LAICE SOUZA
DA REDAÇÃO
O presidente da Associação dos Magistrados do Brasileiros (AMB), Nelson Calandra, esteve nessa semana em Cuiabá para o lançamento da campanha que defende eleições diretas no Judiciário Estadual. Na oportunidade, Calandra conversou com o MidiaJur sobre a aposentadoria compulsória de dez magistrados do Estado.
“Não é preciso decapitar juízes para repor a ordem dentro do Poder Judiciário”, destacou Calandra. Ele defendeu que os magistrados devem ser condenados a ressarcir o erário, mas continuar nos cargos. Para ele, o episódio foi um “exagero de punição”.
“Se repõe e corrige o que tem de corrigir e se não há outra falta a eles imputadas, então não tem o porquê aposentá-los compulsoriamente”, destacou Calandra, enfatizando ainda que nesse caso, o Supremo ainda deverá decidir o mérito e dar a última palavra. Entretanto, para ele, a pena deve ser trabalhar e “não ficar em casa sem fazer nada”.
Nelson Calandra também abordou temas como o relacionamento da AMB com o Conselho Nacional de Justiça, a importância de juízes de primeiro grau na participação da escolha dos dirigentes do Judiciário e a segurança para magistrados exercerem a atividade jurisdicional.
Confira a íntegra da entrevista:
MidiaJur – Foi lançada no dia 22 a campanha Eleições Diretas no Judiciário Brasileiro, qual a importância de se alterar a forma de escolher o representante do Judiciário Estadual?
Nelson Calandra - Nenhum projeto seria valioso para uma categoria se ele não servisse para a população, que é a usuária do nosso trabalho. Essa democratização interna, pela eleição do presidente do Tribunal por todos os juízes, ela passa por um processo de conhecimento por parte do candidato da realidade do estado. Isso implica que a pessoa que for candidata terá que percorrer todo o Estado e ter contato com juízes, vai conhecer a realidade e as necessidades dos integrantes do Judiciário. Acho que isso vai dar vida nova e ânimo para nós juízes brasileiros de primeiro e de segundo grau.
MidiaJur – Caso seja aprovada essa alteração, isso poderá aproximar a primeira instância da segunda?
Nelson Calandra – O juiz de primeiro grau tem de falar com o juiz de segundo grau. Nós temos um título pomposo de desembargador e isso acaba muitas vezes nos distanciando dos nossos colegas que são muitas vezes nossos companheiros de lutas e de trincheiras e que permitem que o Brasil seja um país democrático.
MidiaJur – Então isso pode quebrar a redoma de vidro em que os desembargadores são colocados?
Nelson Calandra – Com o surgimento do Conselho Nacional de Justiça de algum modo o poder mudou de mão. O CNJ com o poder correcional ele acaba tendo mais poder do que o próprio tribunal. Então, no fundo o juiz de primeiro grau e de segundo grau são todos protagonistas da mesma história. E a separação já ficou muito menor a partir da criação do conselho e ela deverá se tornar menor ainda a partir do momento que nós democraticamente tenhamos que expor aos nossos colegas de primeiro o nosso plano de voo. Qual de nós entraria em um avião que o comandante não tivesse um plano de voo?
MidiaJur – Agora com relação a proposta que tramita no Congresso Nacional e que versa sobre a alteração do tempo de permanência de um ministro do Supremo Tribunal Federal, fixando o prazo máximo de sete anos, o senhor é contra ou favorável ao projeto?
Nelson Calandra – Eu já ouvi opiniões várias sobre o tema, inclusive do ministro Lewandoski que é favorável. Agora o tempo de permanência de um ministro no Supremo está ligado a um grande princípio que a magistratura brasileira abraçou que é o da vitaliciedade. E por esse princípio, nós devemos trabalhar até que a idade seja completada ou até que a vida nossa seja retirada. Então enquanto a nossa vida não é retirada pelo juiz dos juízes, nós temos que trabalhar até os 70 anos e vários países que eu conheço ficam invejosos do Brasil, por não politizar a permanência do magistrado. Esse tema terá um grande debate, mas eu pessoalmente , por tudo que já vi, acho que a vitaliciedade e a permanência do magistrado na carreira devem existir enquanto ele tiver saúde e idade.
MidiaJur – Nessa última semana, a AMB se deparou novamente com denúncia de ameaças feitas contra magistrados. Isso preocupa o senhor enquanto representante da categoria e pode atrapalhar no ato de julgar de um juiz? Os magistrados estão seguros para o exercício da profissão?
Nelson Calandra – Lamentavelmente para nós, vivemos um clima em que não há uma política de segurança para a magistratura. No nosso levantamento são 400 magistrados ameaçados, no levantamento do CNJ são 150. Desses ameaçados quatro foram assassinados, então é um clima aonde se banaliza a vida daquele que reúne consigo a obrigação e a prerrogativa de julgar ao seu semelhante, com um Código Penal totalmente desatualizado. Pedimos Congresso, em razão do assassinato da nossa colega Patrícia Acioli, que houvesse uma revisão e uma política de segurança para proteção de autoridades ameaçadas. O reflexo disso foi a instituição de uma comissão nomeada para rever o Código Penal, porque nós juízes temos desafios do século 21 e ferramentas do século 20. E o nosso código tem 70 anos e está desatualizado, uma ferramenta inadequada para que possamos combater organizações criminosas que por exemplo tirou a vida da Patrícia Acioli. A pena que deverá ser aplicada é a mesma de quem rouba um cavalo e isso não pode prosseguir. De outro lado tem o crime de ameaça, que ocorreu agora com o nosso colega Paulo Augusto de Goiânia. A pena por ameaça é de um a seis meses de detenção. É uma pena banal para um crime de tal gravidade, principalmente quando se trata de uma autoridade ameaçada. E o Paulo Augusto além de tudo, depois de 16 meses de trabalho, trabalhando 14 horas por dia no processo Cachoeira, ele pediu afastamento porque estava sendo ameaça e ainda teve que ir a Brasília para dar explicações ao CNJ o porquê de ter pedido férias. É algo que soa no meu ver completamente desconexo. Alguém que está vitimado por uma pressão dessas, precisar ele prestar esclarecimentos a corregedora para dizer o porquê de ele estar se afastando de um processo desse, quando já deveria ter sido afastado. Agora ele vai se ausentar do país para ficar fora desse clima de ameaça.
MidiaJur –Já que o senhor tocou na questão do CNJ, como está o relacionamento da AMB com o conselho?
Nelson Calandra: Mudou completamente. O ministro Ayres Britto, no dia em que tomou posse, fez questão de frisar e esclarecer que o CNJ não é problema é solução e mais, que o CNJ é integrante do Poder Judiciário. O CNJ faz parte de um continente chamado Pode Judiciário. Então quando o CNJ age, quem age somos nós próprios. Nós ficamos incomodados na atuação até então do CNJ, porque parecia que ele era formado por pessoas de outros hemisférios. O ministro Britto colocou o pingo no i. A função correcional do CNJ o Poder Judiciário já faz, inclusive cortando da própria carne.
MidiaJur – Como a AMB vê o posicionamento do ministro Francisco Falcão indicado para ser o novo corregedor do CNJ, de que somente irá investigar magistrados depois da atuação das corregedorias estaduais ou quando elas não atuarem?
Nelson Calandra – O ministro conhece da via crucies da justiça e quando chega agora a corregedor nacional de justiça ele o faz com sensibilidade de juiz. Ele quer, por uma questão de inteligência, que as corregedorias façam o seu papel e se não fizerem, ele o fará no lugar delas. Nunca vi algo de uma clareza tão evidente como essa.
MidiaJur – Em decorrência da atuação da corregedoria do CNJ, na semana passada o Supremo aposentou 10 magistrados do Estado. Como o senhor analisa esse caso específico?
Nelson Calandra – A aposentadoria compulsória é uma pena capital para um magistrado. É como você botar um oficial general diante da tropa e arrancar dele as divisas. De sorte que é uma pena que é reservada para casos de extrema gravidade. Quando o magistrado se conduz mal no julgamento de pessoas e pelo que me consta, esses que foram aposentados o erro deles encontrasse vinculado até então por terem pagado antecipadamente algum valor que era devido a eles próprios. De sorte que para isso existe o mérito, a repressão, existe a disponibilidade, a possibilidade de ordenar para que reponha aquilo que seja pago por antecipação. Não é preciso decapitar juízes para repor a ordem dentro do Poder Judiciário. Acho que se ocorreu foi um erro financeiro, como que a gente repõe e para o povo como isso acontece? Repondo os valores e ressarcindo os cofres públicos, porque aquele dinheiro que foi pago antecipadamente pode fazer falta para outros objetivos dentro do próprio tribunal. Então se repõe e corrige o que tem que corrigir e se não há outra falta a eles imputadas então não tem o porquê aposentá-los compulsoriamente. Mas, de qualquer modo, a última palavra estará com o Supremo que ainda vai analisar o mérito. Vou me reunir com o relator do processo para pedir a ele que julgue logo o processo, porque o presidente do Tribunal Rubens de Oliveira não pode ficar com 10 vacâncias na carreira sem saber se pode tocar adiante. Mas, me parece mesmo um exagero de punição. O caminho certo não é decapitando juízes que você faz o corpo da Justiça voltar a respirar e funcionar corretamente.
MidiaJur – Então o senhor acredita que o certo seria que caso fosse comprovado mesmo o desvio que eles façam o ressarcimento dos valores e continuem na magistratura?
Nelson Calandra – A pena é trabalhar, não é ficar em casa sem fazer nada.
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