DO CONJUR
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil vai decidir se abre processo disciplinar contra o advogado Carlos Roberto Siqueira Castro, um de seus 81 conselheiros federais e fundador do segundo maior escritório de advocacia do país. O motivo é a insistência do advogado em continuar patrocinando um bilionário processo, do qual foi destituído por suposta quebra de confiança. Por decisão do Superior Tribunal de Justiça, serão encaminhadas cópias dos autos de uma Reclamação envolvendo a expropriação do terreno do Aeroporto Galeão à OAB e ao Conselho Nacional de Justiça, questionando atuação de um desembargador do Rio de Janeiro.
É mais um capítulo da causa que virou novela, da qual participam a Cia Brazília, empresa de quem o terreno foi expropriado nos anos 1940, e a União, que expropriou o terreno e o devolveu à Aeronáutica. No dia 18 de novembro, a 1ª Seção do STJ decidiu, por unanimidade, encaminhar cópia dos autos do processo à OAB e ao CNJ "para que seja investigada a ocorrência de eventuais irregularidades" no decorrer do caso.
Foram enviados às instituições Embargos de Declaração impetrados por Siqueira Castro contra a decisão da 2ª Turma do STJ que o tirou do posto de advogado e liquidante da Cia Brazília. O relator do caso é o ministro Mauro Campbell. A decisão foi proferida na Reclamação 5.685, interposta pelo atual liquidante da empresa, o advogado Levi Ávila da Fonseca, cujo escritório, hoje, representa a companhia judicialmente. Levi Ávila era liquidante interveniente à época da contratação de Siqueira Castro e firmou a procuração dada ao escritório.
Tanto na Reclamação de Ávila quanto nos Embargos de Siqueira Castro, o Ministério Público Federal opinou em favor da Cia Brazília. A sugestão de enviar cópias dos autos à OAB e ao CNJ foi do Ministério Público Federal. Em parecer enviado ao STJ nas duas ocasiões, o subprocurador-geral da República Geraldo Brindeiro afirma que, "ante a flagrante (e dir-se-ia curiosa) evidência do desrespeito às decisões desta Corte (STJ), é recomendável que se extraiam peças dos autos para instruir ofícios a serem encaminhados para o Conselho Nacional de Justiça e à Ordem dos Advogados do Brasil para que seja investigada a ocorrência de eventuais irregularidades".
A Reclamação da Cia Brazília foi interposta por conta de uma série de fatos "inéditos" no decorrer do processo, conforme consta dos autos. Siqueira Castro assumiu a causa em 2004, quando ela foi retomada, depois de mais de 50 anos de maus resultados — o processo foi levado à Justiça carioca em 1951. A remuneração foi condicionada à vitória. Pela procuração, segundo o que foi alegado ao STJ, Siqueira Castro teria direito "à totalidade da indenização, comprometendo-se a repassar aos acionistas [da Cia Brazília] menos de 2% do valor estimado da condenação, quando e apenas se tivesse êxito".
Depois de seis anos, quando a disputa estava para ser examinada pelo STJ, o advogado foi dispensado pelos acionistas da empresa. A retirada aconteceu no ano passado. Com isso, Siqueira Castro também foi retirado do posto de liquidante. Está nos autos que "diante de inúmeros comportamentos que não condizem com o ofício da advocacia, teria havido quebra de confiança entre a Companhia Brazília e o Dr. Carlos Roberto Siqueira Castro".
Os motivos dessa "quebra de confiança" não foram expostos à reportagem da ConJur. Entretanto, consta dos autos do processo que a empresa sofreu "inúmeras ameaças da parte do ilustre advogado de que ele, com seu prestígio pessoal e valendo-se da condição de Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, iria sempre prejudicar os destinos da causa, na hipótese de seu afastamento ou de revogação do patrocínio". De acordo com as alegações feitas ao STJ, "afirmava o renomado advogado que a redação dele era primorosa e que as cláusulas de irrevogabilidade e irretratabilidade da operação engendrada faziam dele senhor e dono do processo, mormente porquanto suposto detentor de grande prestígio junto a magistrados em diversas instâncias do Poder Judiciário".
Levi Ávila e seu escritório, então, foram contratados. Ávila foi escolhido em assembleia geral o novo liquidante da empresa. Já no comando, suas primeiras ações foram afastar Siqueira Castro do caso e impetrar uma Exceção de Suspeição contra o desembargador Jorge Luiz Habib, do TJ do Rio de Janeiro. Habib, em meados de 2011, concedeu liminar em Agravo de Instrumento, para que Siqueira Castro voltasse ao caso. A decisão veio depois de o advogado já ter sido afastado pelo STJ, quando do julgamento do Recurso Especial que trata da indenização pela expropriação do terreno do Galeão. E também de já ter sido mantido fora do caso pela 44ª Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro.
Por telefone, Levi Ávila afirmou à ConJur que "a Exceção foi arguida porque a decisão [de Habib] foi extremamente teratológica". Nos autos da Reclamação ao STJ, porém, há a descrição de que Habib "se arvorou no direito de ordenar" ao STJ que volte atrás de sua própria decisão. Nos autos da Reclamação 5.685, consta que o desembargador Habib protagonizou uma "muito provavelmente inédita situação" ao desrespeitar o princípio da hierarquia entre tribunais. A liminar emitida pelo desembargador Jorge Habib, segundo a Cia Brazília, "assusta".
Ainda de acordo com os autos do processo, a relação entre Siqueira Castro e Cia Brazília já começou mal. Quando o "eminente advogado" carioca foi contratado, ele elaborou um "leonino e ilegal" documento que lhe dava direitos de representar a empresa perante a Justiça, atuar como seu liquidante (autoridade máxima de uma companhia, quando ela entra em fase de liquidação) e ainda ficar com o dinheiro devido pela expropriação.
A causa, segundo Levi Ávila, gira entre R$ 1,5 bilhão e R$ 2 bilhões — e não R$ 17 bilhões, como vinha sendo divulgado. Pela procuração, Siqueira Castro teria direito "à totalidade da indenização, comprometendo-se a repassar aos acionistas [da Cia Brazília] menos de 2% do valor estimado da condenação, quando e apenas se tivesse êxito".
Segundo as alegações de Ávila no processo, por meio desse contrato, Siqueira Castro teria subvertido as relações do processo — deixou de ser o advogado, e passou a ser o "dono" da causa. Preocupados com esse contrato, os acionistas buscaram meios de denunciar a atuação de seu advogado. Finalmente, no ano passado, já com Ávila no comando, a Cia Brazília pediu a troca de seus advogados e a consequente retirada de Siqueira Castro do posto de liquidante.
Vale-tudo
Um mês depois do afastamento, Siqueira Castro contestou novamente a decisão no STJ, com Ação Cautelar. Alegou que a procuração dava-lhe poderes irrevogáveis. O ministro Mauro Campbell, relator do Recurso Especial que trata do caso Galeão, rejeitou o pedido. Decidiu monocraticamente que não havia Recurso Especial específico sobre o assunto e, portanto, o STJ não tinha competência para julgar a cautelar.
Ao mesmo tempo, Siqueira Castro pediu, nos autos principais do processo, para ser mantido como advogado da Cia Brazília. Campbell, mais uma vez, negou. Disse que o contrato em questão pode ser revogado por qualquer uma das partes, pois está baseado na confiança. "Tem o mandante a faculdade de revogá-lo unilateralmente a qualquer tempo, a despeito da cláusula de irrevogabilidade", decidiu monocraticamente. Castro não agravou, para que a 2ª Turma se pronunciasse, e o caso transitou em julgado.
Mas o advogado não se deu por vencido. Entrou com Agravo Regimental no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, onde está sediada a empresa, para tentar reassumir a função. Lá, alegou que a decisão de tirá-lo do processo foi "de má-fé". Afirmou também que, como o contrato cedia-lhe 100% dos créditos da causa, ele seria o maior interessado em dar andamento ao processo — e não em deixar os autos dormitando em seu escritório, como alegou a empresa. Para Siqueira Castro, "são evidentes os danos que a Agravante [o escritório de Siqueira Castro] poderá sofrer", caso não pudesse voltar ao caso. O desembargador Jorge Luiz Habib concedeu a liminar.
Por conta desse episódio, Levi Ávila entrou com uma Exceção de Suspeição contra o desembargador Habib. O caso está em segredo de Justiça na Órgão Especial do TJ do Rio, sob o número 0020602-27.2011.8.19.0000. Também contra a decisão, Levi Ávila entrou com uma Reclamação, de número 5.685, no STJ, concedida pela 2ª Turma.
Os ministros da Turma decidiram, além de manter Siqueira Castro fora do caso, enviar peças do processo para apreciação da OAB. Os ministros estranham a atuação do advogado, tido como experiente e respeitado, no caso. Siqueira Castro embargou a decisão da Turma e a levou à 1ª Seção. Sem sucesso. Os ministros Mauro Campbell (relator), Benedito Gonçalves, Cesar Asfor Rocha, Teori Zavascki, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Herman Benjamin e Napoleão Nunes Maia Filho julgaram que a OAB precisa se pronunciar sobre a atuação de seu conselheiro federal. Reservadamente, ministros avaliam que o advogado passou dos limites.
Mas o caso ainda não chegou ao conhecimento do Conselho Federal da OAB, segundo seu presidente, Ophir Cavalcante. "O que posso dizer é que quando [o processo] chegar aqui, será instalado o devido processo legal para apurar o possível desvio ético na atuação do profissional", adiantou.
Procurado, o advogado e conselheiro federal da OAB Carlos Roberto Siqueira Castro não se pronunciou até o fechamento desta reportagem. Sua assessoria de imprensa, no entanto, classificou as alegações da empresa no processo de "absurdas". Disse também ser "normal" o encaminhamento de cópias de autos à OAB "sempre que há um apontamento de irregularidade".
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