LUCAS RODRIGUES
DA REDAÇÃO
A 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT) negou, de forma unânime, o habeas corpus que visava anular a ação penal derivada da Operação Sodoma, deflagrada em setembro do ano passado e que já está na 3ª fase.
A decisão foi dada na tarde desta quarta-feira (23) pelos desembargadores Alberto Ferreira, Pedro Sakamoto e Rondon Bassil Dower Filho.
O habeas corpus foi impetrado pelos advogados Valber Melo e Ulisses Rabaneda, que fazem a defesa do ex-governador Silval Barbosa (PMDB), acusado de ser o líder da alegada organização criminosa e preso desde setembro de 2015 no Centro de Custódia da Capital.
A Sodoma apura suposto esquema de corrupção e lavagem de dinheiro, que teria lucrado R$ 2,6 milhões, entre 2013 e 2014, por meio de cobrança de propina para a concessão de incentivos fiscais pelo Prodeic (Programa de Desenvolvimento Industrial e Comercial de Mato Grosso).
Os advogados Ulisses Rabaneda e Valber Melo
Os advogados alegaram que as investigações que originaram a Sodoma vieram do Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos (Cira), criado por meio do Decreto n. 28/2015/MT.
Segundo eles, o decreto é inconstitucional, pois o Cira se trataria de um “verdadeiro órgão de exceção”, cujo intuito específico é o de investigar as supostas irregularidades do governo anterior.
“No inquérito policial instaurado, há clara demonstração de que o mesmo tramitou perante o Cira, órgão de investigação inconstitucionalmente criado pelo Governador de Mato Grosso. De igual modo, as peças processuais que integram os autos de colaboração premiada de João Batista Rosa, Filinto Muller e Frederico Coutinho (DVD em anexo), estão timbradas com a inscrição do Cira e foram colhidas dentro do órgão questionado”, argumentaram os advogados.
Para a defesa, a criação do Cira só poderia ter ocorrido por meio de lei, e não por decreto assinado pelo governador Pedro Taques.
A suposta inconstitucionalidade, de acordo com a ação, estaria a promover uma ingerência indevida de um poder em outro, “visto que é o próprio governador, segundo o decreto, que presidirá as reuniões do Cira, fará planos de ações, entre outras atribuições”.
“Nesse sentido, é possível se verificar claramente o vínculo que se estabeleceu, indevidamente, via decreto, entre o chefe do poder Executivo e os membros da Policial Civil e do Ministério Público que são [ou deveriam ser], em tese, independentes”, afirmaram.
“Portanto, o esteio de toda operação é um decreto cuja inconstitucionalidade, de plano, salta aos olhos. Tal ato normativo, pretencioso sobremaneira, trata de matérias que, por mandamento constitucional, só poderiam ser cuidadas por lei, jamais por mero decreto”, diz outro trecho da ação.
O Cira apenas viabiliza a troca de informações entre os vários órgãos que compõem o comitê
Magistrados refutam defesa
Na sessão ocorrida na semana passada, o relator do habeas corpus, desembargador Alberto Ferreira, já havia se manifestado no sentido de que os tribunais superiores possuem entendimento pacífico de que esses tipos de “forças-tarefas” contra a corrupção, a exemplo do Cira, são legais e constitucionais.
“Em suma, o conteúdo normativo não desrespeita a Constituição, mas a serve, submete-se à sua supremacia. Não há como falar em crise de inconstitucionalidade ou crise de ilegalidade”, afirmou.
“Graças aos mecanismos existentes no ordenamento jurídico, pode-se investigar, por meio de forças tarefas, as organizações criminosas que desviam valores dos cofres públicos”, ressaltou.
O desembargador Pedro Sakamoto, que havia pedido vistas, chegou à mesma conclusão do relator.
“Após a devida análise, especialmente do inteiro teor do decreto que criou o Cira, não vislumbro a citada inconstitucionalidade formal. É uma verdadeira força-tarefa organizacional, que tem o intuito de implementar medidas mais efetivas nesta área de Recuperação de Ativos”, afirmou.
Segundo Sakamoto, a criação do Cira não altera as atribuições dos órgãos responsáveis por investigar e/ou denunciar este tipo de crime.
“O Cira apenas viabiliza a troca de informações entre os vários órgãos que compõem o comitê, investigando e acionando os possíveis culpados. Não se trata de alteração da atribuição dos órgãos ou modificação das regras administrativas e judiciais”, reforçou.
O magistrado também afastou a tese de que o Cira subordinaria os membros do Ministério Público e da Polícia ao governador Pedro Taques, adversário político de Silval Barbosa.
O Cira não é um órgão público, mas um método de trabalho e de organização interinstitucional
“É nítido que a criação do Cira não critou tal vínculo de subordinação. Todas as medidas foram apreciadas e autorizadas pelo juízo competente. Não se pode falar em nulidade das provas produzidas e nem em trancamento da ação penal”, opinou.
O entendimento de Sakamoto foi complementado pelo voto do desembargador Rondon Bassil
“O Cira não é um órgão público, mas um método de trabalho e de organização interinstitucional. Não se trata de cumulação de cargos, mas de cada um exercer sua função de forma conjunta, para dar maior efetividade aos objetivos desenvolvidos”, disse.
A operação
Além de Silval, foram presos na Sodoma os ex-secretários de Estado Marcel de Cursi (Fazenda) e Pedro Nadaf (Indústria, Comércio, Minas e Energia).
Também são réus na ação penal: Francisco Andrade de Lima Filho, o Chico Lima, procurador aposentado do Estado; Sílvio Cézar Corrêa Araújo, ex-chefe de gabinete de Silval Barbosa; e Karla Cecília de Oliveira Cintra, ex-secretária de Nadaf na Fecomércio.
Ao receber a denúncia, a juíza Selma Arruda a relatou que, segundo o MPE, o empresário João Batista Rosa foi obrigado a abrir mão de um crédito de R$ 2 milhões que suas empresas tinham direito, para poder incluir as mesmas no Prodeic, programa que concede benefícios fiscais.
Após, ele teve que pagar propinas mensais ao grupo comandado por Silval, Nadaf e Cursi porque, segundo ele, percebeu “que havia caído em uma armadilha ao abrir mão do crédito de ICMS, eis que tal renúncia é irretratável”.
Os pagamentos totais das propinas, conforme a denúncia, chegaram a R$ 2,5 milhões e teriam sido exigidos por Pedro Nadaf a mando de Silval Barbosa, no intuito de saldar dívidas de campanha do ex-governador.
Selma Arruda ainda destacou a participação da ex-secretária da Fecomercio, Karla Cintra, acusada de ter se prestado a receber os valores pagos a título de propina, por meio de empresa a qual era sócia, a mando de Nadaf.
Já o ex-procurador Chico Lima foi descrito pela magistrada como o integrante que tinha o papel de promover a lavagem de dinheiro, por ordem de Silval Barbosa, junto a uma empresa de factoring.
“Francisco, a mando de Silval e em comunhão de ações com os demais, teria efetuado pessoalmente as trocas dos primeiros cheques recebidos pela organização na factoring referida (FMC), no total de R$ 499,9 mil, dividida em 6 cheques de valores iguais”, narrou.
O ex-chefe de gabinete de Silval Barbosa, Silvio Araújo, também passou a ser réu em razão de supostamente ter recebido R$ 25 mil do dinheiro da propina, o que, em tese, configura lavagem de dinheiro.
Já na 2ª fase da operação, deflagrada no último dia 11, a Polícia detectou movimentações financeiras de empresas que tinham contrato com o Estado e teriam pago propina ao ex-secretário de Estado de Administração, César Zílio, também preso.
O dinheiro teria sido usado para a compra de um terreno de R$ 13 milhões.
Na 3ª fase, tiveram a prisão decretada: Silval Barbosa; o seu ex-chefe de gabinete Silvio Araújo; o ex-secretário de Estado de Administração Pedro Elias; e o ex-secretário adjunto de Administração, coronel José de Jesus Nunes Cordeiro.
A fase foi deflagrada após o depoimento do empresário Willians Paulo Mischur, da empresa Consignum, alvo da segunda fase da operação, que deu detalhes sobre o suposto esquema de propinas para membros da Secretaria de Estado de Administração durante 2011 a 2014.
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