O desafio foi grande, mas eles venceram. Hoje, os cinco jovens em conflito com a lei ou sob aplicação de medida de proteção que fazem estágio no Poder Judiciário de Mato Grosso já estão totalmente adaptados à rotina do trabalho e, consequentemente, a um novo estilo de vida. Agora, a meta é outra: estudar, fazer faculdade e buscar o crescimento profissional. A atuação na Vara Especializada de Execução Fiscal e no Juizado Especial Criminal (Jecrim) de Cuiabá inspira os garotos a seguir carreira como operadores do Direito.
O projeto piloto de estágio para esses jovens teve início em maio deste ano. No começo, eram 10. Agora, ficaram cinco. "Passamos por vários entraves, o que é normal por estarmos tratando com seres humanos. Pensamos em desistir, mas, graças à união da equipe, nós conseguimos vencer e hoje a iniciativa é um sucesso”, afirmou a juíza da Vara Especializada de Execução Fiscal, Adair Julieta da Silva. Segundo a magistrada, parte dos meninos não conseguiu se adaptar ao projeto, por problemas na frequência escolar, assiduidade e responsabilidade no estágio.
A medida, que atende a Recomendação nº 25 de 27/10/2009 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foi sugerida por ela e pelo juiz da 2ª Vara Especializada da Infância e Juventude de Cuiabá, Tulio Duailibi Alves Souza. A ideia teve apoio irrestrito do presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Paulo da Cunha, e da corregedora-geral da Justiça, desembargadora Maria Erotides Kneip. A Portaria nº 34/2016-Pres foi publicada em janeiro de 2016 visando promover a ressocialização dos adolescentes, inserí-los na sociedade e auxiliar as famílias com a possibilidade da qualificação profissional dos jovens e encaminhamento ao mercado de trabalho.
“A avaliação que eu faço é altamente positiva, verificamos que o projeto realmente funcionou. É nítida a mudança de comportamento dos adolescentes, aqui eles veem uma oportunidade de mudar de vida. Hoje percebemos que eles têm um projeto de vida, de cursar uma faculdade e ter uma profissão e isso é muito gratificante”, afirma a juíza. Adair conta que, quando os jovens chegaram à Vara, eram outras pessoas, com outros pensamentos e saindo do cometimento de infrações. Para a magistrada, se eles não tivessem tido essa abertura, provavelmente estariam reincidindo no crime. E o depoimento deles confirma essa premissa.
O jovem B.M.P., de 17 anos, disse que a chance oferecida pelo Judiciário mudou a vida dele. “Antigamente não tinha o pensamento focado no trabalho e no futuro e hoje eu tenho essa visão. Minha rotina está corrida, com estágio pela manhã, curso no juizado à tarde e aula à noite, mas está bem legal. Se não fossem essas coisas, minha cabeça ainda estaria no mundão. Isso ocupa a minha mente e me faz pensar em coisas boas”, conta o garoto que se considerava ‘um terror’ e agora se inspira na juíza e no gestor da secretaria da Vara, Eduardo Jose Graça da Costa, para seguir um novo caminho e futuramente se tornar juiz.
A psicóloga Roseli Barreto Coelho Saldanha, do Juizado da Infância e Juventude da capital, reforçou que, com auxílio da Justiça Restaurativa, o conflito com a lei já é passado para os garotos. De acordo com ela, os jovens passaram por um processo de mediação e aqueles que poderiam se encaixar no projeto foram selecionados pelo juiz Tulio Duailibi juntamente com a equipe multidisciplinar da unidade. “O resultado é a transformação deles, a mudança no comportamento, no vestuário, na linguagem, a integração e a interação com outros colegas, advogados e clientela. Hoje, eles estão prontos para o mercado de trabalho”, defende.
A.C.G.A.J., de 18 anos, sabe bem disso. Segundo ele, o estágio possibilitou a mudança do relacionamento com a família e os amigos e ainda melhorou a situação financeira. Com o dinheiro da bolsa, ele pode comprar material escolar e até roupa. “Percebo que hoje eu sou um cidadão normal como os outros, sem por e nem tirar. Tenho uma nova vida, me relaciono melhor com as pessoas, estou feliz, tranquilo, ganho bem e não mexo com a vida de ninguém. Meus pais sentem orgulho de mim”, revela, acrescentando que o crime não compensa e que trabalhar, estudar e respeitar os pais faz toda a diferença no presente e no futuro.
O gestor da secretaria Eduardo Costa, que trabalha diretamente com os adolescentes, pontuou que o processo de adaptação foi rodeado de muito cuidado e paciência. “Para muitos, era a primeira experiência profissional, tiveram que aprender a ter responsabilidade, cumprir horário e ter compromisso com o trabalho. Hoje colhemos os frutos. Os meninos melhoraram muito, da forma de se expressar ao equilíbrio emocional, foi um processo de muita evolução”, avaliou. Conforme eles cresciam no estágio, as atribuições aumentavam. Atualmente eles estão completamente integrados à equipe e apresentam boa produtividade.
Jecrim – Dos cinco jovens que permanecem no projeto, dois estão atuando no Juizado Especial Criminal Unificado (Jecrim) de Cuiabá há cerca de quatro meses. Assim como na Vara de Execução Fiscal, lá eles também já trabalham com o Sistema Apolo e ganham novas atribuições a cada dia. A pedido do juiz Mário Roberto Kono de Oliveira, recebem acompanhamento do Núcleo Psicossocial (Nups).
“Ás vezes esses meninos nunca tiveram uma oportunidade na vida e quando a recebem, mudam mesmo. Percebemos que o comportamento mudou bastante desde que chegaram, que eles enfrentam os desafios com mais seriedade e já pensam no futuro. O relacionamento e a convivência com as pessoas no trabalho também influencia positivamente e, assim, eles acabam nos surpreendendo pela dedicação, força de vontade e pelo trabalho realizado”, argumentou o juiz.
Diante desse resultado, a expectativa agora é de ampliação do projeto para outras unidades judiciárias de Cuiabá e do interior, incluindo jovens do sexo feminino, a partir de 2017.
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