THAIZA ASSUNÇÃO
DA REDAÇÃO
O desembargador Luiz Ferreira da Silva, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), determinou a soltura da indígena Kutsamin Kamayuram, de 60 anos, acusada de enterrar viva a própria bisneta recém-nascida, Analu Paluni Kamayura Trumai, em 5 de junho deste ano.
A decisão é da última quarta-feira (1º).
O crime ocorreu na residência da acusada, em Canarana (a 838 km de Cuiabá), logo após ela auxiliar no parto da neta Maialla Paluni Kamayura Trumai, de 15 anos.
Segundo a denúncia oferecida pelo Ministério Público Estadual (MPE), após cortar o cordão umbilical, a bisavó enrolou a vítima em um pano e a enterrou no quintal, numa cova de aproximadamente 50 cm de profundidade. Kutsamin Kamayuram foi denunciada por tentativa de homicídio duplamente qualificado.
No pedido de habeas corpus, os procuradores federais Rogério Vieira Rodrigues e Wesley Lavoisier de Barros Nascimento alegaram que a 1ª Vara Criminal de Canarana não é competente para conduzir a ação penal, por se tratar de direito indígena, competência da Justiça Federal.
[...] a Funai se comprometeu apresentá-la ao juízo sempre que necessário, motivo pelo qual não se justifica a manutenção da custódia processual em referência
Além do pedido de soltura de Kutsamin Kamayuram, os procuradores também solicitaram a anulação de todos os atos praticados pela 1ª Vara Criminal de Canarana.
“Forte nas razões acima consignadas, preliminarmente requerem o reconhecimento da competência da Justiça Federal, com a anulação de todos os atos praticados no processo em referência, cassando a ordem de prisão da paciente, vez que decretada por autoridade judicial absolutamente incompetente, determinando-se a expedição do alvará de soltura em favor dela", diz trecho do pedido.
Os procuradores ainda solicitaram o trancamento do procedimento investigatório, bem como a revogação da prisão preventiva.
"No mérito, [requer] a convolação da medida de urgência, porventura deferida, em definitiva, ou, em última hipótese, a concessão de medidas cautelares alternativas previstas no art. 319 do Código de Processo Penal”, alegaram, no pedido.
"Constrangimento permanente"
De acordo com o desembargador, o decreto de prisão ainda afirmava que "a indiciada trata-se de indígena, e acaso solta poderia acarretar conflitos envolvendo indígenas e a sociedade, uma vez que aquela confessou a pratica delituosa. Bem como, para preservar a própria integridade física da indiciada”.
“Não se pode olvidar que a paciente é primária, possui residência fixa e, para dar maior segurança ao devido processo legal, a Funai se comprometeu apresentá-la ao juízo sempre que necessário, motivo pelo qual não se justifica a manutenção da custódia processual em referência, sobretudo porque não restou demonstrado o periculum libertatis, requisito essencial à manutenção da medida constritiva de liberdade”, disse o desembargador.
Reprodução
Bebê passou mais de um mês internada na Santa Casa de Cuiabá
O desembargador Luiz Ferreira da Silva afirmou, ainda, que por conta da exposição midiática do fato, a indígena tem sofrido "constrangimentos permanentes", isso porque, no local da sua prisão (Coordenação Técnica Local de Gaúcha do Norte I), há constante trânsito de pessoas, como fornecedores, indígenas e prestadores de serviços.
O magistrado afirmou que existem, também, suas especificidades culturais que tornam o convívio social fora da sua tribo mais difícil, sendo, inclusive, bastante complexa a compreensão da sua prisão.
“Por outro lado, não se pode fechar os olhos, à gravidade do delito de tentativa de homicídio, em tese, praticada pela paciente, ressaindo, pois, clarividente a necessidade de imposição à sua pessoa de medidas cautelares por este relator, nos termos do art. 282, § 2º, do Código de Processo Penal. Desse modo, não obstante deva ser reconhecido que ela faz jus à liberdade provisória, esse benefício, deve estar condicionado ao adimplemento e fiel cumprimento de medidas alternativas ao cárcere que lhe serão aplicadas pelo Juízo de primeiro grau”, decidiu.
O caso
Segundo a investigação, a mãe da criança, de 15 anos, deu à luz no dia 5 de junho. O bebê foi enterrado no terreno da residência da família.
No local, a bisavó da garota confirmou o ato, dizendo que a criança teria nascido morta por ser prematura. Ela alegou que não comunicou a ninguém por se tratar de um costume da etnia.
Uma enfermeira da Casa de Saúde do Índio (Casai), ao assumir o expediente, soube do caso e avisou a polícia e o chefe da unidade.
Em decorrência do tempo, o local foi isolado pela equipe policial para o trabalho da perícia técnica. Mas, ao escavarem, os policiais ouviram o choro do bebê.
No decorrer das investigações da Polícia Civil, foram colhidos depoimentos que apontaram que a família não aceitava a gravidez pelo fato de a adolescente ser mãe solteira.
A menina indígena passou 36 dias internada na Santa Casa de Misericórdia de Cuiabá, antes de receber alta.
Ela chegou a passar por uma intervenção cirúrgica em razão de uma hemorragia digestiva e do mau funcionamento dos rins. Ela também apresentou quadro de infecção generalizada, distúrbio de coagulação e também uma hemorragia digestiva.
No dia 11 de julho, a bebê foi encaminhada a um abrigo de crianças em Canarana.
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