CLÁUDIO LAMACHIA
Neste período tão conturbado da história brasileira, cabe à sociedade civil organizada propor soluções para a superação da crise. Isso significa que aqueles que se propõem a ser a voz de segmentos da sociedade, desvinculados de partidos políticos, precisam atuar de maneira crítica, mas sempre dentro da lei e prezando para que as instituições da República não sejam deturpadas de forma casuística nos momentos de dificuldade. É preciso união e entendimento.
É no mínimo estranho que o presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), nos últimos tempos, esteja usando o cargo que ainda ocupa para, sistematicamente, promover ataques levianos e inverídicos à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entidade que defende com todos seus recursos a existência de uma magistratura independente.
De saída da função após ser derrotado nas eleições de sua instituição, o presidente da AMB parece querer alimentar animosidade entre os integrantes da comunidade jurídica, prestando grande desserviço ao país. Uma rápida análise dos fatos recentes mostra que o novo artigo publicado por ele neste espaço está errado ao associar a OAB a manobras que têm como objetivo criminalizar juízes.
A OAB tem manifestado sua discordância com qualquer tentativa de criminalizar decisões judiciais. Foi assim que se manifestou, recentemente, em parecer de sua comissão de estudos constitucionais a respeito de proposta constante da lei 4.680/2016. Não é admissível que, a pretexto de evitar o abuso de autoridade, seja cerceado o poder jurisdicional ou a atividade de órgãos essenciais à administração da Justiça. Isso implicaria em aceitar a instituição de um crime de hermenêutica, o que a consciência jurídica do país repele desde Rui Barbosa.
Tão importante quanto o respeito às prerrogativas dos advogados é a preservação da liberdade de agir, no estrito cumprimento do seu dever, dos agentes públicos incumbidos da tutela da ordem jurídica.
A OAB – maior entidade civil do país, com mais de 1 milhão de inscritos – pediu formalmente ao STF e à Câmara dos Deputados o afastamento de Eduardo Cunha quando ele representava uma ameaça aos trabalhos da Justiça, do Ministério Público e da Polícia Federal na Operação Lava Jato. Naquele momento, em que Cunha ainda era gigante e poderoso, poucos se levantaram ativamente contra ele no plano institucional. Depois, já fragilizado, houve uma multidão de entidades pedindo sua queda.
Agora, a OAB foi a primeira entidade civil a se manifestar pelo afastamento de Renan Calheiros da Presidência do Senado. Não é feito juízo sobre a culpa do senador, mas sim uma defesa da instituição que ele representa, que não pode ser prejudicada pelo fato de seu presidente se tornar réu em processo criminal.
Esses episódios foram totalmente coerentes com a história da Ordem. Nos anos mais sombrios da recente história do país, marcados pela ditadura militar, a entidade representativa da advocacia fez forte oposição às crueldades do regime e ao desrespeito de direitos fundamentais perpetrados por agentes do Estado. Coube à Ordem dos Advogados desempenhar papel relevante na defesa da existência do Ministério Público e do Poder Judiciário livres de pressões políticas e de arbítrios dos poderosos. E, depois, todas as instituições caminharam juntas na defesa da democracia e das conquistas da Constituição de 1988.
No momento atual, desvinculada de interesses políticos e partidários, a OAB usa as armas de que dispõe – pressão social e ações judiciais, quando cabíveis – para se contrapor a abusos e ameaças contra os direitos e garantias dos indivíduos. Para isso, alia-se sempre às demais instituições da República, mas não se furta a fazer as críticas necessárias, quando preciso.
Uma das críticas sustentadas pela OAB nos últimos meses é contra medidas inconstitucionais que exterminam a proteção legal dos direitos de brasileiras e brasileiros. Por exemplo: graças à intervenção da OAB, foram retirados do projeto que tramita no Congresso os artigos que restringiam a utilização do Habeas Corpus e o uso de provas produzidas por meio ilícito para incriminar as pessoas. Não se combate a corrupção cometendo crimes.
Diferentemente do que foi escrito pelo presidente da AMB, a OAB já se pronunciou contra potenciais recuos nas ações de combate à corrupção. Partiu da OAB, inclusive, há anos, a proposta de criar uma lei que tipifique o crime de caixa 2, que pode virar realidade agora. Também teve a OAB participação fundamental na aprovação da Lei da Ficha Limpa, assim como foi autora da ação que resultou, no STF, na proibição de doações por empresas para campanhas eleitorais.
A OAB atua para dar efetividade às leis. Por isso, cobra e trabalha para que sejam preenchidos buracos ainda existentes no arcabouço legal, como a inexistência de punições contra quem incorrer em determinadas condutas já proibidas. É o caso, por exemplo, de grampos ilegais em conversas entre advogados e clientes e a proibição de comunicações pessoais e reservadas quando os clientes estão presos.
Será que a OAB não tem essa obrigação de buscar uma pena para o descumprimento de garantias constitucionais de tamanho relevo? Aliás, a criação da pena, defendida pela Ordem, em caso de descumprimento da lei, não é benefício para o advogado, mas sim garantia para o cidadão, inclusive para os magistrados e membros do Ministério Público, quando precisarem defender seus direitos em juízo ou de advogados como assistentes de acusação.
A inviolabilidade das comunicações entre advogados e clientes e o direito de falar reservadamente são protegidos pela Constituição, mas, infelizmente, têm sido violados sistematicamente no Brasil graças à impunidade, prejudicando de modo irreparável o direito do cidadão. A Ordem dos Advogados defende que seja estabelecida a punição correta para esse desvio, que tem por função o combate ao descumprimento da lei.
Não se pode confundir o necessário combate a abusos com violações ilegais e reprováveis às prerrogativas necessárias para o bom desempenho das funções da magistratura e do Ministério Público. Quando tece esse tipo de associação falsa, o presidente da AMB presta desserviço à comunidade jurídica, estimulando uma falsa animosidade. Em diversas oportunidades os representantes da advocacia se pronunciaram contra constrangimentos ao trabalho do MP e da Justiça.
Claudio Lamachia é advogado e presidente nacional da OAB.
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