ANTÔNIO CARLOS
Em junho, quando a Procuradoria-Geral da República pediu a prisão do ex-presidente José Sarney, de pronto toda a comunidade jurídica constatou que era um absurdo. A prisão foi negada, mas a divulgação do pedido causou enormes dissabores. A quem interessava aquele vazamento?
Como o pedido era inepto, alguém resolveu vazá-lo não apenas para constranger mas para tentar transformá-lo em fato consumado. Em nome de Sarney, protocolei duas petições: uma para apurar se algum agente público teria ajudado naquela gravação criminosa e covarde feita pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, base para o pedido de prisão do ex-presidente; outra para pedir que se apurasse o vazamento criminoso.
Não sabemos se alguma medida foi tomada. Agora surge este novo vazamento, também criminoso, de um suposto anexo de delação premiada, que visa nitidamente constranger o ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli e, de forma mais ampla, o Poder Judiciário.
A revista Veja, que divulgou no fim de semana a informação de que Toffoli foi mencionado em delação premiada do empreiteiro Léo Pinheiro, afirmou, após ouvir advogados, ex-ministros e procuradores, que o suposto conteúdo não permite crer na existência de indícios de delito.
Esperemos que essa ousadia encontre limite na independência e na soberania do juiz, seja ele de primeiro grau ou da mais alta corte do país
Qual a razão, portanto, de existir um anexo no qual não há indicativo de conduta ilícita? Apenas constranger, ser vazado, criar um fato consumado. A Procuradoria-Geral da República possui condições de apurar quantas e quais pessoas tiveram acesso ao documento, já que tais fatos são sigilosos e devem estar na órbita de poucos. E mais: se não há indícios de crime, pode ter havido eventual abuso de autoridade na lavratura do mencionado anexo.
A quem interessa vazar que o ministro Toffoli teria sido citado em um anexo de delação premiada, ainda que sem nenhum tipo de irregularidade? É fundamental saber se o nome do ministro apareceu espontaneamente no relato.
Corre uma história de que alguns investigadores, não raro, pedem para que sejam mencionadas pessoas do Poder Judiciário em depoimentos, como condição para a celebração de acordos. Será mesmo que existe esse direcionamento criminoso para tentar atacar e enfraquecer nossos juízes? Seria um escândalo.
A Procuradoria-Geral da República suspendeu a delação de Léo Pinheiro, ex-presidente da empreiteira OAS. Isso passará a valer para todas as delações que foram vazadas? É incompreensível imputar a responsabilidade da divulgação à defesa, pois é justamente a ela que menos interessa tal coisa.
Todos queremos o enfrentamento da corrupção, mas, se o fizermos sem o respeito às garantias constitucionais, sairemos deste embate como um país punitivo e obscurantista. Só o respeito à Constituição garantirá um futuro melhor.
O país inteiro merece saber como se dão esses vazamentos. São dirigidos, criminosos, visam impedir a independência do Poder Judiciário, inibir os juízes. Antes atingiam políticos e empresários; agora seus autores perderam completamente a vergonha — como diria Nelson Rodrigues, os idiotas perderam a modéstia — e ousam encurralar um ministro da Suprema Corte.
Esperemos que essa ousadia encontre limite na independência e na soberania do juiz, seja ele de primeiro grau ou da mais alta corte do país. Nós, advogados, continuaremos a acompanhar e, se for o caso, a denunciar os abusos.
É sempre bom lembrar Bertolt Brecht e seu poema "Os Medos do Regime": "Um estrangeiro, voltando de uma viagem ao Terceiro Reich,/ Ao ser perguntado quem realmente governava lá, respondeu/ O medo". "Por que temem tanto a palavra clara?", pergunta-se Brecht.
ANTONIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO é advogado criminalista.
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