DA REDAÇÃO
“Não dá para negar que hoje nós temos um volume de ideias que fazem a diferença. Temos mais liberdade. Discutimos muito mais assuntos voltados para o nosso modo de ver, de pensar e sentir. Hoje a força que a gente tem em grupo é respeitada pelos homens”. Essas são palavras da vice-presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), desembargadora Clarice Claudino da Silva. Há 28 anos na magistratura e há sete como desembargadora, muitas foram as transformações que ela vivenciou nesse universo, até então basicamente masculino. E muito há de se comemorar neste dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher.
A magistrada destacou o fortalecimento das mulheres dentro do Judiciário e lembrou que quando tomou posse por merecimento como desembargadora, a única mulher ocupando este cargo oriunda da magistratura era Shelma Lombardi de Kato, que viera a se aposentar um mês depois. A desembargadora Maria Helena Gargaglione Póvoas também já compunha a corte, porém por meio do quinto constitucional (vaga reservada à OAB-MT).
“Foi um momento muito feliz e importante, também porque ainda pude dar esse prazer ao meu pai que ainda estava entre nós. A emoção dele foi muito marcante, de um sonho que a gente sonhou junto, desde que eu era criança... Ele ver, ainda com saúde, e participar daquele momento de alegria tem um valor muito grande. Depois disso, aos poucos as outras colegas foram conquistando espaço, foram chegando e ficamos cada vez mais fortalecidas”, observou.
Clarice Claudino afirma que dentro do Tribunal de Justiça os homens reconhecem esse espaço que foi conquistado pelas mulheres e que a força feminina é respeitada. Atualmente o Judiciário mato-grossense possui, em sua administração, duas mulheres nos cargos mais altos (vice-presidente e corregedora-geral da Justiça), além de diversas outras magistradas em colocações de destaque, como em direções de foro nas comarcas, inclusive na Capital, com a juíza Edleuza Zorgetti Monteiro da Silva.
Uma das grandes dificuldades da mulher que busca seu espaço no mercado de trabalho e, neste caso, no Judiciário, são as múltiplas atribuições. A vice-presidente disse que sua geração é de mulheres que carregam nos ombros uma sobrecarga considerável. Com isso, a saúde é um dos principais fatores afetados. Para ela, esse é o lado negativo: quando se ingressa numa carreira e não se sabe avaliar muito bem a carga horária excessiva de trabalho, passando da razoabilidade.
“Se eu pudesse fazer algumas coisas diferentes, eu teria optado por diminuir um pouco a jornada diária de trabalho. Fiquei muitos anos na Vara de Família e lá é tudo ‘para ontem’. Eu me sentia muito envolvida por aquilo e chegou num momento que eu não sabia fazer outra coisa. Não tem como não se envolver com o trabalho, no caso, a magistratura, mas tem como desenvolver um projeto de vida com um pouco mais de qualidade, que é o que a gente almeja para as colegas mais jovens, que procurem administrar melhor o tempo e se dedicar pelo menos à manutenção da saúde”.
Mesmo com todos os percalços, a desembargadora ressalta que se sente muito abençoada, porque todos os seus objetivos - e até mesmo aqueles que nem passavam pela sua cabeça - foram alcançados. “Só queria ser juíza e hoje sou desembargadora. Só queria ser uma magistrada e hoje sou vice-presidente do TJMT. Faço o trabalho dos meus sonhos na mediação e o saldo que eu trago para a minha vida é de muita bênção, de muita felicidade e positividade, porque os preconceitos são muito pequenos e nunca me inviabilizaram projetos e sonhos, e nunca significaram algo que eu não pudesse superar com tranquilidade, dando sempre o meu melhor”, salientou.
Reflexão
A corregedora-geral da Justiça, desembargadora Maria Erotides Kneip, fez vários questionamentos como forma de reflexão sobre o real significado do dia 8 de março. Uma data que faz relembrar o sacrifício de 130 mulheres, em 1857, que foram presas dentro de uma fábrica e queimadas vivas porque estavam reivindicando, em primeiro lugar, uma jornada menor de trabalho, igualdade salarial e valorização e respeito enquanto mulheres. “Essa data somente foi levada a Dia Internacional da Mulher numa conferência realizada na Dinamarca, mais de 50 anos depois, em 1910. Mas a ONU só oficializou em 1975. Me recordo muito bem dessa data, mas para que esse dia, qual o objetivo? Para que nós pudéssemos refletir sobre qual é o papel da mulher na sociedade. Por que nós mulheres ainda temos uma dupla jornada de trabalho? Por que ainda se permite que haja uma divisão entre trabalho feminino, tarefas femininas e trabalhos masculinos?”, questionou a desembargadora.
Segundo a magistrada, essa divisão, embora venha sendo questionada no tempo, ainda permite que o poder seja quase que exclusivamente masculino. “Esse dia 8 é um dia de nós pensarmos por que nós, em casa, depois de um dia intenso de trabalho, podemos fazer o jantar, lavar a roupa, cuidar dos filhos, varrer a casa, limpar o móvel e o nosso companheiro não pode participar? Por que permitimos ainda salários desiguais quando nós temos mulheres tão capazes? Por que as mulheres ainda são desvalorizadas? O Dia Internacional da Mulher é dia para a gente pensar sobre isso. Mais do que ser homenageadas, as mulheres precisam ser respeitadas”, afirmou.
A mulher na sociedade - Atualmente o TJMT conta com 89 juízas, o que tem provado que o lugar delas na sociedade é onde elas realmente querem. Como é o caso da juíza substituta Lilian Bartolazzi. Aos 29 anos, a magistrada foi aprovada no último concurso, tomando posse em 2015 e hoje é diretora do foro da Comarca de Porto Esperidião (326 km a oeste de Cuiabá).
“A mulher tem que ter em mente que ela é capaz de qualquer coisa. Não tem nenhum cargo que ela não possa ou não seja capaz de ocupar. Tendo isso em mente e se planejando, estudando e lutando pelos seus sonhos, ele é possível. Na medida em que a gente se dedica, vai vendo que um sonho não é uma utopia, e isso se torna palpável.”
Segundo a juíza substituta, não é só a mulher que ocupa um cargo de destaque que luta. “A mulher no seu dia a dia, através do seu comportamento e da sua visão de mundo, influencia muito para que nós consigamos continuar lutando para que os direitos sejam expandidos e melhorados, para que a visão da sociedade possa evoluir”.
Independente do sexo, no mercado de trabalho, principalmente no Poder Judiciário, há o reconhecimento da qualidade profissional. De acordo com a pesquisadora da UFMT Vera Lúcia Bertolini, na área da justiça há uma ampliação significativa do número de magistradas. “E se tem um setor onde as mulheres estão avançando é no Poder Judiciário. Esse é o caminho”, frisou.
Para a pesquisadora, as conquistas das mulheres precisam ser mantidas. “A gente tem tido sim, ao longo do processo histórico, avanços significativos. Agora não podemos negar que no atual estágio da nossa sociedade as mulheres têm sido sim ameaçadas de perder esses direitos e daí então o desafio que temos de nos organizarmos e, enquanto sujeitos coletivos, assegurar os direitos que já foram construídos e ampliá-los”, finalizou.
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