AIRTON MARQUES
DA REDAÇÃO
O ex-deputado José Riva afirmou à juíza Selma Arruda, da Vara Contra o Crime Organizado da Capital, que, além dele, outros parlamentares foram beneficiados com R$ 4,2 milhões supostamente desviados da Assembleia Legislativa no ano de 2014.
O ex-parlamentar elencou os supostos pagamentos em uma planilha feita à mão, que foi anexada à ação penal derivada da Operação Ventríloquo.
Segundo o ex-parlamentar, dos R$ 4,2 milhões destinados a deputados, ele ainda precisa identificar os beneficiados de R$ 1,2 milhão. Riva alegou que, para isso, é necessário ter acesso às micorfilmagens dos cheques.

Consigo atribuir pela letra do assessor do deputado. Diante da análise das listas que estão no processo. Tive o cuidado de olhar. Identifiquei também pelas empresas que atendiam os deputados
A operação apura o desvio de R$ 9,4 milhões da Assembleia, por meio de pagamentos indevidos ao então advogado do HSBC e delator dos crimes, Joaquim Fabio Mielli Camargo.
Durante seu interrogatório, nesta quinta-feira (23), o ex-deputado afirmou que, além dele, os deputados Romoaldo Júnior (PMDB), Mauro Savi (PR), Guilherme Maluf (PSDB), Gilmar Fabris (PSD) e Luciane Bezerra (PSB) indicaram parte das contas usadas para o “retorno” do dinheiro supostamente desviado. Os deputados já identificados por Riva teriam ficado, segundo a planilha, com R$ 3.027.450.
Conforme Riva, contas de terceiros foram utilizadas para depósitos feitos por Joaquim Mielli.
Após as transações bancárias, estes terceiros, normalmente assessores parlamentares, sacavam o montante e repassavam aos deputados ou a empresas que prestaram serviços aos políticos.
De acordo com a tabela elaborada pelo ex-deputado, ele mesmo foi beneficiado com R$ 806 mil.
Os depósitos indicados por Riva acabaram sendo repassados para as empresas União Avícola (R$ 370 mil), Globo Indústria e Comércio de Alimentos (R$ 34,8 mil) e Miramed Distribuidora Farmacêutica (R$ 401 mil).
De acordo com o ex-deputado, Romoaldo Júnior, que presidia a Casa de Leis em 2014, foi beneficiado com R$ 1,1 milhão.
Os cheques teriam sido repassados para às empresas Redeshop.com (R$ 794 mil), I.H. Combustível (R$ 74 mil) e Canal Livre (R$ 241,9 mil).
Já o deputado Mauro Savi, 1º secretário na época, segundo a planilha de Riva, teria sido favorecido com R$ 916,5 mil.
Entre as contas indicadas, estão as de Eliza Nascimento (R$ 12 mil), João Carlos (R$ 6 mil) José Eurico de Carvalho (R$ 2,5 mil).
Para o deputado Gilmar Fabris, de acordo com Riva, foi destinado o total de R$ 95 mil, repassados a Ana Paula Aguiar, que trabalhou no gabinete de Fabris de 2010 a 2014.
Quanto ao atual presidente da Assembleia, Guilherme Maluf, Riva disse que o valor recebido foi de R$ 50 mil, depositados na conta de seu assessor Odenil Rodrigues de Almeida.
A ex-deputada Luciane Bezerra, de acordo com Riva, teria sido igualmente beneficiada com R$ 50 mil, repassados para a empresa L.B. Fama.
Identificação dos depósitos
Na audiência, Riva afirmou à Selma Arruda que conseguiu identificar os reais beneficiados pelos depósitos ao analisar a letra das anotações feitas nas listas entregues pelo advogado Joaquim Mielli à Justiça.
“Consigo atribuir pela letra do assessor do deputado, diante da análise das listas que estão no processo. Tive o cuidado de olhar. Identifiquei também pelas empresas que atendiam os deputados”, declarou.
No entanto, o ex-deputado disse que não conseguiu identificar o destino de apenas R$ 2,2 milhões do total que supostamente foi desviado da Assembleia Legislativa. Neste montante, estão incluídos o R$ 1,2 milhão repassados a deputados ainda não identificados.
Riva declarou que, com a liberação da microfilmagem de cerca de dez cheques, será possível esclarecer para quem os valores ainda sem identificação foram depositados e onde foram usados.
“A maioria das pessoas e empresas que aparecem na lista não tiveram negócios com ninguém envolvido no esquema. Receberam por um terceiro. Tem a Globo [Indústria e Comércio de Alimentos], por exemplo. Mas não foi ela quem foi beneficiada diretamente por Mielli”, disse.
“Ninguém mandou o dinheiro para a empresa. Foi parar lá, pois alguém pegou o cheque e usou para o pagamento de algum serviço com a Globo. Quando ele [Joaquim Mielli] emitiu o cheque, foi para outra pessoa que não a esta empresa”, explicou.
Fác-simile de parte da planilha entregue pelo ex-deputado José Riva; lista mostra detalhes dos valores supostamente desviados:
Deputados negam participação
Procurado pela reportagem, o deputado Mauro Savi negou que tenha participação no suposto esquema e que tenha sido beneficiado de alguma forma.
“Vou verificar qual é esta lista primeiro. Não tinha nenhum conhecimento. Veja a delação do advogado [Joaquim Mieli], que em momento algum citou o meu nome. Ele nem me conhece”, declarou.
“Riva está puxando gente pra dentro da investigação para sair um pouco das costas dele”, afirmou.
O deputado Gilmar Fabris, no entanto, disse que Riva afirmou à juíza Selma Arruda que ele tenha tido conhecimento da negociação e desvio de dinheiro público da Casa de Leis.
“A minha secretária [Ana Paula Aguiar], que tenho como uma filha, já tinha sido chamada pelo Gaeco. Pois tinha um cheque na conta dela de R$ 95 mil do Joaquim Mielli. Mas o Riva deixou bem claro, em seu primeiro depoimento, que eu não tinha conhecimento deste esquema. Não sabia nada de dívida com o HSBC”, afirmou.
“Este cheque foi recebido de alguém de boa fé. Assim como outras empresas que receberam estes cheques, mas sem envolvimento com a negociação”, disse.
A ex-deputada Luciane Bezerra também negou que tenha participação no suposto esquema. Ela declarou que as acusações feitas por Riva se devem a uma “rixa política”.
“Como já havia falado no primeiro depoimento dele [Riva], eu não sabia de nada dessa questão lá na Assembleia. Fiquei sabendo pela imprensa. Já me coloquei a disposição da Justiça para prestar esclarecimentos, mas, até hoje, não me chamaram”, declarou.
“Ele envolveu o meu nome pela rixa política. Essa acusação não tem cabimento. Nunca ouvi falar nesta empresa L. B. Fama”, completou.
Por meio de sua assessoria de imprensa, o deputado Romoaldo Júnior disse que ainda não pode se pronunciar sobre as acusações. O parlamentar aguarda ser notificado para prestar os devidos esclarecimentos.
O deputado Guilherme Maluf, assim como sua assessoria, também foi procurado, mas não atendeu as ligações feitas pela reportagem.
Parte do delator
Além dele e dos outros parlamentares, Riva declarou que o delator da denúncia ficou com R$ 4,4 milhões. Sendo que, deste total, R$ 342 mil teriam sido repassados ao advogado Júlio César Domingues Rodrigues, apontado como lobista da negociata.
Em seu interrogatório, o ex-deputado ressaltou que Joaquim Mielli não explicou o destino do restante dos valores repassados aos parlamentares.
Riva relembrou que, em uma reunião na Assembleia Legislativa, o advogado do HSBC foi pedir ajuda a ele, para saber como proceder com o valor que deveria ser repassado a instituição financeira, como comprovante da quitação da divida da Casa de Leis com o banco.
“Mielli não esclarece para onde foi o dinheiro, já que ele tinha o compromisso de passar 40% para o HSBC. Teoricamente, 15% eram dele. Esses outros 45% foi o que disponibilizou para atender outros interesses, de deputados”, disse.
“Ele queria que a gente ajudasse a resolver estes 45% que ele não mandou para o banco. Ele usou este dinheiro. Falei que não tinha como ajudá-lo. Foi por isso que o Júlio Cesar se desentendeu com ele. Pois ele disse que tinha R$ 700 mil para receber, mas só recebeu R$ 342 mil”, completou.
No entanto, o advogado de Joaquim Mielli, Huendel Rolim, afirmou, em novembro do ano passado, que seu cliente entregou R$ 2,2 milhões ao HSBC, assim que teve conhecimento de que o banco já havia descoberto a negociação irregular com a Assembleia.
Porém, o banco preferiu aguardar a decisão do julgamento no TJMT e depositou o valor em uma conta judicial na Caixa Econômica Federal.
“Quando se descortinou tudo isso, o banco não aceitou o pagamento dos R$ 2,2 milhões. Então o banco não deu quitação da dívida para a Assembleia”, declarou Rolim.
Confissão
A confissão de participação no susposto esquema foi realizada em interrogatório no dia 15 de abril. José Riva revelou que indicou parte das contas usadas para o “retorno” dos R$ 9,4 milhões supostamente desviados, mas garantiu que o esquema teria sido orquestrado pelo deputado Romoaldo Junior.
Ele contou à juíza Selma Arruda que só ficou sabendo do “acordo” para a concessão indevida de créditos ao então advogado do HSBC e delator do esquema,
Joaquim Fábio Mielli Camargo, após o pagamento já ter sido liberado, em 2014.
“Não pedi nenhuma porcentagem. Fui comunicado que já havia sido feito o acordo. Depois Romoaldo me comunicou que, no acordo, seriam devolvidos 45%. Falou que se eu tivesse alguma conta a pagar, eu poderia falar para ele”, afirmou.
Em lágrimas, Riva justificou que resolveu falar o que sabia em razão de “não suportar mais” carregar a carga da denúncia em suas costas.
“Não é justo que eu passe como líder de uma coisa que eu não fui", disse.
Entenda o caso
Segundo a investigação do Gaeco, a Assembleia Legislativa contratou um seguro junto ao antigo Bamerindus Companhia de Seguros na década de 90 (hoje HSBC, que o incorporou), porém, não quitou os valores devidos, o que levou à Seguradora ingressar com a ação de execução no ano de 1997.
Passados quinze anos, em meados de 2012, com a ação judicial ainda em andamento (como está até o momento), o advogado Júlio César Domingues Rodrigues, atendendo aos ditames dos demais integrantes do suposto bando criminoso, procurou Joaquim Fabio Mielli Camargo se dizendo intermediário da ALMT e se colocando à disposição para negociar referidos valores; aduzindo, em seguida, já no ano de 2013, que o Procurador-Geral daquele órgão daria parecer favorável, ocasião em que fora protocolado requerimento administrativo de pagamento do débito junto à ALMT e que deu origem ao Processo Administrativo nº 45/2013.
Segundo os promotores do Gaeco, entre os meses de fevereiro à abril de 2014, os denunciados subtraíram cerca de R$ 9,5 milhões em proveito próprio e alheio valendo-se da condição de funcionários públicos de alguns de seus membros.
“Os fatos são aterradores e vieram a lume por intermédio de declarações prestadas pelo arrependido Joaquim Fábio Mielli Camargo a este Grupo, o qual, devidamente acompanhado e assistido por seu advogado, de forma lúcida, clara e espontânea, desvelou fatos criminosos aos quais se viu enredado pelo ex-presidente daquela Casa de Leis, o então Procurador-Geral e Secretário-Geral daquela mesma instituição, bem como outros agentes, alguns ainda desconhecidos, outros portadores de foro por prerrogativa de função, os quais urdiram sofisticada forma de “surrupiar” dinheiro que não lhes pertencia, mas sim ao povo mato-grossense”, diz trecho da denúncia.
De acordo com a delação de Joaquim Mielli, em reunião realizada na Assembleia, já em janeiro de 2014, o então deputado José Geraldo Riva, mesmo afastado judicialmente da Presidência do Parlamento Estadual, na companhia do à época secretário-geral Luiz Pommot, "demonstrando ter total domínio do fato, atestou que a ALMT pagaria a Joaquin Mielli a totalidade da dívida com acréscimos (mais de R$ 9milhões), conforme cálculo apresentado por este último, porém, metade do valor teria que ser encaminhada para contas bancárias por ele indicadas".
Na denúncia, os promotores explicam que “depois de tudo acertado, o valor foi efetivamente depositado em três oportunidades distintas (nos meses de fevereiro, março e abril de 2014) na conta de Joaquim Fabio Mielli Camargo que, incontinenti, “devolveu” 50 % do valor (aproximadamente 4,5 milhões) para atender os interesses criminosos de José Geraldo Riva e seus comparsas, “pulverizando” os valores em diversas contas de pessoas físicas e jurídicas, 'lavando', assim, os capitais ilícitos”.
Fác-simile de outra parte da planilha entregue pelo ex-deputado José Riva:
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