LUCAS RODRIGUES
DA REDAÇÃO
O Pleno do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT) determinou o arquivamento da sindicância instaurada contra o juiz Jean Louis Maia Dias, que atua na comarca de Itiquira (353 km de Cuiabá), suspeito de desvio funcional.
A decisão foi tomada na tarde desta quinta-feira (21).
Jean Louis respondia à sindicância por ter mandado prender preventivamente, em 2014, um homem acusado de furtos no município de Ribeirão Cascalheira.
A possível infração do magistrado estaria no fato de o alvo do mandado de prisão, chamado Joel Alves, ter furtado a residência do juiz pouco tempo antes. Logo, de acordo com a legislação, o juiz estaria impedido de decidir este caso, uma vez que também foi vítima do suspeito.
Apesar de 13 desembargadores terem votado pela abertura do Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) – contra 11 pelo arquivamento -, a sindicância acabou sendo arquivada por falta do quórum mínimo.
Isso porque para a abertura do procedimento, seria necessária a maioria absoluta de votos dos membros do TJ-MT, ou seja, pelo menos 15 votos.
Votaram pela abertura de procedimento administrativo disciplinar (PAD) contra o magistrado: a corregedora-geral de Justiça Maria Erotides (relatora) e os desembargadores Luiz Carlos da Costa, João Ferreira, Paulo da Cunha, Rondon Bassil Dower Filho, Maria Aparecida Ribeiro, José Zuquim, Nilza Maria Pôssas de Carvalho, Guiomar Teodoro Borges, Serly Marcondes, Marcio Vidal, Orlando Perri e Rui Ramos.
Já o arquivamento foi pedido pelos desembargadores: Marcos Machado, Pedro Sakamoto, Alberto Ferreira, Antonia Siqueira, Pedro Sakamoto, Juvenal Pereira, Sebastião Moraes, Clarice Claudino, Gilberto Giraldelli, Carlos Alberto Alves da Rocha e Rubens de Oliveira.
Reviravoltas no julgamento
Na primeira sessão do julgamento, em junho, o advogado do juiz, José Fábio Marques Dias Júnior, relatou que não houve má-fé na atuação do juiz Jean Louis ao decretar a prisão do suspeito Joel Alves.
“Tanto é que na decisão ele não se esconde, ele consigna que é a vítima. O equívoco dele foi não se declarar impedido. Se houvesse má-fé, ele omitiria a condição dele de vítima”, disse.
Conforme o advogado, a conversão da prisão em flagrante para prisão preventiva foi decretada pelo juiz visando o interesse público dos cidadãos daquele município.
“O Joel tinha total desprezo pela Justiça. O indivíduo estava aterrorizando a cidade. Havia 45 procedimentos criminais contra ele. E o juiz substituto estava a 100 km de lá”, alegou.
José Fábio Marques ainda disse que a decisão do juiz não teve relação com o fato de a residência que o magistrado dividia com o delegado da cidade ter sido furtada dias antes.
“O juiz não teria interesse em prejudicar o Joel pelo furto de uma bermuda e de uma toalha”, completou.
Sem consenso
Já a corregedora Maria Erotides discordou da tese de que Jean Louis decretou a prisão para resguardar a ordem pública.
“A lei é clara em dizer que o juiz não pode decidir em casos em que for parte ou interessado no feito. Apesar dos delitos, o juiz substituto poderia decidir da mesma forma. Não haveria urgência a justificar uma decisão ilegal. A atitude transcende uma mera irregularidade”, relatou.

Corregedora Maria Erotides: "o tribunal não pode relevar condutas desidiosas e passar a mão na cabeça"
Para Erotides, a atitude do juiz demonstrou que a prisão preventiva decretada contra Joel Alves “ocorreu justamente por conta do furto em sua residência, com nítido cunho pessoal”.
“Consequentemente, torna-se óbvio que o sindicado estava totalmente impedido de atuar no processo. A conduta destoa do padrão ético esperado de um magistrado, ainda mais quando versam sobre o direito à liberdade. Ele agiu de forma consciente. E o tribunal não pode relevar condutas desidiosas e passar a mão na cabeça”, disse.
O desembargador Luiz Carlos da Costa também questionou a conduta do juiz e criticou o fato de o magistrado e o delegado terem morado na mesma casa, uma vez que a comarca era de 1ª Entrância.
“O juiz nesse tipo de localidade não pode morar na mesma residência que o delegado ou o promotor. Quem irá reclamar ao juiz contra o delegado?”, perguntou.
Por outro lado, o desembargador Alberto Ferreira chegou a dizer que o juiz Jean Louis não tinha outra opção a não ser decretar a prisão do suspeito, mesmo estando impedido, em razão da ordem pública.
“A prisão poderia ser dado até por juízo incompetente. Não restava ao magistrado outra alternativa senão converter o flagrante em preventiva, porque senão fizesse o descrédito seria voltado ao Judiciário. Tanto que o suspeito voltou a delinquir e foi preso novamente”, afirmou.
A desembargadora Antonia Siqueira Gonçalves Rodrigues também ressaltou que, na época, o juiz tinha apenas 11 meses de carreira.
“A instauração da sindicância já serviu de alerta, já trouxe a ele todo o sofrimento e reflexão para não cometer o ato novamente”, disse.
Na segunda sessão de julgamento, desembargador Rondon Bassil, que havia pedido vistas, votou por acompanhar a corregedora pela instauração do procedimento.
“Entendo pela necessidade de instaurar o PAD para apurar se o magistrado agiu com displicência. Ao menos aparentemente, não soa republicano que um magistrado valha-se de seu poder, para, por meio de uma espécie de vingança institucionalizada, prender seu algoz”, disse Rondon.

Quem nunca cometeu um deslize quando estava começando que atire a primeira pedra
Já o desembargador Juvenal Pereira afirmou que não era o caso de se instaurar um PAD, pois o magistrado cometeu os atos quando estava no início de carreira.
“Quem nunca cometeu um deslize quando estava começando que atire a primeira pedra”, afirmou.
Arquivamento
Na sessão desta quinta-feira o caso foi decidido. O desembargador Gilberto Giraldelli acompanhou o entendimento de que não houve má-fé e que o juiz não teve qualquer vantagem ao determinar a prisão.
“Foi mais pela sua pouca experiência. Não vislumbrei intenção de prejudicar o réu. Se o juiz tivesse tomado a atitude correta, que seria a remessa a outro juiz, o réu possivelmente permaneceria preso, pois seria homologado o flagrante. Mas agindo como agiu, acabou por provocar a soltura do réu, pois o habeas corpus foi deferido em razão da nulidade crassa da decisão. Da forma como ele agiu, talvez por inexperiência, acabou beneficiando aquele que o vitimou”, disse.
Por outro lado, o desembargador Orlando Perri pediu a abertura do PAD, uma vez que documentos obtidos junto à Comissão de Segurança do TJ-MT dariam conta de que o juiz teria atuado até mesmo em outros processos envolvendo o mesmo réu.
Como não houve quórum mínimo para a abertura do PAD, a sindicância foi arquivada.
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