VINÍCIUS LEMOS E CÍNTIA BORGES
DA REDAÇÃO
O tenente-coronel José Henrique Costa Soares revelou à Polícia Civil que chegou a gravar o áudio de uma conversa com o desembargador Orlando Perri, que conduz os inquéritos sobre grampos em Mato Grosso.
O oficial, que era escrivão do Inquérito Policial Militar (IPM) sobre esquemas de escutas clandestinas, teria sido cooptado pelo grupo que foi preso na manhã de quarta-feira (27), durante a deflagração da Operação Esdras.
Como atuava diretamente nas investigações, ele tinha proximidade e acesso ao desembargador. Por isso, segundo as investigações da Polícia Civil, teria condições, também, de gravar Perri por meio de uma câmera escondida em sua farda.
A ideia era tentar obter declarações do magistrado e tirá-las do contexto com o propósito de alegar a sua suspeição em relação às investigações.
“Eles acoplaram um equipamento de espionagem em uma farda de um policial militar para que ele conseguisse captar imagens do desembargador, ainda que soltas, ou posteriormente fragmentadas do texto. E ele iria editar e apresentar uma denuncia falando de uma suposta ilegalidade por parte do desembargador”.
“Quando acoplaram, logo o denunciante [Soares] resolveu desistir”, afirmou a delegada Ana Cristina Feldner. “Ele não devolveu o equipamento [ao grupo], o equipamento está com a gente”, acrescentou.
"Atitudes como essa são mais que criminosas, são desprovidas de qualquer ética e moral”, classificou delegada
Feldner classificou o plano como "audacioso" e sem limites éticos e morais. Segundo ela, o grupo agiu com ousadia.
“Em um primeiro momento, ele [o Ten. Cel. Soares] havia sido cooptado para passar informações privilegiadas, para tentar retardar os atos das investigações. Em um segundo momento, a audácia foi crescendo, e se chegou a esse plano de colocar esse equipamento de espionagem. E ao chegar nesse momento, quando ele percebeu a gravidade disso tudo – de se fazer uma denuncia falsa contra o desembargador [Perri], ele percebeu que não estava certo", relatou Ana Cristina.
Conforme as investigações, o policial militar procurou a delegada Feldner para revelar o plano e prestou depoimentos nos dias 16, 18 e 22 deste mês.
“O tenente-coronel não chegou a fazer [as imagens]. Ele foi cooptado, coagido e teve, inclusive, ameaça de vida contra ele, contra a familiares. Porque ele era uma pessoa que tinha acesso às informações”, explicou Ana Cristina.
Ela asseverou que a postura adotada pelo suposto grupo criminoso representa um atentado à democracia e afirmou que o caso precisa de respostas.
“Isso é muito sério. É um atentado contra a Justiça, algo inaceitável, realmente. Uma investigação tem que ser conduzida de forma imparcial. A sociedade tem que saber o que aconteceu. É um direito da sociedade e um dever do Estado, de investigar. Atitudes como essa são mais que criminosas, são desprovidas de qualquer ética e moral”.
Ainda de acordo com Feldner, outras pessoas estão envolvidas no caso. Ela declarou que outras conduções e prisões podem ocorrer.
“Ainda que sejam pessoas que não participam ativamente da organização criminosa, mas que sejam simpatizantes e amigos de quem participa e que, de alguma forma, tentar colaborar ou ajudar com a ação e dificultando a investigação. Se for o caso, não hesitaremos em pedir novas preventivas”
A gravação de áudio
De acordo com o tenente-coronel José Henrique Costa Soares, a mulher de Lesco, Hellen Chrtisty - presa na manhã desta quarta-feira - teria sido a responsável por solicitar que ele fizesse as imagens e a gravação em áudio do desembargador.
Ele justificou que foi coagido por Helen, que teria ameaçado divulgar um vídeo no qual o tenente-coronel aparece utilizando entorpecentes, caso Soares não fizesse as gravações.
"Conhecendo seu calcanhar de Aquiles, tornou-se presa fácil do grupo, tanto que acreditou na provável invencionice de a Secretaria de Segurança Pública ter 'posse de interceptações e vídeos que revelavam sua dependência química'", frisou Perri em sua decisão.
Passados alguns dias desse encontro com Helen, o militar disse que o coronel Jorge Catarino - responsável por conduzir o inquérito militar sobre os grampos clandestinos - o convidou para participar de uma reunião com o desembargador Orlando Perri.
“Tratou-se de uma reunião de trabalho, para o depoente ser apresentado para o desembargador Orlando Perri. Que, então, aproveitou a oportunidade para gravar a reunião em áudio"
O encontro teria sido totalmente gravado pelo tenente-coronel Soares.
"O depoente não tinha conhecimento dessa reunião previamente. Que o CEL Catarino o convidou e foram para essa reunião. Que então o depoente gravou em seu celular toda a reunião, na qual estavam presentes, além do depoente, o coronel Catarino, o desembargador Orlando Perri, a delegada Ana Cristina Feldner e o assessor do desembargador”.
“Tratou-se de uma reunião de trabalho, para o depoente ser apresentado para o desembargador Orlando Perri. Que, então, aproveitou a oportunidade para gravar a reunião em áudio, atendendo às exigências que lhe foram feitas. Foram 2hs de gravação em seu celular”, acrescentou o militar, durante depoimento à Polícia Civil.
Depois de gravar toda a reunião, Soares disse que se encontrou pela segunda vez com a esposa de Lesco, que continuava preso, na residência dela. Eles teriam se encontrado em um posto de combustível da Capital, onde o tenente-coronel deixou seu veículo e depois seguiram para a casa de Helen, por meio do automóvel da mulher.
“Na residência de Helen, Soares entregou, via bluetooth, todo o conteúdo da reunião para o celular do advogado do coronel Lesco, doutor Marciano. Nessa gravação havia a informação de que o desembargador Orlando Perri manifestou que estava pensando em soltar Lesco e o coronel Barros. Então Helen agradecia ao depoente e o incentivada dizendo: ‘isso aí! Assim vai dar tudo certo! O Lesco vai ficar contente’. Neste contexto ficava entendido que nada aconteceria contra o depoente, porque as informações que o desabonavam continuariam sendo guardadas”, narrou trecho do depoimento do tenente-coronel.
De acordo com Perri, tais trechos do depoimento de Soares revelam, de modo direto e incisivo, a participação da esposa do coronel Lesco, Hellen Christy e do advogado do ex-secretário-chefe da Casa Militar, Marciano Xavier Neves, no grupo criminoso que atuou diretamente ou indiretamente nas escutas ilegais no Estado.
Gravação audiovisual
Depois da gravação de áudio, o tenente-coronel disse que Lesco e a esposa o orientaram a fazer gravações audiovisuais do desembargador Orlando Perri.
"Lesco e a esposa diziam claramente que queria que o depoente gravasse qualquer parte de uma conversa, que pudesse comprometer o desembargador. Diziam que Perri estava atrapalhando o grupo. Eles insistiam que queria desacreditar a pessoa do desembargador, que queria qualquer tipo de expressão que eventualmente Perri falasse", revelou durante depoimento à Polícia Civil.
Segundo Soares, o grupo deixava claro que queria a suspeição de Perri e a intenção deles era utilizar qualquer frase ou palavra para solicitar o afastamento do desembargador.
Diziam que apenas o áudio gravado pelo depoente não era suficiente. Então o sargento Soler ensinou o depoente a manusear o equipamento"
"O depoente acredita que essas reuniões que tiveram foram gravadas por eles. Acredita que eles sejam capazes de utilizar trechos, partes fragmentadas, dessas conversas para utilizar em seu favor", disse.
Em uma das reuniões que teve na casa de Lesco, o sargento João Ricardo Soler – que também foi preso na manhã desta quarta-feira – teria ensinado surgido com um equipamento em mãos para fazer gravações audiovisuais do desembargador Orlando Perri.
Soler teria ensinado o tenente-coronel a utilizar o aparelho, que deveria ser colocado em sua farda, pois precisava de imagens do desembargador.
"Diziam que apenas o áudio gravado pelo depoente não era suficiente. Então o sargento Soler ensinou o depoente a manusear o equipamento. Depois, combinaram do depoente levar suas fardas para que Soler verificasse qual das duas seria melhor para instalar o equipamento. Após esse encontro na casa de Lesco, o depoente passou em sua residência e levou suas duas fardar para Soler”.
“Soler estava em um veículo Corola e levou as fardas para sua residência para verificar e instalar o equipamento que capta áudio e imagem. Depois de umas 48hs o coronel Lesco manda mensagem via WhatsApp da Helen dizendo que ‘o peixe está pronto’. Esse código foi para avisar que a farda com o equipamento estava pronta. Isso ocorreu em 12 de setembro”.
A gravação em audiovisual, porém, nunca ocorreu. Conforme o depoimento de Soares à Polícia Civil, depois que acoplou os equipamentos na farda, ele não teve mais nenhum encontro com o desembargador.
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