FERNANDO TURI
A conciliação como instrumento de garantia de pacificação social e efetividade do acesso à justiça
A pacificação social com justiça é o escopo maior da jurisdição e, por consequência, de todo o sistema processual, que é visto como a disciplina jurídica da jurisdição e seu exercício. É um escopo social, na medida em que se relaciona com o resultado do exercício da jurisdição perante a sociedade.
A experiência diária no cotidiano forense mostra-nos que, por vezes, nem a melhor sentença tem maior valor que o mais singelo dos acordos.
Cândido Rangel Dinamarco assevera que:
”não basta alargar o âmbito de pessoas e causas capazes de ingressar em juízo, sendo também indispensável aprimorar internamente a ordem processual, habilitando-a a oferecer resultados úteis e satisfatórios aos que se valem do processo. Um eficiente trabalho de aprimoramento deve pautar-se pelo trinômio( qualidade dos serviços jurisdicionais, à tempestividade da tutela ministrada mediante o processo e à sua efetividade), não bastando que o processo produza decisões intrinsecamente justas e bem postas, mas tardias ou não traduzidas em resultados práticos desejáveis; nem sendo desejável uma tutela jurisdicional efetiva e rápida, quando injusta”.
Na visão da Juíza Federal, Taís Schilling Ferraz :
“A jurisdição, enquanto atividade meramente substitutiva, dirime o litígio, do ponto de vista dos seus efeitos jurídicos, mas na imensa maioria das vezes, ao contrário de eliminar o conflito subjetivo entre as partes, o incrementa, gerando maior animosidade e, em grande escala, transferência de responsabilidades pela derrota judicial: a parte vencida dificilmente reconhece que seu direito não era melhor que o da outra, e, não raro, credita ao Poder Judiciário a responsabilidade pelo revés em suas expectativas”.
O vencido dificilmente é convencido pela sentença e o ressentimento, decorrente do julgamento, fomenta novas lides, em um círculo vicioso. Na conciliação, diferentemente, não existem vencedores nem perdedores. São as partes que constroem a solução para os próprios problemas, tornando-se responsáveis pelos compromissos que assumem, resgatando, tanto quanto possível, a capacidade de relacionamento.
O Professor Leonardo Greco alerta para o fato de que “muitos direitos se perdem porque seus titulares não estão dispostos a lutar por eles, conscientes de que nenhum proveito concreto lhes trará a proteção judiciária tardia, ou, até, de que os ônus e sofrimentos da perseguição do direito sobrepujarão o beneficio de sua conquista” e diz ainda que “mais do que em países ricos, acesso a justiça dependerá, em grande parte, da estruturação e fortalecimento de várias modalidades de tutela jurisdicional diferenciada”.
De acordo com o Desembargador aposentado do TJ/SP, Kazuo Watanabe :
“O grande obstáculo, no Brasil, à utilização mais intensa da conciliação , da mediação e de outro meios alternativos de resolução de conflitos, está na formação acadêmica dos nossos operadores de Direito, que é voltada, fundamentalmente, para a solução contenciosa e adjudicada dos conflitos de interesses. Vale dizer toda ênfase é dada à solução dos conflitos por meio de processo judicial, onde é proferida uma sentença, que constitui a solução imperativa dada pelo juiz como representante dos Estado. É esse o modelo ensinado em todas as Faculdades de Direito do Brasil. Quase nenhuma faculdade oferece aos alunos, em nível de graduação, disciplinas voltadas à solução não-contenciosa dos conflitos”.
A Ministra do Supremo Tribunal Federal, Cármem Lúcia, em entrevista para o Jornal Televisivo Globo News, na data de 18/04/2012, disse categoricamente que “as Universidades de Direito tem ensinado aos alunos a litigarem, ao invés de incentivá-los a buscar meios de conciliação, a fim de mudar a cultura de litigiosidade”.
É preciso conciliar e, além disso, é necessário por fim ao litígio, que muitas vezes continua após a resolução do conflito. Os meios alternativos de solução de conflitos têm como objetivos criar uma nova mentalidade, voltada à pacificação social; diminuir o tempo de duração do litígio; solucionar o problema de forma simplificada e informal e, além disso, desafogar o Judiciário, agilizando o julgamento dos feitos.
A conciliação muito mais do que mecanismo abreviador da tramitação processual ou mesmo de fomento a redução do estoque de processos, é instrumento inegável de pacificação social, na medida em que através do diálogo, da tolerância de opiniões entre as partes e de concessões recíprocas, restabelece relações sociais aquebrantadas.
A conciliação busca resgatar uma concepção positiva dos conflitos, que passam a ser vistos como oportunidades para diálogos construtivos, entendimentos mútuos e aprendizagem de formas mais harmoniosas e cooperativas de convivência humana .
O Juizado Especial, denominado de Pequenas Causas quando da edição da Lei 9099/95, frente a baixa complexidade das matérias que estariam no âmbito de sua esfera de competência (ações de até 20 salários mínimos), foi pensado para dissociar do excesso de formalismo e pragmatismo forense da Justiça Comum e viabilizar um novo modelo de prestação jurisdicional no país, sob o prisma da celeridade, simplicidade, reduzindo procedimentos formais, os prazos e as possibilidades recursais e, sobretudo, voltado a busca pela composição dos litigantes.
O que era para ser o oposto da realidade até então experimentada por todos aqueles que viessem a dependem do aparelhamento judiciário, redundou-se numa cópia quase que fiel da estrutura existente, na medida em que, segundo os dizeres do Ministro Gilmar Mendes, tornou-se ineficiente e moroso tanto quanto, já que tramita nos Juizados Especiais um terço de toda a tramitação do país. Os Juizados Especiais surgiram como alternativa a morosidade da justiça comum, tendo em seu núcleo central de estruturação, o incremento da conciliação, como alternativa à cultura de solução de conflitos através do contencioso judicial. Contudo, tal concepção não se materializou na prática como o esperado.
Diante da promessa de uma prestação jurisdicional mais célere e menos burocrática, os Juizados Especiais tão logo implementados nos Estados, sofreram uma enxurrada de ações, sem, entretanto, estarem preparados estruturalmente para tanto. Faltavam juízes, servidores e, sobretudo, preparação técnica para desenvolver um novo conceito de atividade jurisdicional. Os ideais pensados para uma justiça diferenciada, se esvaíram na medida em que permaneceram no contexto abstrato da norma, sem correspondência a dar-lhes efetividade no mundo prático.
Apesar de estimuladas pela legislação, as audiências de tentativa de conciliação acabam se transformando, na maioria das vezes, em instrumento de pouca ou nenhuma eficácia, em prol dos jurisdicionados. Muitas são as razões para que isso ocorra. Nos Juizados Especiais, na maioria das vezes, a tentativa de conciliação é presidida por conciliadores leigos, escolhidos dentre os estudantes de Direito e bacharéis que prestam serviço voluntário, na qualidade de estagiários ou colaboradores do Poder Judiciário .
Criados para desafogar o Judiciário, tornaram-se um dos seus maiores problemas, frente ao número alarmante de ações em curso. Idealizados para fomentar a prática da solução de conflitos por meio da conciliação, padecem de extrema litigiosidade, principalmente quando as demandas dizem respeito a danos morais e/ou materiais, em que os Reclamantes, instigados por sentenças concessivas de indenizações, muitas vezes irrazoáveis e frágeis tecnicamente, deixam de buscar a via conciliatória para, não importando o tempo transcorrido, aguardarem serem contemplados, já que numa visão atual, as ações indenizatórias transformam-se em verdadeiras fontes de ganhos extras.
Convém salientar, que em não raras ocasiões, diga-se de passagem, mais do que poderia se admitir, as audiências de conciliação afiguram-se como uma verdadeira perda de tempo, de pouca ou nenhuma utilidade ao processo e aos jurisdicionados, além de se constituir em um grave desrespeito às partes e aos próprios procuradores, que muitas vezes se deslocam de uma comarca à outra, em grandes distâncias, simplesmente para cumprirem uma formalidade, muitas vezes, em homenagem e respeito ao próprio Poder Judiciário, porém, sem nenhum resultado prático .
Não há que se falar em redução de processos tanto na justiça comum, quanto na especializada, sem a mudança do perfil de litigiosidade dos indivíduos, conduzindo-os a solução de seus conflitos antes mesmo de buscarem o Judiciário, não com o intuito de excluí-los da tutela jurisdicional salvaguardada pela Constituição, mas de conferir-lhes uma resolução à tempo e a hora, da maneira mais efetiva possível, entendendo efetividade sob o prisma da justeza da composição entabulada, de se evitar ao máximo o sentimento de perda ou derrotada entre os conflitantes.
Fernando Turi Marques Filho é advogado da OAB e assessor jurídico de conselheiro do TCE/MT.
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