LISLAINE DOS ANJOS
DO MIDIANEWS
O juiz da Vara Especializada de Ação Civil Pública e Ação Popular, Luís Aparecido Bertolucci Júnior, determinou que o Estado pague, dentro de sete dias após ser notificado, os débitos existentes com Cuiabá e Várzea Grande no setor da Saúde Pública, que somam pouco mais de R$ 9 milhões, a fim de garantir o atendimento à população pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
A decisão também determina que o Executivo apresente, dentro de 15 dias, um cronograma de pagamento dos débito vencidos dos mais de 100 municípios que prestaram informações ao MPE. O montante deverá ser quitado dentro de, no máximo, 60 dias.
Quando do ajuizamento da ação civil pública por parte do MPE (Ministério Público Estadual), em 12 de agosto deste ano, os débitos somavam R$ 50 milhões, segundo relatório feito pela AMM (Associação Mato-grossense dos Municípios), e se referem aos anos de 2011 e 2012.
Segundo o autor da ação, promotor Alexandre Guedes, o objetivo do MPE é garantir que o Estado mantenha em dia as contas da Saúde, não privilegiando o pagamento das OSS (Organizações Sociais de Saúde) ou qualquer ente privado, em detrimento dos municípios.
“Já seria terrível estar se devendo Saúde, mas é mais terrível ainda quando verificamos que alguns entes estão tendo precedência em relação a outros. Juridicamente falando, não há qualquer razão para que você pague uma OSS em detrimento, por exemplo, de uma Santa Casa. Então, o problema não é só o calote, é a precedência. O Estado vai ter que assumir o seu compromisso e pagar a todos”, afirmou Guedes, em entrevista coletiva, na tarde desta terça-feira (25).
Caso o Estado não possua recursos suficientes para manter os débitos da Ssaúde em dia, o juiz determinou que os gestores públicos retirem recursos de áreas não essenciais, como Comunicação, obras e turismo, informando a fonte do recurso utilizado para o pagamento dos débitos.
“[...] o direito à Saúde qualifica-se como garantia fundamental que assiste a todas as pessoas, porquanto, representa consequência constitucional indissociável do direito à vida”, diz trecho da decisão de Bertolucci.
Em caso de descumprimento de qualquer uma dos requisitos solicitados na liminar, o Estado deverá ter as contas bloqueadas, de maneira a não efetuar repasses a áreas não essenciais enquanto a situação do setor da Saúde não for regularizada.
“O que nós exigimos do Governo é que ele não deixe para o final do ano, ano que vem ou quando cair o dinheiro. Essa conversa não está dando. O Estado vai ter que assumir a dívida de fato apresentar um cronograma e continuar realizando os pagamentos em dia daqui por diante. Nada mais do que a obrigação dele. Que não se dê mais prioridade às OSS. Se pagar um, tem que pagar todo mundo junto”, disse.
Além disso, os gestores das pastas de Administração, Planejamento e Coordenação e Saúde também deverão ser responsabilizados, caso algum item da determinação judicial não seja cumprido.
“[...] Os servidores públicos responsáveis pelo cumprimento das medidas acima deferidas, em caso de descumprimento, estarão sujeitos às sanções civis, penais e administrativas que poderão ser aplicadas cumulativamente”, diz a decisão.
Consequência
A decisão proíbe o Estado, ainda, de diminuir os valores já repassados aos municípios, de forma voluntária ou por meio de convênios, como consequência da decisão proferida hoje pela Justiça.
“O Estado não pode revogar portarias, não pode rescindir convênios, diminuir serviços ou recursos voluntários ou qualquer outro dinheiro que seja dado para a saúde. Ele tem que manter exatamente o que oferece hoje. E pode aumentar se quiser. Essa ação e essa decisão judicial não pode ser vir de desculpa. Saúde pública não pode ser objeto de calote”, defendeu o promotor Guedes.
Ele ressaltou que hospitais como a Santa Casa e o Santa Helena, em Cuiabá, precisaram fechar suas UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) por falta de verbas, o que consiste em violação do direito à vida. Além disso, o promotor ressalta que a falta de repasses compromete, inclusive, a medicina preventiva nos municípios, o que pode resultar em consequências graves ao Estado, no futuro.
“Deixar de investir em Saúde, principalmente preventiva, implica em aumento de hospitalização e depois, isso daí vai explodir no futuro. Quando você não tem remédio, não tem assistência, não tem prevenção. Se você não consegue fazer uma medicina preventiva, vai haver problemas maiores lá na frente”, afirmou.
Realidade dos municípios
Segundo informações da AMM (Associação Mato-grossense dos Municípios), o atraso no repasse das verbas da Saúde tem obrigado os gestores municipais a retirarem recursos de outras áreas da administração pública para socorrer o setor e garantir o atendimento à população.
Alguns municípios têm investido até 20% do seu orçamento na Saúde, 5% a mais do valor obrigatório, mas ainda não é o suficiente. Com isso, ficam comprometidos os programas básicos de atendimento à população, como o PSF (Programa Saúde da Família), Farmácia Popular, Saúde Bucal, tratamento de endemias e compra de medicamentos de alta e média complexidade.
Privilégio
De acordo com Alexandre Guedes, ao ser convocado pela Justiça para prestar esclarecimentos quanto aos repasses atrasados da saúde, o Estado reconheceu que mantém o pagamento das OSS em dia, mas não justificou a razão pela qual privilegia as entidades privadas.
“Eles reconheceram que pagam as OSS. Uma das coisas que o MP destaca na ação é exatamente a ilegalidade de deixar os municípios sem os seus repasses. Os municípios são entes públicos, entes da Federação e devem ter precedência”, destacou.
Questionado se manter o pagamento das OSS em dia seria uma forma de fazer a população aceitar melhor a implantação do sistema em todas as unidades de sáude sob gestão do Estado, o promotor disse não poder se posicionar, mas admitiu que há uma forma de "sucateamento".
"Tudo o que o Estado controla diretamente na Saúde está sendo sucateado", disse.
Outro lado
Ao MidiaNews, o procurador-geral do Estado, Jenz Prochnow, afirmou que o Estado ainda não foi notificado da decisão, mas que irá tomar as providências necessárias para o cumprimento da decisão, assim que for informado oficialmente da liminar.
“O Estado ainda vai ser notificado, nós vamos tomar as providências e estudar o caso. A Secretaria de Saúde deverá verificar o que foi pago e, se for o caso, de recolher algum valor, nós iremos recolher o valor devido”, disse.
Sobre o Estado privilegiar o pagamento das OSS em detrimento dos entes municipais, o procurador disse que a informação “não tem razão de ser”.
“Eu acho que isso não tem nada a ver. As obrigações são mútuas, comuns. Porque alguém não gosta das OSS, isso não significa que ela é ruim. À medida que tiver que ser pago, será pago, seja OSS, seja município”, afirmou.
Na manhã de hoje, o Governo do Estado informou, por meio de nota, que os repasses da Saúde para os municípios de Várzea Grande, Cuiabá e Rondonópolis, referentes ao mês de julho, estavam sendo executados nesta terça-feira (25).
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