna-se óbvio que o sindicado estava totalmente impedido de atuar no processo. A conduta destoa do padrão ético esperado de um magistrado, ainda mais quando versam sobre o direito à liberdade. Ele agiu de forma consciente. E o tribunal não pode relevar condutas desidiosas e passar a mão na cabeça”, disse.
Não restava ao magistrado outra alternativa senão converter o flagrante em preventiva
O desembargador Luiz Carlos da Costa também questionou a conduta do juiz e criticou o fato de o magistrado e o delegado terem morado na mesma casa, uma vez que a comarca era de 1ª Entrância.
“O juiz nesse tipo de localidade não pode morar na mesma residência que o delegado ou o promotor. Quem irá reclamar ao juiz contra o delegado?”, perguntou.
Por outro lado, o desembargador Alberto Ferreira chegou a dizer que o juiz Jean Louis não tinha outra opção a não ser decretar a prisão do suspeito, mesmo estando impedido, em razão da ordem pública.
“A prisão poderia ser dado até por juízo incompetente. Não restava ao magistrado outra alternativa senão converter o flagrante em preventiva, porque senão fizesse o descrédito seria voltado ao Judiciário. Tanto que o suspeito voltou a delinquir e foi preso novamente”, afirmou.
A desembargadora Antonia Siqueira Gonçalves Rodrigues também ressaltou que, na época, o juiz tinha apenas 11 meses de carreira.
“A instauração da sindicância já serviu de alerta, já trouxe a ele todo o sofrimento e reflexão para não cometer o ato novamente”, disse.
Quem nunca cometeu um deslize quando estava começando que atire a primeira pedra
Sem consenso
Na retomada do julgamento, também não houve consenso. O desembargador Rondon Bassil, que havia pedido vistas na sessão passada, votou por acompanhar a corregedora pela instauração do procedimento.
“Entendo pela necessidade de instaurar o PAD para apurar se o magistrado agiu com displicência. Ao menos aparentemente, não soa republicano que um magistrado valha-se de seu poder, para, por meio de uma espécie de vingança institucionalizada, prender seu algoz”, disse Rondon.
Já o desembargador Juvenal Pereira afirmou que não era o caso de se instaurar um PAD, pois o magistrado cometeu os atos quando estava no início de carreira.
“Quem nunca cometeu um deslize quando estava começando que atire a primeira pedra”, afirmou.
Com o adiamento, o caso deve voltar a pauta apenas no mês de julho.
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