LUCAS RODRIGUES
DA REDAÇÃO
O Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT) manteve decisão liminar que condenou o site de buscas Google Brasil Internet Ltda a pagar multa diária por não retirar dois vídeos que acusam magistrados do Estado de corrupção, postados no site Youtube e intitulados “Venda de Sentença em Mato Grosso” e “Bandidos de Toga”.
No entanto, a 1ª Câmara Cível do TJ-MT reduziu a multa de R$ 100 mil para R$ 50 mil por cada dia em que os vídeos continuarem disponíveis para acesso.
Na decisão, o relator do caso, desembargador João Ferreira Filho, destacou que a empresa fez uma “sustentação cínica” ao alegar que não possuiria meios de fazer a retirada e impedir a nova publicação dos vídeos.
Nos vídeos em questão, o pecuarista e piscicultor Áureo Marcos Rodrigues acusa o juiz Emerson Cajango, que atua em Cuiabá, de desvio de conduta, perseguição e venda de sentença. Ele também cita o desembargador Márcio Vidal na filmagem.
Ambos os magistrados já conseguiram decisões liminares para que os vídeos fossem retirados do ar, mas as medidas não foram cumpridas. A última decisão foi proferida pelo juiz José Arimatéa, em agosto do ano passado, que atendeu pedido de Márcio Vidal.
“Tecnicamente impossível”
O Google então interpôs recurso ao TJ-MT, sob o argumento de que a decisão de José Arimatéa foi “genérica”, pois não especificou de forma clara como deveria ocorrer a remoção deste conteúdo.
A empresa alegou que não possui controle preventivo e nem influencia os conteúdos postados no YouTube, pois o site simplesmente hospeda páginas e conteúdos pessoais “sem prévio monitoramento ou censura”.
Conforme o Google, seria “tecnicamente impossível” monitorar o sistema de tal forma que estes vídeos não pudessem ser publicados e, mesmo que fosse possível, tal medida afrontaria a Constituição Federal, que não permite a censura prévia.
Outra queixa foi em relação à multa de R$ 100 mil por dia, considerada “astronômica” pela empresa.
Sustentação “cínica”
Em um longo voto, o desembargador João Ferreira Filho refutou toda a defesa do site de buscas, a começar pela tese de que a decisão não especificou que conteúdos deveriam ser removidos.
“Ora, antes de demandar, o autor/agravado suplicou ao Google que removesse os posts que lhe ofendiam gratuitamente a honra pessoal, e identificou e indicou com absoluta precisão quais eram esses
"Causa espécie a sustentação cínica de que, como o Google não dispõe de logística capaz de monitorar previamente os conteúdos postados e impedir ataques injustos à honra das pessoas, o site estaria isento de toda e qualquer responsabilidade"
João Ferreira aproveitou a oportunidade para tecer críticas à crença do Google de que o desembargador ofendido deveria “se entender exclusivamente com o ofensor, excluindo do processo o site de busca, para que ele, intocado, siga faturando livre, leve e solto”.
“Causa espécie a sustentação cínica de que, como o Google não dispõe de logística capaz de monitorar previamente os conteúdos postados e impedir ataques injustos à honra das pessoas, o site estaria isento de toda e qualquer responsabilidade”, cutucou.
O desembargador também contou um pouco da história da criação do Google e reiterou que a empresa tem o dever de criar meios para impedir que este tipo de conteúdo seja postado.
"É astronômico o que eles ganham e não se preocupam com as pessoas"
“Porque, como há notícias de que determinados conteúdos criminosos e/ou socialmente nocivos (terrorismo, pedofilia, drogas etc) são contidos por filtros dotados de alguma eficácia bloqueadora, cumpre ao agravante comprovar a impossibilidade técnica de aplicar a mesma solução para o caso presente”, votou.
Além de acompanhar o voto, a desembargadora Serly Marcondes também criticou a conduta do Google: “é astronômico o que eles ganham e não se preocupam com as pessoas”.
O desembargador Adilson Polegato teve o mesmo entendimento e a decisão contra o Google foi unânime.
A polêmica
A denúncia do pecuarista contra Emerson Cajango, que acabou “respingando” em Márcio Vidal, havia sido feita publicamente, por meio de dois vídeos hospedados no Youtube, em que Áureo Rodrigues acusa o juiz de participar de um suposto esquema de venda de sentença na Justiça Estadual.
Nos videos, Cajango é acusado de ter agido com desvio de conduta e “perseguição” contra o pecuarista, em processo julgado pelo juiz em 2006, quando atuava na comarca de Porto Esperidião e Mirassol D’Oeste.
Ainda no vídeo, também consta a filmagem de um protesto feito por Áureo Rodrigues em cima de sua camionete, na praça de Porto Esperidião.
Na manifestação, ele afirmava que teria ocorrido “venda de sentença” quando o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT) negou exceção de suspeição que ele impetrou contra Emerson Cajango, em 2007.
Outros magistrados mato-grossenses também são citados na filmagem e tachados de “criminosos”, “corruptos” e “bandidos de toga”.
O pecuarista Áureo Marcos Rodrigues, durante protesto |
Todas as acusações do pecuarista são referentes a atuação do juiz em dois processos, em que ele movia no Judiciário. Nas duas ações, o juiz negou os pedidos feitos por ele.
O primeiro processo é de 2006 e Áureo Rodrigues pleiteava indenização de seu vizinho Sylvio Fonseca, após uma represa ter rompido e ocasionado a morte de 80 mil peixes nos tanques de sua propriedade. O prejuízo seria de R$ 400 mil.
Na ação, ele também tentava impedir que o mesmo ampliasse uma represa para armazenamento de água.
O juiz negou os pedidos do pecuarista e autorizou a continuidade da obra.
Já no segundo processo, Aureo discutia a servidão de passagem de uma área dentro de sua propriedade. O magistrado teria indeferido o pedido do pecuarista.
Além disso, durante a instrução Emerson Cajango determinou inquérito policial para apurar se Aureo teria quebrado o sigilo telefônico dos peritos da ação, em uma suposta tentativa de produzir prova falsa e interferir no processo.
Contra essa atitude de Cajango, o pecuarista protocolou uma reclamação na Corregedoria Geral da Justiça – posteriormente arquivada - e impetrou exceção de suspeição contra o magistrado, com a alegação de que os julgamentos foram proferidos com “evidente parcialidade” e, ainda, que o juiz nutria “inimizade capital” contra o autor da ação.
Cajango não se declarou suspeito. O autor então recorreu ao Tribunal de Justiça e o então juiz Marcelo Souza de Barros, relator do caso, negou o pedido, em 2007.
Na decisão, Marcelo Barros entendeu que o pedido se tratava de “mero desequilíbrio” do pecuarista. Todos os magistrados da Sexta Câmara Cível, então presidida pelo desembargador Juracy Persiani, acompanharam o voto do magistrado.
A negativa foi apontada como “venda de sentença” pelo pecuarista pois, de acordo com as declarações contidas no vídeo, os magistrados que julgaram a exceção de suspeição teriam ignorado decisão da Turma Recursal que o absolveu do crime de quebra de sigilo telefônico e produção de prova falsa, o que supostamente tornaria parcial a determinação de Cajango em investigá-lo.
Leia mais sobre o assunto:
Juiz que comentou em site não é suspeito, decide TJ
Juiz manda tirar do ar vídeo sobre venda de sentença
Google deve bloquear vídeos que acusam juiz de MT
Juiz Emerson Cajango pede segredo de justiça em ação
Juiz consegue que ação siga sob sigilo processual
Quer receber notícias no seu celular? Participe do nosso grupo do WhatsApp clicando aqui .
Tem alguma denúncia para ser feita? Salve o número e entre em contato com o canal de denúncias do Midiajur pelo WhatsApp: (65) 993414107. A reportagem garante o sigilo da fonte.