LAICE SOUZA
DA REDAÇÃO
A juíza Flávia Catarina Oliveira de Amorim Reis, responsável pela Décima Vara Criminal da Capital, mandou arquivar a interpelação feita pela Associação Mato-grossense dos Magistrados (AMAM) contra o advogado Eduardo Mahon. Ele foi interpelado por ter escrito um artigo de opinião que foi publicado no jornal A Gazeta, com o título “Quem é quem”, em 2010.
A Amam alegou que o advogado “supostamente, teria agido com nítida intenção de malferir de modo calunioso e difamatório à honra dos associados”. Ainda de acordo com os autos, Mahon teria feito “afirmações desprovidas de demonstração fática, que colocariam em dúvida uma das maiores garantias da magistratura nacional, a independência funcional, bem como a dignidade do exercício da função jurisdicional”.
Eduardo Mahon explicou que a Amam o interpelou no Juízo Cível para esclarecer quem eram as pessoas de que se tratavam as afirmações contidas no artigo.
“Em resposta no juízo cível eu informei que primeiro já teria decaído o direito de me demandar, segundo que a Amam não era pessoa legítima para propor queixa-crime e terceiro que o juízo competente era o criminal e não o cível”, explicou Mahon, acrescentando que a interpelação se trata de uma medida preparatória de uma ação penal e que nunca poderia ter sido direcionada para um juízo cível.
De acordo com a decisão, a Amam não cumpriu os prazos previsto em lei para apresentar queixa-crime contra o advogado. “A requerente manteve-se inerte, o que presume o seu desinteresse no ajuizamento da competente ação penal (...), declaro extinto a presente interpelação judicial nº 10142-72/2011, com julgamento de mérito”, diz trecho da decisão.
Entenda o caso
O advogado escreveu um artigo intitulado “Quem é Quem” onde comentava que seria incompatível pessoas detentoras de cargos públicos terem patrimônios com mansões e casas na Chapada com salários de R$ 20 mil. “Os padrões de vida típicos de mega-empresários coadunam-se com os de um servidor público?”, diz trecho do artigo.
Para o MidiaJur, o advogado explicou que a interpelação “foi uma tentativa de constranger um cidadão de dar uma opinião livre”.
Veja abaixo íntegra do artigo de Mahon
Quem é quem
Por Eduardo Mahon
A população assiste incrédula aos sucessivos capítulos da novela judiciária mato-grossense. Numa semana, é a posse obstada de um magistrado ao cargo de desembargador; noutra, o parecer ministerial sugerindo aposentadorias compulsórias de vários julgadores. Ao que tudo indica, o caso é de polícia. Para o público leigo (e não só), o Poder Judiciário demanda uma depuração. A pergunta é: contra quem?
Ocorre que os episódios devem ser divididos e classificados conforme a gravidade. O empréstimo efetuado por magistrados ao Grande Oriente de Mato Grosso, por exemplo, expõe um equívoco de percepção: os créditos recebidos junto ao Tribunal de Justiça (supostamente usados para pagar a dívida), nada mais eram do que direito dos próprios magistrados favorecidos. E quem pagou foi o próprio TJ!
Crédito por crédito, diz os memoriais dos defendentes, nada há o que reclamar do recebimento do módico valor de R$ 640.000,00 (seiscentos e quarenta mil reais), percebidos pelo próprio ex-Corregedor Geral de Justiça à guiza de diferenças salariais. O fato, por si só, não representa qualquer irregularidade. Todo o contrário: o que gera espanto é a campanha que afeta apenas uma das partes e não todos os favorecidos. Se centenas de julgadores receberam as mesmas vantagens, porque o escândalo no caso da turma “investigada”? Pau que bate em Chico, bate em Francisco.
Acredito que a grande questão não seja bem a ilegalidade de pagamentos ou empréstimos contraídos de parte a parte, ou beneficiando diversos magistrados, uma vez que o prestamista faz o que quer com o seu dinheiro. Importa saber que juízes não julgam com isenção e sim munidos de impressões pessoais, extremamente subjetivas. O conflito fratricida no Tribunal de Justiça de Mato Grosso comprova que objetividade é uma enorme ilusão. Há grupos, há partidos, há tendências.
Além dessa comprovação inequívoca de subjetivismo no proceder, há outro questionamento que devemos nos fazer: a evolução patrimonial de magistrados é compatível com mansões no Manso e Chapada? Os padrões de vida típicos de mega-empresários coadunam-se com os de um servidor público? Especificamente, quanto ao juiz Antônio Horácio, o Conselho Nacional de Justiça já se manifestou afirmando que não há patrimônio incompatível com os vencimentos. Mas e os imóveis de outros julgadores? Dos filhos? Das mulheres? Dos aparentados? Será normal andar com carros de meio milhão de reais e ainda sustentar um padrão de vida alto?
Anos atrás, em sala de aula, comentei que magistrado não pode ter iate, nem pesqueiro, nem mansão. Por uma infelicidade, uma aluna levantou a mão e afirmou que o pai, juiz de direito, tem uma lancha de tantos pés, um casarão e um pesqueiro. Surpreendido com a coincidência (Cuiabá é mesmo uma cidade pequena), pedi para que ela me apresentasse o contador e o assessor financeiro do magistrado, porque pretendia ter meu salário de professor apto para comprar, pelo menos, uma modesta lancha.
Profissional liberal só deve dar satisfação à Receita Federal. E cobra o que quer. É diferente do servidor público. Este último ganha o que a lei determina e dá satisfação diária à sociedade, pelo caminho que escolheu trilhar. O poder, ao contrário de esconder, expõe o cidadão. O próprio julgador que é penalizado pelas carteiradas que distribui, com maior rigor do que qualquer outro caso de arrogância costumeira. Até mesmo os filhos, esposas e netos dos servidores estão sujeitos à fiscalização, porque podem ser beneficiários de eventual ato ilícito.
Retornando ao tema inicial, a população mato-grossense assiste atônita à disputa pelo poder. A ascensão profissional virou uma questão de apadrinhamentos. É pitoresca a posição de todo o Tribunal de Justiça que elege um magistrado que não toma posse por “atos incompatíveis” com a profissão, quando há acusações bem mais graves entre os próprios desembargadores.
Como sempre afirmei, temos uma Justiça Estadual digna de fé. A burocracia judiciária mato-grossense é uma das mais eficientes do país. O nível técnico judicial é muito acima da média. Contudo, alguma coisa está muito errada. Nessa história, devemos saber quem é o bandido e quem é o mocinho de forma clara, para não tomar um pelo outro. Isso, só o tempo dirá. Mas convém repetir – Cuiabá (e Mato Grosso) é uma grande-pequena província. No final, todos sabem quem é quem.
Eduardo Mahon é advogado em Mato Grosso
Quer receber notícias no seu celular? Participe do nosso grupo do WhatsApp clicando aqui .
Tem alguma denúncia para ser feita? Salve o número e entre em contato com o canal de denúncias do Midiajur pelo WhatsApp: (65) 993414107. A reportagem garante o sigilo da fonte.