LUCAS RODRIGUES
DA REDAÇÃO
O Pleno do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT) determinou, de forma unânime, a abertura de procedimento administrativo disciplinar (PAD) contra o juiz Flávio Miraglia, diretor da Vara de Falência e Recuperação Judicial de Cuiabá.
A decisão foi proferida na tarde desta quinta-feira (12). O julgamento iniciou no final de abril, mas havia sido adiado em razão do pedido de vistas do desembargador Dirceu dos Santos.
No entanto, a maioria entendeu por não afastar o magistrado do cargo, mas remanejá-lo para outra vara enquanto perdurarem as investigações.
O juiz responde a procedimento preliminar sob a suspeita de ter cometido dezenas de desvios funcionais decorrentes de irregularidades na condução de processos sob sua responsabilidade e na própria gestão da vara.
As suspeitas surgiram após relatório elaborado na fiscalização extraordinária ocorrida na unidade, no ano passado.
Entre as supostas irregularidades estão: atrasos na expedição de milhares de cartas precatórias; homologação da inserção de créditos fictícios superiores a R$ 50 milhões em favor de credores; arrendamento de bens sem oitiva de credores; venda de bens de empresa em recuperação a preço vil; demora em decretar falência; nomeação irregular de administradores judiciais; expedição de alvarás irregulares em favor de síndico de empresa; contratação de escritório sem publicidade ou critério; autorização de pagamentos de R$ 47 milhões a escritórios, a título de honorários, sem qualquer prestação de serviço; dentre outras.
As irregularidades mais graves, segundo a corregedora geral de Justiça e relatora do caso, desembargadora Maria Erotides, teriam sido cometidas na condução dos processos de falência da empresa Cotton King e da Olvepar.
Além da abertura do PAD, os desembargadores votaram pela remessa das investigações ao procurador-geral de Justiça, Paulo Prado, à Polícia Federal, ao Conselho Nacional de Justiça e à Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso (OAB-MT).
Sem afastamento
O desembargador Dirceu dos Santos, na retomada do julgamento, votou por instaurar o PAD, mas se posicionou de forma contrária a afastar o juiz do caro.
“O afastamento deve ser decretado quando há indícios de que o investigado possa atrapalhar as investigações, coagir testemunhas, o que não é o caso”, disse ele.
Para ele, apesar de os fatos apurados serem graves, por si só não são requisitos para o afastamento.
Também votou pelo PAD, mas sem o afastamento, o desembargador Carlos Alberto Alves da Rocha. Ele destacou que o Judiciário não pode abrir mão de um juiz, a não ser em casos excepcionais.
“A magistratura não pode ficar sem um magistrado. Se a apuração é na vara de Falência e Recuperação Judicial, que o mantenha afastado de lá”, votou.
Defesa culpa o Judiciário
Na sessão passada, advogado Saulo Rondon Gahyva, que faz a defesa do juiz Flávio Miraglia, afirmou que as possíveis irregularidades atribuídas ao magistrado
Desembargador Dirceu dos Santos: "O afastamento deve ser decretado quando há indícios de que o investigado possa atrapalhar as investigações, coagir testemunhas, o que não é o caso"
são, na verdade, problemas estruturais do Poder Judiciário.
Segundo ele, o atraso na expedição de cerca de 10 mil cartas precatórias se deu em razão da incapacidade da gestora da vara e da falta de servidores.
“Entre setembro e outubro de 2015, foram distribuídas três mil cartas precatórias, média de 43 por dia. Na 1ª vara apenas uma servidora faz isso, e a média diária por servidor é 28. Isso vai acumulando. Sem considerar os processos que diariamente lá aportam”, disse.
Gahyva também pontuou que várias das irregularidades do relatório são relativas a fatos anteriores a 2013, ano em Miraglia começou a atuar na Vara de Falência e Recuperação Judicial.
A defesa sustentou que Miraglia tem feito sugestões administrativas para corrigir os problemas e o próprio relatório teria admitido que o juiz tomou providências ao verificar as impropriedades.
“No caso da empresa Cotton King, o relatório relatou que ele atuou de forma diligente a esclarecer os fatos que foram apontados”, disse o advogado.
Quanto a nomeação de advogados supostamente sem qualquer critério e por questões pessoais, Gahyva reforçou que o magistrado seguiu a lei e só nomeou profissionais gabaritados e sem qualquer mácula judicial.
“Essa questão de nomeações é um problema nacional. Poderia o Tribunal Pleno dar critérios objetivos para a nomeação. O Dr. Flávio atuava no sentido de nomear pessoas com reputação ilibada”, defendeu.
O valor dos honorários autorizados judicialmente também foi considerado regular pelo advogado.
“Eram processos de alta complexidade e que exigiam tempo, dedicação e especialização na matéria”.
A correição diz que não existiam títulos de créditos ou qualquer prova de negócio que deu origem a tal valor
“Fatos gravíssimos"
Em seu voto, a desembargadora Maria Erotides disse que a investigação descortinou “fatos gravíssimos e condutas antiéticas” supostamente praticadas por Flávio Miraglia.
Ela destacou que, no âmbito do processo de falência da empresa Cotton King, o juiz autorizou a inserção de crédito de R$ 50 milhões à empresa Interfactoring, “que, pasmem, tem como sócio o advogado da Cotton King”.
Segundo Maria Erotides, havia qualquer documento na ação que provasse que a Interfactoring possuísse tal crédito com a massa falida.
“A correição diz que não existiam títulos de créditos ou qualquer prova de negócio que deu origem a tal valor. Passa a ser considerado como duvidoso ou de nulidade absoluta. Era devidamente recomendável que se averiguasse o crédito antes de decretar a falência, podendo causar prejuízo à massa falida e aos demais credores”, disse ela.
Em relação a este mesmo fato, conforme a magistrada, a União teria denunciado ao juiz que o processo de recuperação judicial se tratava de uma “simulação”, que teria o objetivo de transferir os ativos a empresas ligadas a Cotton King.
Porém, a desembargadora afirmou que o juiz não tomou qualquer providência quanto à denúncia, tampouco a encaminhou aos órgãos que poderiam apurar o caso.
No caso do processo de falência da empresa Olvepar, a corregedora apontou que as unidades de armazenamento foram arrendadas a empresas sem dar qualquer publicidade aos credores.
A corregedora Maria Erotides: "Essas situações precisam ser melhor avaliadas e o afastamento é necessário para evitar atos futuros que possam prejudicar as empresas"
Outra situação considerada grave pela corregedora foram os valores dos honorários advocatícios arbitrados ao escritório nomeado para administrar a massa falida.
De 2013 a 2014, segundo a investigação, o escritório teria faturado mais de R$ 27 milhões e haveria indícios de que não teria prestado os serviços.
“Não foi apresentada prova da efetiva prestação dos serviços contratados. O juiz apenas ordenou as partes a fazer, o que aparentemente não ocorreu. O termo de acordo não prova a realização do serviço. Entendo que as justificativas também não são aptas, porque o pagamento de honorários precisa ter a adequada prestação de contas”, relatou.
“Essas situações precisam ser melhor avaliadas e o afastamento é necessário para evitar atos futuros que possam prejudicar as empresas. O afastamento vem em proveito do próprio magistrado, cujas decisões possuem névoas de irregularidade”, opinou.
Gestão “desidiosa”
Em seu voto, a desembargadora também criticou a gestão da Vara de Falência e Recuperação Judicial de Cuiabá.
Segundo Erotides, havia falta de controle de mandados distribuídos, divergência entre processos físicos e virtuais, falta de controle de prazos e falhas na tramitação de processos.
“As justificativas em relação ao baixo índice de processos em ordem (5,58%) e as demais deficiências administrativas são insuficientes para afastar, neste momento, as irregularidades. A falta de servidores não serve por só só de escusas para os fatos. Cabe ao juiz titular da vara, disciplinar e fiscalizar os processos e atividades do juízo, prezando pela adoção de todas as medidas pertinentes, especialmente a substituição da gestora tida como inapta”, disse.
A magistrada ainda destacou que Flávio Miraglia sequer realizou a correição [espécie de fiscalização] obrigatória na unidade, o que demonstra sua “falta de gestão”
“Não se adotavam regras procedimentais primárias, configurando omissão”, afirmou.
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