PAULO FABRINNY MEDEIROS
As similaridades entre as operações Arca de Noé e Ararath são inegáveis e saltam aos olhos. Um excelente observador, e habilidoso articulista, recentemente escreveu um artigo onde chama a atenção para o fato de que o monte Ararath foi onde a Arca de Noé atracou após o dilúvio.
Com isso é forçoso concluir que uma seja a continuidade da outra, visto que, ao que parece e é divulgado, o “esquema” é exatamente igual tanto na primeira quanto na segunda, alterando-se apenas alguns, mas não todos, os integrantes do “núcleo político” e do “núcleo financeiro”. Mas as identificações não param por aí.
Aqueles que viveram intensamente a operação Arca de Noé, como eu, ou aqueles que conseguem se lembrar de um episódio tão marcante para a sociedade mato-grossense, certamente se recordaram que a deflagração da Arca de Noé iniciou-se com uma entrevista concedida ao Fantástico por uma testemunha anônima. Poucos dias depois os mandatos de prisões e buscas e apreensões seriam cumpridos.
A imprensa logo começou a tratar essa testemunha como “Sombra”, porquanto apenas a sombra de uma pessoa era visível na referida entrevista. O entrevistado narrou uma série de atividades ilícitas capitaneadas por João Arcanjo Ribeiro e a participação de membros do Executivo, Legislativo e Judiciário nas falcatruas.
Ao ter acesso ao depoimento formal prestado por essa testemunha, pude constatar o quão fantasiosa erra sua narrativa. Ali se materializavam todas as notícias e especulações que matérias jornalísticas já levantavam meses antes. Assim, tudo que era uma suspeita ou uma linha de investigação das autoridades – e amplamente divulgado pela imprensa – passou a ser uma verdade incontestável através daquele depoimento.
O Sombra, guarda-noturno na casa do então Sargento Jesus, impressionantemente estava presente em todos os episódios em que João Arcanjo Ribeiro era investigado. Funcionava mais ou menos assim: suspeitava-se que alguém morreu a mando de João Arcanjo... o Sombra participou da reunião onde a morte foi pretensamente tramada; suspeitava-se que um deputado foi buscar dinheiro na factoring de João Arcanjo... o Sombra estava presente no ato da entrega do dinheiro. E por aí vai.
As histórias eram tão incríveis, como já dito, que eu e o jornalista José Roberto Amador (Bebeto), não me lembro ao certo qual dos dois, apelidamos o Sombra de “Forrest Gump”, numa referência ao personagem de Tom Hanks que contava uma estória de como estava presente em todos os importantes momentos históricos da sua geração.
O “Forrest Gump” foi ouvido apenas uma única vez em juízo e nessa ocasião começou a enumerar as pessoas que frequentavam a casa do Sargento Jesus. O rol era extenso e em boa parte improvável: políticos, empresários, lideranças sociais, pistoleiros, etc. Um advogado, marotamente, perguntou se membros da Igreja também se faziam presente na casa do Sargento Jesus.
Antes que o “Forrest Gump” respondesse ao questionamento, o Juiz (um dos mais brilhantes e justos deste Estado) interviu e repreendeu a testemunha em tom de brincadeira: “Se o senhor falar que o Papa esteve na casa do Sargento Jesus eu vou mandar lhe prender!”. A gargalhada foi geral. Ninguém se conteve. A descontração foi tanta que um policial federal que fazia a segurança da audiência pediu a palavra e disse: “Excelência, eu acompanhei o Papa desde o momento em que ele saiu do avião, até o momento em que ele embarcou e posso garantir que ele não foi à casa do Sargento Jesus!”. Mais risos.
Conto essa passagem para alertar o leitor o quão perigosos são os depoimentos de testemunhas (ou mesmo de delatores). Muitas vezes eles são manipulados e/ou fruto de interesses. O “Forrest Gump” jamais foi ouvido novamente, mas sabe-se que ele prestou depoimentos no caso da morte do prefeito Celso Daniel e contra o ex-presidente da Assembleia do Espírito Santo, José Carlos Gratz. Aliás, lembrei-me que no depoimento a Justiça Federal restou consignado que o “Forrest Gump”, segundo suas palavras, salvou a vida do Presidente Collor durante a Eco-92, posto que se colocou entre um tiro disparado e o então presidente, tendo sido alvejado na cabeça. Eu perguntei a um Procurador na época, como ele tinha coragem de usar um “doido” daqueles como testemunha e obtive a seguinte resposta: “O que importa é que o depoimento dele serviu para conseguir os mandados de prisão e buscas e apreensões.”
Também as investigações da Operação Ararath tiveram início através de um depoimento prestado pela ex-esposa de um então investigado, hoje delator. Em recentes entrevistas e manifestações públicas essa testemunha tenta vincular ao “esquema” da Operação Ararath o Senador Jayme Campos, em particular, e a Família Campos, em geral. Oras, não estão a Polícia Federal e o Ministério Público Federal investigando todo esse “esquema” desde 2011? Seria impossível que o nome do Senador, caso ele tivesse qualquer envolvimento com esse “esquema”, não aparecesse nas interceptações telefônicas, mesmo que através de conversas de terceiros.
Quando sobrevém uma acusação dessas, resta maculada a própria lisura da investigação como um todo. A quem se ofende não é ao Senador e sua família, mas sim à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal que estariam protegendo e objetivando interesses outros.
Portanto, devemos ter muito cuidado com o quê dizem as testemunhas. Não é novidade para ninguém que a testemunha da Operação Ararath em questão, terminou seu casamento com o delator e, por sua vez, este se casou com uma integrante da família Campos. Talvez resida aí a motivação das acusações dirigidas ao Senador e sua família, não respaldadas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal. Certamente “dor de cotovelo”, para não usar uma expressão melhor, porém, mais reles.
Acompanhemos o desenrolar dos fatos e vejamos se a história do “Forrest Gump” se repete também na Operação Ararath, pois, afinal, os mandatos já foram cumpridos.
Paulo Fabrinny Medeiros é advogado
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