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OPINIÃO Segunda-feira, 03 de Setembro de 2018, 16:41 - A | A

03 de Setembro de 2018, 16h:41 - A | A

OPINIÃO / VLADIMIR PASSOS

A depressão alcança e prejudica as carreiras jurídicas

A depressão pode ser um mal físico e daí o tratamento fica por conta de um médico e de remédios

VLADIMIR PASSOS



Há cerca de dois anos, participando de um encontro de juízes do Trabalho, tomei conhecimento de que o TRT daquela região enfrentava um sério problema com o número de magistrados com depressão. Assustei-me. Sabidamente, a classe recebe vencimentos muito superiores aos da média nacional, goza férias de 60 dias por ano e ainda tinha, naquela região, apoio do tribunal para estudar no exterior.

De lá para cá passei a prestar atenção no assunto. Fui à minha infância, à juventude e ao início da vida adulta. Não me lembrei de um só amigo depressivo. Disso vem-me a conclusão de que este é um fenômeno do século XXI.

A depressão pode ser um mal físico e daí o tratamento fica por conta de um médico e de remédios. Mas, em parte cada vez maior, ele é fruto da vida contemporânea. Essa é a hipótese aqui analisada.

A rotina da maioria das pessoas começa assistindo aos jornais da televisão. Aí começa o problema, pois eles nos abastecem das desgraças mais recentes. Mortes pela violência urbana, problemas de tratamento no SUS, desemprego, índices escolares baixos e o Brasil perdendo crédito no cenário internacional. As coisas boas que também acontecem não são noticiadas, porque não dão audiência.

Em qualquer idade ou profissão, do estagiário ao mais elevado posto do Judiciário, fazer amizades, cercar-se de pessoas positivas, procurar antigos amigos da turma de faculdade, visitar aquele professor que foi mais atencioso são medidas acertadas para evitar a depressão

Ao desfile de desgraças da TV somam-se as das redes sociais. Vídeos nos bombardeiam com a última atrocidade em Miamar e com a diáspora de venezuelanos fugindo da fome.

Em paralelo, o contato redobrado das pessoas através das redes sociais corresponde à ausência de contatos pessoais. Não há tempo para conversas descompromissadas, onde se trocam experiências, temores e se solidariza com as adversidades alheias. O almoço em família foi substituído por um sanduíche devorado à frente da TV. Para agravar, o Facebook exibe relatos de vitórias pessoais, levando o leitor a crer que é o único que não alcança o sucesso e não está aproveitando a vida.

Além disso tudo, há as dificuldades normais da existência, como a morte de familiares, as dificuldades de emprego, a reprovação em concurso público, problemas de saúde e decepções amorosas. E assim a pessoa se sente impotente para enfrentar os obstáculos da existência, abandona os amigos, isola-se, dorme em excesso, não sente prazer em nada e, por vezes, não deixa que lhe auxiliem.

O quadro é grave. Segundo estudos da Organização Mundial da Saúde (OMS) referentes ao ano de 2015, “a depressão afeta 322 milhões de pessoas no mundo”1. E quebrando o consenso de que somos um povo feliz, a mesma enquete revela que, “no caso do Brasil, a OMS estima que 5,8% da população nacional seja afetada pela depressão. A taxa média supera a de Cuba, com 5,5%, a do Paraguai, com 5,2%, além de Chile e Uruguai, com 5%”2.

Se esse é o quadro da população em geral, ele não é diferente nas carreiras jurídicas. Muitos estudantes de Direito afastam-se de tudo, assustados com a ausência de líderes, corrupção e por não verem perspectivas de um futuro profissional de plena realização pessoal.

Advogados jovens ficam desapontados ao saber que, depois de anos de estudo, o mercado lhes oferece um salário de R$ 1,4 mil. Advogados antigos perdem a clientela em razão da grande quantidade de novos inscritos na OAB e das dificuldades de adaptar-se aos desafios da tecnologia.

Policiais afastados por problemas psicológicos aumentam a cada dia, frustrados com o serviço de alto risco e a ausência de reconhecimento da sociedade. Defensores públicos mostram desgaste por receber, diariamente, uma carga elevada de problemas, às vezes insolúveis. Agentes do Ministério Público mostram-se insatisfeitos com os resultados de seu trabalho. Magistrados frustram-se com um sistema que lhes impõem uma interminável carga de trabalho, sendo grande o número de depressivos, inclusive com dois suicídios recentes (Paraná e Minas Gerais).

Mas é preciso evitar cair nessa situação, fugir do pessimismo contagiante. E a primeira medida é lembrar o alerta do psicanalista Augusto Cury, para quem “mais de 90% das nossas preocupações sobre o futuro não se materializarão. E os outros 10% ocorrerão de maneira diferente da que desenhamos”3. Portanto, não corresponde à realidade imaginar que o futuro será ruim.

Em seguida, afastar a ideia de que o passado era um paraíso. A vida, de diferentes formas, nunca foi fácil. Por exemplo, se nos anos 60 a violência era menor, as discriminações eram maiores. A uma mulher não era dada a possibilidade de ser juíza de Direito, era reprovação na certa. Outro exemplo, o estágio. Enquanto hoje a lei regula o número máximo de horas, férias e outros direitos, no meu caso eram oito horas de trabalho diário, de paletó e gravata, recebendo meio salário mínimo de remuneração, sem vale transporte ou alimentação.

Os que se acham em carreiras públicas, por vezes inconformados com alguma decepção momentânea, devem focar o que possuem a seu favor. O primeiro fator é a estabilidade. Em um país de economia paralisada, com comerciantes fechando suas portas a cada dia, o sustento assegurado ao fim do mês é algo que precisa ser valorizado. É verdade que em um ou outro estado há atraso no pagamento dos vencimentos. Mas essa é uma fase que se espera seja superada, e a eleição para governador e deputado estadual é o exato momento.

Outras vezes o problema é o local da lotação. O jovem procurador regional da República ingressou no MPF certo de que influenciaria grandes decisões constitucionais e acaba passando o tempo em pareceres e sessões que discutem ações previdenciárias idênticas. Nesse e nos casos semelhantes é oportuno que se tente transferência e, se ela demora, que se olhe para o que há de positivo no local e na função.

Se a defensora pública se cansa pela energia negativa dos reclamantes, é preciso pensar que, para aquelas pessoas, algo simples como retificar erro material na certidão de nascimento pode ser o que mudará para melhor suas vidas.

A advocacia costuma exigir pelo menos dois anos para se impor no mercado. E não faltarão motivos para desanimar. Um cliente ganha, mas não paga, ou uma liminar tida como certa é negada. Encarar obstáculos como aprendizado é uma boa tática para espantar o desalento. Ser enganado pelo sócio do escritório é uma ótima oportunidade para se precaver em outros contratos. Aos que iniciam em grandes escritórios, levar uma reprimenda do chefe pode ser muito bom para corrigir um defeito.

A magistratura, com o tempo poderá se revelar frustrante. A cada decisão surgem mais cinco conclusões à espera. E algumas matérias são repetitivas, não despertam nenhuma satisfação. Então este é um bom momento para iniciar uma atividade extra, seja ligada ao trabalho (um curso de mestrado) ou simplesmente lúdica. Conviver com pessoas de fora do Judiciário é ótimo para ouvir outra forma de pensar e reagir.

Em qualquer idade ou profissão, do estagiário ao mais elevado posto do Judiciário, fazer amizades, cercar-se de pessoas positivas, procurar antigos amigos da turma de faculdade, visitar aquele professor que foi mais atencioso são medidas acertadas para evitar a depressão.

Aos que se aposentam, o cuidado é redobrado. Cedo perceberão que a perda do cargo ou a posição importante em um escritório significará queda nos convites e até na forma de tratamento. O pomposo título de desembargador poderá ser substituído por “seu João” pelo novo empregado do condomínio. Encarar isso como parte da vida, ver o lado cômico da situação, interessar-se por outras atividades (por exemplo, atuando como conciliador) são hipóteses a serem consideradas.

Mas a depressão não é um problema apenas do portador. Família e amigos são essenciais. Os que nunca tiveram depressão tendem a desconsiderar o fato. É um erro. O depressivo sofre muito e sair de tal estado de espírito nem sempre é fácil. Qualquer ajuda será valiosa.

Visitas, convites, um simples telefonema, uma mensagem eletrônica podem ser decisivos. É preciso tentar, com todas as forças, tirar o depressivo do isolamento, mostrar-lhe outras oportunidades da existência.

Em suma, é necessário olhar o que a vida oferece e crer que o futuro não é necessariamente sombrio. A partir de tal postura, com certeza, as oportunidades se abrirão, a alegria e a cordialidade com outros retornarão na mesma intensidade. E a depressão poderá ser, um dia, mera lembrança de uma fase ruim.


1 Depressão cresce no mundo, segundo OMS; Brasil tem maior prevalência da América Latina. Disponível em: https://g1.globo.com/bemestar/noticia/depressao-cresce-no-mundo-segundo-oms-brasil-tem-maior-prevalencia-da-america-latina.ghtml.
2 Brasil é o país mais depressivo da América Latina, diz OMS. Disponível em: https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-e-o-pais-que-mais-sofre-com-depressao-na-america-latina,70001676638.
3 Ansiedade. Como enfrentar o mal do século. Saraiva: São Paulo, 2014, p. 135.

 

VLADIMIR PASSOS DE FREITAS é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

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