MARCO ANTÔNIO DIAS
Cotidianamente, os meios de comunicação anunciam que alguém que esteja sendo acusado/investigado foi alvo de um mandado de condução coercitiva.
Principalmente, após a determinação de condução expedida em face do ex presidente Lula, o instituto do mandado de condução coercitiva tem se tornado algo deveras comentado.
O objetivo do presente artigo é responder, em uma linguagem clara e de forma sucinta alguns dos mais recorrentes questionamentos sobre o assunto, por exemplo: qual é a finalidade deste mandado ? quem pode expedi-lo ? qual sua natureza jurídica ? quando um sujeito é conduzido coercitivamente, na condição de investigado(acusado) ele tem obrigação de prestar esclarecimentos ? ou será que isso viola o direito de não produzir provas contra si mesmo (nemo tenetur detegere) previsto constitucionalmente?
A respeito da previsão legal, o mandado de condução coercitiva do investigado encontra-se previsto no Código de Processo Penal, em seu artigo 260, que assim prevê:
Art. 260. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença.
Parágrafo único. O mandado conterá, além da ordem de condução, os requisitos mencionados no art. 352, no que Ihe for aplicável.
Neste ponto, devemos nos atentar que, a redação do referido dispositivo legal, é originária do Código de Processo Penal que data da década de 40 (1942).
Tal informação se torna importante eis que o citado instrumento, criado perante a Constituição anterior, deve ser interpretado à luz da atual Constituição Federal Cidadã, o que significa que o operador do direito, ao aplicar o instituto da condução coercitiva, deve levar em consideração quem é autoridade responsável para o novo parâmetro constitucional, e, ainda, se atentar para o fato de que a nova ordem constitucional assegura a todos o direito de não produzir provar contra sí mesmo.
Por este mandado de condução coercitiva, o investigado (ou acusado) é privado de sua liberdade de locomoção pelo lapso temporal necessário para ser levado à presença da Polícia Judiciária (ou do Ministério Público) e participar de ato de investigação preliminar (ou ato processual penal), no qual sua presença seja considerada imprescindível.
Ou seja, o conduzido não será tecnicamente preso, não será objeto de prisão preventiva ou de prisão temporária, mas de certa forma terá sua liberdade de locomoção cerceada, eis que mesmo que seja por um lapso temporal curto, o investigado será privado de sua liberdade de locomoção.
Isto é, ainda que não queira fazê-lo de maneira espontânea o investigado será coercitivamente conduzido a uma delegacia de polícia (ou promotoria criminal) para fins de investigação (ou ato processual penal).
Neste prisma, questiona-se, qual seria a natureza jurídica do mandado de condução coercitiva?
Sobre o assunto, devemos recordar que além da prisão preventiva e da prisão temporária, o Código de Processo Penal, em seus artigos 319 e 320 prevê as medidas cautelares diversas da prisão sendo que naquele rol não consta a condução coercitiva do investigado, contudo, a doutrina majoritária aponta no sentido de considerar a condução coercitiva como uma medida cautelar de natureza pessoal.
Assim, não há como negar que o conduzido sofre restrições em sua liberdade de locomoção e isto é importante para que se discuta qual seria a autoridade competente para expedir esse mandado.
Nas lições da doutrina: “Em comparação com a prisão preventiva (ou temporária), há uma redução do grau de coerção da liberdade de locomoção do investigado (ou acusado), que fica restrita ao tempo estritamente necessário para a preservação das fontes de provas, não podendo persistir por lapso temporal superior a 24 horas (vinte e quatro) horas, hipótese em que assumiria, indevidamente, as vestes de verdadeira prisão cautelar”.
Portanto, quando comparado com a prisão preventiva ou temporária não há como negar que no mandado de condução coercitiva há uma menor restrição na liberdade de locomoção do sujeito.
A título de exemplo, citamos o caso ex presidente Lula que foi conduzido logo pela manhã e liberado, no mesmo dia, logo após prestar os esclarecimentos necessários.
No tocante à autoridade competente para expedir o mandado de condução coercitiva, novamente deve-se interpretar o art. 260 do Código de Processo Penal à luz da Constituição Federal que, em seu art. 5º, LXI dispõe que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária.
Assim, não se pode negar que em havendo uma restrição na liberdade do conduzido deve-se concluir que a autoridade a que faz referência o dispositivo legal será a autoridade judiciária e não autoridade policial (Reserva de Jurisdição).
Uma das discussões mais interessantes sobre o assunto surge em relação ao mandado de condução coercitiva do investigado e o direito de não produzir provas contra si mesmo, previsto constitucionalmente.
Conforme visto, certo é que a legislação permite a condução coercitiva do investigado, contudo, não se pode perder de vista que a Constituição Federal assegura em seu artigo 5º, LXII, dentre outros, o direito ao silêncio.
Aliás, a Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 8, 2, “g”) no mesmo sentido, dispõe que toda pessoa acusada de um delito tem o direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada.
Deste modo, compreende-se que, inobstante a condução se mostre obrigatória, a prestação de esclarecimentos se faz facultativa, isto é, o sujeito não pode se furtar à obrigação de comparecer perante a autoridade, entretanto, lhe é constitucionalmente autorizado não responder as perguntas que lhe são direcionadas.
Por fim, observamos que apesar de o tema não ser nenhuma novidade em nosso ordenamento jurídico, tem sido pouco trabalhado pela doutrina processualista penal que em sua maioria tece ácidas críticas não ao instituto em si, mas sim pelo modo como estão sendo utilizados os mandados de condução coercitiva que, na maioria dos casos, tem sido adotado como forma de causar clamor social, sem que se dê a anterior oportunidade para que o acusado compareça em juízo, a fim de prestar os esclarecimentos necessários.
MARCO ANTONIO DIAS FILHO é advogado criminalista e professor de Direito Processual penal em Cuiabá.
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