AIRTON MARQUES
DA REDAÇÃO
O juiz Jorge Alexandre Martins Ferreira, da 6ª Vara de Alta Floresta (774 km de Cuiabá), rebateu as declarações da promotora de Justiça Lindinalva Rodrigues, da 15ª Promotoria Criminal de Cuiabá, que criticou as audiências de custódia realizadas em Mato Grosso.
O magistrado declarou que a promotora precisa ampliar os seus conhecimentos quanto ao projeto, implantado em julho do ano passado e consistente na apresentação do preso em flagrante a um juiz, no prazo máximo de 24 horas, para que o magistrado avalie a real necessidade da prisão ou aplique uma medida alternativa ao encarceramento.
Lindinalva, na última quinta-feira (25), utilizou seu perfil no Facebook para, entre outras críticas, condenar a atuação dos juízes, que, segundo ela, determinam a soltura de acusados sem levar em consideração o parecer dos membros do Ministério Público Estadual (MPE-MT), que acompanham os julgamentos (confira a integra da publicação no final da matéria).
Para ela, os juízes estão propensos à liberação dos presos.

O que mais chocou as pessoas que participaram da audiência foi justamente o fato dela falar uma coisa e fazer outra. Falar que o Judiciário está soltando, sendo que ela, como membro do Ministério Público, se posicionou pela soltura de seis
“Agora magistrados sérios não aceitarem críticas para que juntos possamos aperfeiçoar o trabalho que devemos prestar para a sociedade? Isso é um absurdo e só demostra que querem decidir tudo sozinhos mesmo, deveriam excluir o MP destes procedimentos da forma como estão sendo feitos não somente em Cuiabá, mas em todo Brasil então [...] o Juiz está ali sempre propenso a liberação, esta é a meta, este é o objetivo e isso todos os profissionais comentam”, disse a promotora, na rede social.
Rebatendo as afirmações, o juiz declarou ter ficado espantado com o fato de a promotora ter, segundo ele, dito uma coisa, mas, no entanto, realizado outra.
Ao MidiaJur, Jorge Alexandre afirmou que Lindinalva participou de uma audiência de custódia em apenas uma data. Segundo o magistrado, dos setes casos analisados na última segunda-feira (22), em seis deles a promotora se manifestou de forma favorável pela soltura.
“Nós tivemos sete indiciados e ela se manifestou pela soltura de seis deles. Sendo que destes em que ela se manifestou de forma favorável, um tinha sido preso por estar entrando com drogas na cadeia feminina e outro preso por roubo majorado”, declarou o juiz.
Ainda de acordo com Jorge Alexandre, o único caso em que ela se manifestou pela prisão foi o de um usuário de drogas.
O caso em questão foi citado na publicação de Lindinalva, quando ela criticou a soltura do acusado, que segundo ela, teria sido novamente preso por roubo.
De acordo com a promotora, neste caso ela requereu a internação compulsória do acusado. No entanto, o magistrado afirmou que a resolução 213/2015, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), veda este tipo de internação.
Além disso, Jorge Alexandre declarou que o acusado seria solto de qualquer forma, pois em casos de furto (em que a pena não passa dos quatro anos de detenção), a prisão preventiva não é prevista em lei.
“O único que ela não se manifestou pela soltura, em que ela declarou na mídia social que foi acusado de roubo, é mentira. Pois não era roubo e sim furto. Uma pessoa que já tinha sido presa há semanas atrás, por furto, e foi novamente presa por furto de bens que não somam R$ 100. Era uma caixa de cerveja e uma caixa de refrigerante”, disse Jorge Alexandre.
“O que mais chocou as pessoas que participaram da audiência foi justamente o fato de ela falar uma coisa e fazer outra. Falar que o Judiciário está soltando, sendo que ela, como membro do Ministério Público, se posicionou pela soltura de seis”, completou.
Participação do MPE
O juiz também rebateu as declarações da promotora de que os três magistrados que realizam as audiências de custódia no Estado não levam em consideração as manifestações dos membros do MPE.
“Na verdade todas as audiências de custódia são feitas com a presença do Ministério Público, da Defensoria Pública ou do advogado junto. Nem sempre o juiz vai de acordo com o parecer do Ministério Público. Isso é normal em qualquer situação. A questão é que o juiz na audiência de custódia está ali, apenas para verificar a legalidade daquela prisão e necessidade de ser manter a pessoa presa”, declarou.
“Na última segunda-feira, nós demoramos mais de 30 minutos para começar a audiência, aguardando ela [Lindinalva Rodrigues] chegar. Justamente para não fazer sem a presença do Ministério Público. Muito fácil você bater quando você fala que tem uma atitude, mas tem outra”, disse.
Selfie
Afirmando estar havendo uma inversão dos valores, o juiz ainda declarou que a maior parte dos pareceres ministeriais nas audiências de custódia são pela soltura dos acusados.

Os dados que nós temos, em especial os de violência doméstica, mostram que o índice de reincidência das pessoas é de 1%
“Está tendo uma inversão de valores. Por ter sido a primeira vez em que ela [Lindinalva Rodrigues] participou, até em uma forma meio esquisita - por tirar uma selfie de dentro de uma sala de audiência, situação até mesmo questionável, no ponto de vista profissional -, acho que ela deveria conhecer um pouco mais a audiência de custódia e verificar mais os dados. Acredito que, dos presos liberados e soltos durante o período de existência das audiências de custódia, entre 80% e 90% foram soltos com pareceres favoráveis do Ministério Público”, afirmou o magistrado.
Violência contra a mulher
Em sua página no Facebook, Lindinalva também destacou os casos envolvendo homens acusados de agressão contra as mulheres.
De acordo com ela, com as decisões, em sua maioria favoráveis à soltura destes presos, poderiam ocasionar ocorrências mais graves, como assassinatos das vítimas.
Do outro lado, o juiz Jorge Alexandre disse que todos os magistrados responsáveis pelo projeto tem experiência no ramo criminal e se dedicam a casos envolvendo a violência de gênero.
“São três juízes com experiência. Nós estamos tendo o cuidado de, na hora da audiência, em atenção à lei Maria da Penha, ligarmos para as vítimas e perguntar o que aconteceu. Se ela tem medo ou teme pela sua vida. Em função destas ligações, nós tivemos a permanência de pessoas presas e também liberadas”, declarou o juiz.
“Os dados que nós temos, em especial os de violência doméstica, mostram que o índice de reincidência das pessoas é de 1%. Temos 3% de reincidência nos demais crimes. Uma coisa é preciso deixar bem claro. O casos envolvendo crimes bárbaros (homicídio, latrocínio, roubo com violência real), estão sendo mantidos presos”, concluiu Jorge Alexandre.
Audiências de custódia
De julho a dezembro de 2015, o projeto da audiência de custódia do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) registrou 946 atendimentos em Mato Grosso.
No total, foram evitadas 623 prisões desnecessárias.
Os dados apontam que as audiências resultaram na conversão de 34% dos casos de prisão em flagrante para prisão preventiva e cerca de um terço dos presos em flagrante ingressaram no sistema carcerário do Estado.
De acordo com os dados divulgados pela assessoria da Corregedoria Geral de Justiça Mato, aproximadamente 49% foram liberados provisoriamente com aplicação de medida cautelar, 12% conseguiram liberdade provisória plena e 5% tiveram o relaxamento da prisão (quando o fato não configura crime).
Antes de ir para a audiência, o preso passa por exame de corpo de delito, com médico legista da Perícia Oficial de Identificação Técnica (Politec), e pela identificação das impressões digitais. Após a confirmação da identidade, o preso é atendido por uma equipe multidisciplinar formada por psicólogas, assistente social e técnica de enfermagem, que preenche um formulário chamado plano individualizado de atendimento (PIA).
Nesse documento, constam informações como o histórico familiar, profissional e de saúde, além de encaminhamentos necessários como tratamento para dependência química, atendimento psicológico e vaga de emprego no Sine.
Confira a publicação da Promotora de Justiça Lindinalva Rodrigues:


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