DA ASSESSORIA
Logo após o fim do relacionamento, começaram as agressões físicas e psicológicas. Ela o perseguia por todos os lugares. Encenava verdadeiros escândalos em frente ao trabalho dele na tentativa de forçar uma demissão. E no alto de sua fúria e frustração, desferiu inúmeros golpes contra o carro daquele que por anos fora seu companheiro.
Como conseqüência, a mulher foi impedida de se aproximar do ex-marido a uma distância inferior a 500 metros e de tentar manter contato com ele, sob pena de prisão em caso de descumprimento. A decisão judicial foi proferida em 2008 pelo juiz do Juizado Especial Criminal Unificado de Cuiabá, Mário Roberto Kono de Oliveira. O ineditismo da determinação, que aplicou pela primeira vez a Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) para homens, foi amplamente divulgado pela mídia nacional.
O caso emblemático foi relembrado pelo juiz em vista das ações da campanha Justiça pela Paz em Casa, que ocorreu no início deste mês, e visa diminuir a incidência de casos de violência doméstica dentro dos lares de todo o país. “Lembro-me que à época não havia ferramentas legais que protegessem os homens em casos de violência doméstica. Por isso, entendi que as medidas protetivas de urgência previstas na Lei 11.340/2006 poderiam ser usadas por analogia”, explica o juiz.
Hoje, entretanto, após atualizações no Código Penal Brasileiro, já existem recursos legais que visam à proteção do homem em casos de violência, como é o caso das medidas protetivas de urgência. O juiz esclarece ainda que a decisão teve caráter educativo, pois reforçou a ideia que o homem não deve se envergonhar em buscar socorro junto ao Judiciário para fazer cessar as agressões da qual vem sendo vítima. E mais, para evitar um possível ciclo de violência dentro do ambiente doméstico e familiar. “Compete à Justiça fazer o seu papel e não medir esforços em busca de uma solução de conflitos, em busca de paz social”, ressalta Mário.
Novos casos – Seguindo a ideia da aplicabilidade da Lei Maria da Penha em casos em a vítima não seja mulher, em julho de 2014 a juíza da Comarca de Primavera do Leste, Aline Luciane Quinto, também concedeu medidas protetivas a um caso de união homoafetiva. Na ocasião, uma das partes foi agredida pelo ex-companheiro que não aceitou o término do relacionamento.
Mas, aí vem a pergunta: será que uma lei elaborada para proteger as mulheres pode ser aplicada também aos homens? No entendimento da juíza auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça de Mato Grosso, Amini Haddad, não.
“A lei 11.340/2006 considera todo um contexto histórico e cultural de desvalorização da mulher que remonta aos primórdios da humanidade. A Lei Maria da Penha surgiu como um marco histórico na tentativa de resgatar o valor das mulheres e de combater a chamada violência de gênero, que é a violência que ocorre contra a mulher justamente por ser mulher”, afirma Amini.
Ela acredita que ao ampliar a aplicabilidade da lei aos homens, transexuais e homossexuais, por exemplo, haverá o esvaziamento da lei. “Quando as varas, que já estão abarrotadas de processos, tiverem que julgar todos os casos como se fizessem parte do que está previsto na Lei Maria da Penha, as mulheres, que são as maiores vítimas deste tipo de violência, vão acabar perdendo sua prerrogativa”, acredita a juíza.
A magistrada ressalta ainda que atualmente o Código Penal já prevê alternativas legais, tais como medidas protetivas para homens que não se enquadram na Maria da Penha, como recurso para esses casos. E, segundo ela, já existem o Código de Processo Penal e uma disciplina subsidiaria no Código de Processo Civil que dão respostas a violência contra os homens.
“Há poucas leis específicas que garantem a integridade física e moral da mulher. Essas leis foram criadas especificamente para mulheres, porque visam combater a violência de gênero. Quando o caso ocorre com um homem, não configura mais violência de gênero e, portanto, desqualifica o propósito da lei”, enfatiza Amini.
Independente do entendimento de cada magistrado acerca da aplicação da Lei Maria da Penha, o importante é que ações preventivas sejam tomadas no sentido de acabar com a violência doméstica, seja praticada por homens ou mulheres. “A violência é inaceitável. A cultura que nós temos hoje de simplesmente tornar tudo vulnerável a atos de violência é inaceitável, já que a violência nunca é medida.
Então, precisamos ter em mente que todo respeito é necessário para a construção de uma sociedade. Precisamos entender o conceito de convivência, de compartilhar vidas. Homens e mulheres precisam buscar ajuda, pois a violência não é algo justificável e aceitável”, alerta a magistrada.
“É preciso entender que não é vergonha nenhuma para o homem buscar a ajuda do Poder Judiciário para se defender de uma violência, seja ela física, psicológica ou moral. Na minha opinião é um ato de sensatez, pois evita que o agredido também se utilize da violência para resolver seu conflito”, complementa o juiz Mario Kono.
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