Carla Reita Faria Leal e Waleska Piovan Martinazzo
Discriminar é distinguir, tratar desigualmente ou injustamente alguém ou um grupo de pessoas com base em preconceitos que podem ser motivados por sexo, orientação sexual, raça, religião, origem, entre outros.
O tema discriminação não é novo e sempre permeou as relações trabalhistas. Nas últimas décadas, no entanto, o surgimento da internet, o desenvolvimento do aprendizado profundo das máquinas e o fenômeno do big data revolucionaram muitos institutos jurídicos que adquiriram outra roupagem a partir de então.
Dentre estas mudanças, destaca-se o surgimento da discriminação algorítmica, ou discriminação digital, que é o uso das tecnologias advindas da Segunda Revolução Tecnológica para realizar tratamento preconceituoso de pessoas, que pode ser consciente, inconsciente, por meio de dados inseridos na programação ou até na concepção da máquina, como foi o caso dos assistentes virtuais, todos preponderantemente com vozes e representações femininas. Além do sexismo na atribuição da tarefa de assistente virtual apenas a mulheres, estas assistentes começaram a sofrer assédio em várias partes do mundo. Notando os casos de assédio, a UNESCO lançou campanha no início de 2020 contra esta conduta.
A discriminação algorítmica, portanto, está muito presente nas atuais relações de trabalho, pois os dados de grande parte dos trabalhadores encontram-se disponíveis nas redes sociais, podem ser acessados em várias tecnologias de informação e, em um mundo de superexposição, percebe-se que o próprio prejudicado é quem, na maioria das vezes, posta informações que poderão ser utilizadas contra si próprio.
Empregadores, assim, podem-se valer de tais informações para coletar dados a ponto de formar um complexo panorama da personalidade do seu empregado ou futuro empregado e, ainda, as informações coletadas, a depender de sua quantidade e disponibilidade, possibilitam projetar futuros comportamentos humanos, mas com base em critérios que nem sempre consideram as imprevisíveis variáveis do comportamento das pessoas.
Preocupante, igualmente, é a mácula que informações lançadas na internet podem causar na imagem e honra de pessoas, fazendo com que estas sequer consigam se inserir ou se recolocar no mercado de trabalho.
A simples e clara intenção de excluir trabalhadores de um setor ou empresa é chamada de discriminação direta ou intencional. Assim, esta forma de discriminação estaria presente nos dados coletados pelo criador do programa e inseridos pelo programador, com a intenção de excluir, de discriminar. Existem, no entanto, os chamados vieses, em que a finalidade discriminatória seria certa, mas poderia estar camuflada através de uma fachada “neutra” dos programas de computador.
No Brasil, a CRFB/88 e diversas leis trazem a proibição de condutas discriminatórias, como o art. 7º, XXXI, que se refere à não discriminação entre homens e mulheres no mercado de trabalho. Do mesmo modo, existe a proibição de distinção de salários ou critérios de admissão mais gravosos aos trabalhadores com deficiência no mesmo art. 7º, XXXI. A CLT, por sua vez, traz a proibição à discriminação por todo o seu texto, especialmente no art. 5º, art. 372 até 377, art. 461 e art. 510-B, V, tratando especialmente da necessidade de igualdade de tratamento entre os gêneros. O tema também foi alvo de Súmula 443 do Tribunal Superior do Trabalho, o qual acrescenta ao rol de critérios discriminatórios o fato de portar o vírus HIV ou de possuir doença grave que suscite estigma ou preconceito. Reforça-se, por conseguinte, que o rol de critérios de discriminação trazidos pelas leis e pela Súmula acima mencionada não é exaustivo, cabendo a integração pelo intérprete, ao se deparar com o surgimento de novas formas de discriminação.
Especificamente quanto à discriminação algorítmica, há projetos de lei que visam torná-la um ilícito, mas que ainda não passaram por todo o processo legislativo para sua sanção e publicação.
Considerando a legislação que se encontra fora da seara do direito do trabalho, destaca-se artigo interessante da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), a Lei 13.709/2008, que traz em seu art. 20 o ditame de que o titular de dados tem direito a solicitar a revisão, por pessoa natural, de decisões tomadas unicamente com base em tratamento automatizado de dados em relação a sua pessoa, o que pode ser aplicado, sem dúvidas, à seara das relações de trabalho.
O artigo em questão visa impedir que dados pessoais sejam utilizados sem critérios, prejudicando a imagem e honra do usuário da tecnologia da informação. A aplicação de tal artigo, no entanto, é precária, pois o usuário da tecnologia por muitas vezes sequer imagina que seus dados são tratados de forma ampla, incongruente e discriminatória. Quando descobre tal situação, os cidadãos que procuram repelir as condutas descritas no art. 20 esbarram no não cumprimento das normas por parte do controlador e operador do tratamento dos dados, nem mesmo quando emanadas de autoridade judiciária.
Assim, a despeito de ser tema preocupante e muito corriqueiro, a discriminação algorítmica ainda necessita ser mais debatida para ser eficientemente combatida e para que tenhamos a devida proteção dos dados dos trabalhadores-usuários das tecnologias de informação.
*Carla Reita Faria Leal e Waleska M. Piovan Martinazzo são integrantes do Grupo de Pesquisa sobre o meio ambiente do trabalho da UFMT, o GPMAT.
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