ALEXANDRE APRÁ
DA REDAÇÃO
O jornalista Enock Cavalcanti, dono do blog Página do E, lamentou a decisão do presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, desembargador Rubens de Oliveira, de representá-lo junto ao Ministério Público Estadual (MPE) por supostos crimes contra a honra. Rubens considerou ofensivos alguns textos e ilustrações gráficas publicadas pelo jornalista.(Clique aqui para ler reportagem)
Em um texto publicado neste fim de semana, Enock classifica Rubens como anti-democrático. (Confira a íntegra da representação feita por Rubens contra Enock no link abaixo)
Para o jornalista, a postura do desembargador demonstra uma "truculência lastimável". Ele se defende, alegando que seus textos foram incisivos no sentido de cobrar uma postura do presidente do TJ em relação ao pagamentos das URVs dos servidores do Poder Judicíario.
"O que pretendi, data maxima venia, com meus textos e a irônica imagem do desembargador Rubens foi fortalecer a pressão para que ele efetivamente negociasse com os servidores. Longe de mim atingir a honra de quem quer que seja", argumentou o jornalista.
Confira o "desabafo" do jornalista Enock Cavalcanti, publicado em seu blog Página do E:
Como já se informou, o presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Rubens de Oliveira, me representou junto ao Ministério Público Estadual, alegando que, ao apresentá-lo, em algumas matérias publicadas neste blogue, ostentando um nariz de Pinóquio, e criticar suas vacilações durante as negociações com os servidores do Judiciário, eu teria avançado o sinal e cometido crime contra a sua honra. No final desta matéria, reproduzo inteiro teor da representação do desembargador Rubens, para melhor conhecimento e reflexão de todos.
No meu modesto entendimento, esta já era uma situação ultrapassada. A crítica e o Pinóquio apareceram quando Rubens de Oliveira lançava mão de artifícios para não divulgar os números da dívida da URV que o TJ e o Estado tinham para os servidores do Judiciário. O que pretendi, data maxima venia, com meus textos e a irônica imagem do desembargador Rubens foi fortalecer a pressão para que ele efetivamente negociasse com os servidores. Longe de mim atingir a honra de quem quer que seja. Pelo contrário, eu lutava para que, reassumindo a negociação com os servidores, Rubens de Oliveira se afirmasse como um homem de honra, que cumpre com seus compromissos. Pois, como já consagrou o Roberto França, prometer e não cumprir é pior do que mentir. E,naquele momento histórico que retrato em meus artigos, Rubens de Oliveira prometia uma coisa e fazia hoje, falava em negociação mas não entregava os números da URV - tanto que os servidores articulados em torno do Sinjusmat, se declararam em greve geral. Os servidores fizeram greve não por causa dos meus artigos mas por causa das atitudes do presidente do Tribunal de Justiça.
Se cometi ou não crime com a honra do desembargador, esta é uma análise que caberá, em primeira instância, ao Ministério Público e, depois, se os doutos do MP resolverem me acionar, a análise será então remetida para as diversas instâncias do Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso, onde se terá o contraditório e serei representado por um advogado. Estamos em um Estado Democrático de Direito e é assim que as coisas acontecem. Você tem a possibilidade de escrever o que bem entende, e pode ser levado a juiza se alguém julgar que você afrontar alguma determinação legal. Confesso que gosto bastante da tese, já defendida entre outros pelo presidente da OAB, Ophir Cavalcanti ( veja aqui http://oab-rj.jusbrasil.com.br/noticias/2760116/ophir-repudia-indiciamento-de-jornalista-e-defende-liberdade-de-informacao ) segundo a qual não podemos admitir qualquer cerceamento à liberdade de expressão e de informação, mas é apenas uma tese entre tantas outras. Claro que o desembargador Rubens de Oliveira tem todo direito de rebater esta e outras leituras da realidade.
Mas um aspecto que me deixa encucado é o fato de, mais uma vez, eu, Enock Cavalcanti da Silva, nascido em Nova Iguaçu, filho de Dona Zuzu e seo Manoel, estar sendo processado, como jornalista, com base do Código Penal Brasileiro. Ouso dizer que, ao lançar mão do Código Penal para propor um julgamento deste tipo, o desembargador Rubens de Oliveira não honra a história nem a tradição da Ordem dos Advogados do Brasil da qual ele já foi presidente em Mato Grosso, e da qual eu sou um humilde advogado associado.
Acontece que, desde que a Lei de Imprensa foi declarada inconstitucional, surgiu a necessidade de se eliminarem as contradições e as regras incompatíveis com os princípios e com as regras inerentes ao Estado Democrático de Direito, declarado como regime político da República no primeiro artigo da Constituição de 1998. Com esse propósito, a Ordem dos Advogados do Brasil, através do seu Conselho Federal, fiel ao seu dever histórico de contribuir para o aperfeiçoamento das instituições democráticas brasileiras constituiu, em novembro de 1990, uma comissão de jornalistas e juristas para elaborar um anteprojeto de uma nova lei de imprensa que se harmonizasse com as coordenadas da Constituição de 1988,a Constituição Cidadã.
Rubens de Oliveira, se ainda guarda zelo pela história da OAB, deve recordar que a Comissão foi presidida e coordenada pelo ex-Ministro do STF, mestre Evandro Lins e Silva e teve as participações de João Luiz Faria Neto, Leônidas Rangel Xausa, Luis Francisco de Carvalho Filho, Manoel Alceu Ferreira e René Ariel Dotti (escolhido relator). A Exposição de Motivos e o texto do Anteprojeto foram publicados no DCN (seção II) de 14.8.1991, p. 4763 e seguintes. Um projeto que alguém como o senador Pedro Taques deveria nos esclarecer como é que está caminhando no Congresso Nacional. Mas o que quero destacar é que o que mais se combatia, naquele Anteprojeto forjado pelo Conselho Federal da OAB, era o recurso ao Código Penal e a idéia de que delitos de opinião devam ser punidos com a prisão - como preceitua o Código Penal, utilizado pelo desembargador Rubens de Oliveira, em sua tentativa de me enquadrar, no caso dos crimes de injúria, calúnia e difamação.
Recorrendo a trechos da carta aberta que René Dotti dirigiu ao ministro Marco Aurélio Mello sobre o assunto, entendo que algumas passagens da Exposição de Motivos ao disegno di legge merecem transcrição literal, em azul:
“O entendimento de que os crimes de imprensa devem ser tratados pelo Código Penal implica reduzir substancialmente o generoso e complexo universo da liberdade de informação que abrange direitos e garantias merecedores das atenções e cuidados de um diploma especial melhor adequado às peculiaridades da matéria. Por outro lado, ignoram ou fazem ignorar, os defensores de tal orientação, que os delitos contra a liberdade de imprimir e divulgar o pensamento e as idéias não são apenas aqueles cometidos através dos meios de comunicação (calúnia, injúria, difamação, violação da intimidade), mas também, aqueles dirigidos contra os meios de comunicação (destruir, inutilizar ou deteriorar maquinário, instrumentos ou aparelhos, e empastelamento de material) ou contra os administradores ou profissionais da comunicação social."
E o pranteado defensor das liberdades públicas, dos direitos e garantias individuais, mestre Evandro Lins e Silva, com a experiência modelada pelos anos de atividade jornalística, da advocacia, do Ministério Público, da Magistratura e da Política, no ofício dirigido ao então presidente da OAB, Marcello Lavenère Machado, encaminhando os textos da Exposição de Motivos e do Anteprojeto, destacou o método de trabalho e as linhas essenciais da proposta, em vermelho:
“O anteprojeto é obra de equipe e resultou de um consenso obtido após exaustivos debates entre os membros da comissão. Fixadas as linhas gerais, o relator soube captar e exprimir o pensamento geral com a sua reconhecida competência e extraordinária capacidade de trabalho. Cada membro da comissão abasteceu o relator de contribuições próprias, de acordo com a distribuição inicial das matérias. Os temas de natureza geral, a definição das infrações e a parte processual foram devidamente analisados, tendo em vista a nossa legislação anterior e o Direito Comparado.
O anteprojeto é produto de maduras reflexões, de meditadas observações e da larga experiência dos componentes do grupo integrante da comissão que o elaborou. E a sua feição inovadora acolhe e adota posição seguida pela quase unanimidade dos penalistas e criminólogos do mundo inteiro no sentido de só aplicar a prisão como pena ultima ratio, para os delinqüentes perigosos que ponham em risco a integridade de seus semelhantes. Essa tendência acaba de ser consagrada no Congresso da ONU para ‘prevenção e tratamento dos delinquentes’ realizado em Havana, em outubro do ano passado.
Seguindo essa diretriz, a primeira grande inovação do anteprojeto é a abolição da pena de prisão para os delitos de imprensa, substituída pela ‘prestação de serviços à comunidade’, pela ‘multa’ e pela ‘suspensão temporária do exercício profissional’ até trinta dias.
A segunda grande novidade é o caráter reparatório dado à multa, em favor da vítima ou de seus sucessores, devendo ser fixada na sentença e executada no próprio juízo da ação penal.
A terceira mudança substancial é a que condiciona o exercício da ação penal à exaustão do direito de resposta. Se este último for atendido plenamente, de modo completo, ter-se-á reparado a ofensa e deixará de existir razão para propositura de um pleito que, então, assumiria caráter nitidamente vindicativo. Pareceu à comissão que essa é a solução mais racional e civilizada para dar pronta satisfação ao ofendido sem as delongas de um procedimento penal, que a experiência tem mostrado ineficaz para atender a tempo aos conflitos desta natureza, que trazem uma natural carga de ansiedade pessoal.
Na parte processual, o anteprojeto retoma antiga tradição, restabelecendo o júri os (sic) delitos de imprensa. A lei que criou o júri no Brasil foi o decreto de 18 de junho e (sic) 1822, precisamente para o julgamento dos abusso (sic) de liberdade de expressão através da imprensa. No Império, as leis que se sucederam a esse decreto, todas mantiveram a instituição dos jurados como foro privativo para julgar os crimes de opinião. (...) Durante mais de 130 anos o júri julgou as infrações penais cometidas através da imprensa. O anteprojeto restabelece o júri, como instituição plena e não como escabinato, porque entenderam os seus autores que a sociedade é o juiz natural dos delitos de opinião, que devem ser julgados de consciência e não através de regras puramente técnicas. É importante a função educativa e pedagógica da participação popular no julgamento deste tipo de infração.
O anteprojeto volta ao princípio democrático de que a excepcio veritatis pode ser arguida contra qualquer pessoa e até a estende aos crimes de difamação. Nenhuma autoridade, por mais elevada que seja na hierarquia funcional pode ficar a salvo da prova de alguma acusação que lhe tenha sido feita. Rui Barbosa, citando o padre Manoel Bernardes, lembra a propósito de situação semelhante, a resposta de Canuto, rei dos Hunos, quando alguém, para beneficiar-se de regalia pessoal, alegou ser seu parente: ‘se provar que é parente d’el rey, razão é que lhe façam a forca mais alta’.
O anteprojeto retirou esse privilégio inconstitucional incrustado na atual lei de imprensa.
Os quesitos para os jurados são simplificados, cabendo ao juiz de direito proferir a setença (sic) absolutória ou condenatória. O júri dirá se o réu é culpado ou não culpado.
O anteprojeto, que ora encaminho a V. Exa, vai acompanhado de uma ‘exposição de motivos’ esclarecedora e que será útil para sua ulterior interpretação”.
Aqui termina a citação do grande mestre Evandro Lins e Silva - e volto a falar do desembargador Rubens de Oliveira que, embasado pelo Código Penal, tenta me levar às masmorras pelo crime que talvez considere hediondo de fazer reparos contra as suas atitudes como presidente da OAB. Acredito que, ao lançar mão do Código Penal para me punir, ao aventar que eu deve ser preso pelo crime de o ter criticado, o desembargador-presidente afronta as tradições democráticas e libertárias da OAB e pisoteia na sua própria memória, de profissional da advocacia que já foi presidente da Ordem em Mato Grosso e advogado que credenciado pela Ordem, através da cota do quinto constitucional, se fez desembargador em nosso Estado. Para fazer ampliar nossas conquistas democráticas - e não para restringí-las.
Esta é a observação que faço hoje. É um absurdo, imagino eu na minha santa ingenuidade, que um ex-presidente da OAB, um presidente de um Tribunal que se pretenda de Justiça, ainda acredite que só a pena da prisão seja forma justa de punir um jornalista por um pretenso crime contra a sua honra, por delito de opinião, enfim. Isso, para mim, revela uma truculência lastimável. E eu, que já tratei como Brucutu ao desembargador José Silvério, de que devo chamar o desembargador Rubens de Oliveira? Estou a fazer ironia e sei que lá pelo Tribunal de Justiça a ironia não é muito apreciada. Acho que, ameaçado agora de prisão, devo calar minha revolta e minha irreverencia. A situação é séria demais. Cadeia, em Mato Grosso, como nos revelou recentemente o Josino Guimarães, é qualquer coisa como uma antesala do Inferno - e é pra lá que o desembargador Rubens de Oliveira pretende me remeter, desde que se viu retratado com um nariz de Pinóquio. Faço esta reflexão e deixo o representação de Rubens de Oliveira, logo abaixo, para a reflexão de todos que, neste Mato Grosso tão violento e tão calorento, ainda se dispõem à reflexão.
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