CÍNTIA BORGES
DA REDAÇÃO
O desembargador Orlando Perri, da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, votou pela absolvição sumária e pela imediata revogação da prisão preventiva decretada contra dois réus da Chacina de Colniza (1.056 km), ocorrida em abril de 2017, deixando nove mortos, no Distrito de Taquaruçu do Norte.
A decisão beneficia Pedro Ramos Nogueira, conhecido como “Doca”, e Valdelir João de Souza, o “Polaco”, este último considerado o mandante do crime e que está foragido desde aquela época.
Os dois foram pronunciados na Comarca de Colniza pelos nove homicídios e constituição de milícia privada. A setença de pronúncia é a decisão que determina a realização de um júri popular para crimes contra a vida.
A prova dos autos é exclusivamente indiciária, pois a participação do Doca nos crimes decorre do fato de a principal testemunha, Osmar Antunes, tê-lo reconhecido no dia dos crimes, em local próximo onde eles ocorreram
Após a decisão de primeira instância, os advogados recorreram ao Tribunal de Justiça.
Apesar do voto de Perri, o julgamento na 1ª Câmara Criminal ainda não foi encerrado, uma vez que o desembargador Marcos Machado pediu vista.
No recurso de sentido estrito protocolado pela defesa, os dois réus alegaram não ter praticado nenhum dos crimes.
Pedro Nogueira argumentou não existir “um único depoimento em juízo que comprove que o acusado estava presente no local do crime, muito menos que tenha ceifado a vida de quem quer que seja”.
Afirmou ainda que não existe no processo indícios suficientes de autoria e participação no crime.
“Valdelir João de Souza, por sua vez, sustenta que não foi autor nem partícipe dos fatos apurados, e que o magistrado de origem respaldou a pronúncia apenas e tão somente no combalido princípio do in dubio pro societate, mesmo tendo reconhecido e admitido a existência de questões pendentes de elucidação”, consta no voto de Perri.
A defesa afirmou no recurso que o Ministério Público lhe acusou de ser mandante baseado apenas no fato de Pedro Ramos – considerado um dos autores materiais dos crimes – ser seu empregado. “Inferindo-se, dessa circunstância, sua condição de mandante, o que (...) caracteriza a intolerável responsabilidade penal objetiva”, consta no voto.
Ainda conforme a defesa de Valdelir, a instrução criminal permitiu provar que Pedro Ramos não esteve no local do crime, “aspecto esse de suma importância, porque a imposição contra si decorre da circunstância de ser ele seu funcionário”.
“A prova dos autos é exclusivamente indiciária, pois a participação do Doca nos crimes decorre do fato de a principal testemunha, Osmar Antunes, tê-lo reconhecido no dia dos crimes, em local próximo onde eles ocorreram, junto a um grupo de homens armados, que supôs serem os “encapuzados”; e o acusado Polaco, por ser o empregador dele, a que se soma sua condição de empresário no ramo de madeiras, tendo possível interesse na área, que é coberta por árvores nobres”, escreveu o desembargador.
Segundo o magistrado, o delegado do caso não conseguiu obter nenhuma prova direta incriminatória contra “Doca” e “Polaco”. “Na realidade, esta se deixou seduzir pelas primeiras impressões do caso”.
Conforme o desembargador, neste caso específico não houve a “costumeira eficiência” nos trabalhos de investigação da Polícia Civil. "Há pelo menos quatro sobreviventes da chacina – assim informam as testemunhas –, que não foram convocadas a depor. Ademais, as provas periciais, se realizadas, até hoje não aportaram ao processo, etc".
O desembargador explica que toda a estrutura da acusação centra no depoimento colhido da testemunha Osmar Antunes, um dos assentados da Gleba Taquaruçu, que na tarde do crime, em cima de um pé de Uxi, viu passar quatro pessoas, todas portando armas calibre 12, em direção ao local onde a chacina ocorreu.
“Na ocasião, estando situado à distância de 8 a 10 metros da estrada, teria reconhecido, em meio àqueles homens, três deles: Paulo de Tal, Sula e Doca. Considerando esse fato, a autoridade policial e o Ministério Público inferiram que foram aquelas mesmas pessoas os autores do massacre que se verificou naquele dia, apontando como mandante do crime réu Valdelir João de Souza, que, além de ser empregador de Doca, é madeireiro e, supostamente, teria interesse nas madeiras existentes nas terras que os “encapuzados” pretendiam se apossar”, escreveu o desembargador.
A chacina de Colniza aconteceu em abril de 2017
Em sua conclusão, Perri afirma que o Ministério Público Estadual não se “desincumbiu” a contento do ônus probatório e não conseguiu trazer provas da participação de “Doca” e “Polaco” no crime.
“Os informantes e as testemunhas inquiridas em juízo apenas relataram o que Osmar Antunes lhes contou. A falta da inquirição deste, em juízo, descredencia que se leve em conta o depoimento prestado perante a autoridade policial e debilita os dos que apenas reproduziram aquilo que dele ouviram dizer”, escreveu Perri.
Perri afirmou ainda que, à luz da psicologia forense, o depoimento de Osmar – que foi a fonte para as testemunhas e informantes de referência ouvidas no processo – “é, para dizer o mínimo, altamente questionável quanto à autenticidade e credibilidade do relatado”.
Perri afirmou ainda que há provas do álibi do Doca no processo, que teria demonstrado ser impossível estar na cena do crime.
A chacina
O crime aconteceu no dia 19 de abril de 2017, em um assentamento em Taquaruçu do Norte, possivelmente em razão de disputa agrária. O caso ganhou repercussão internacional.
Em maio daquele ano, o Ministério Público Estadual denunciou Polaco, Doca e outros três homens acusados de terem planejado e executado a chacina.
Segundo a denúncia, a motivação do crime seria extrair madeira da área em disputa e em seguida apossá-la.
As nove vítimas foram identificadas como Izaul Brito dos Santos, de 50 anos, Ezequias Santos de Oliveira, 26 anos, Samuel Antônio da Cunha, 23 anos, Francisco Chaves da Silva, 56 anos, Aldo Aparecido Carlini, de 50 anos, Edson Alves Antunes, 32 anos, Valmir Rangeu do Nascimento, 55 anos, Fábio Rodrigues dos Santos, de 37 anos, e o pastor da Assembleia de Deus, Sebastião Ferreira de Souza, de 57 anos. Todos foram torturados e mortos.
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