CHRISTIANE BATISTA
Esta semana me assustei sobremaneira com o disparate de duas notícias, com suas respectivas imagens. Logo na segunda, flagrei na tela a foto do atual prefeito cuiabano sapateando ao lado de uma bela passista. A partir da minha visão, um escárnio. Comemorava a contratação do enredo da Escola de Samba Mangueira pela nica de três milhões e seiscentos mil reais.
No dia seguinte, topei com a notícia da visita a ala pediátrica do Pronto-Socorro Municipal de Cuiabá, quando a juíza da Primeira Vara Especializada da Infância e Juventude de Cuiabá levou consigo representantes de entidades de classe, numa equipe multidisciplinar: Conselho Regional de Medicina; Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia; Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional; Conselho Regional de Enfermagem e Corpo de Bombeiros. O pedido da visita partiu dos médicos atuantes naquela unidade médica e segundo eles, as goteiras no prédio e o esgoto saindo pelas torneiras continuam, a enfermaria e os leitos de UTI neonatal e pediátrico foram desativados, tudo há um ano. Lidam ainda com a ausência de técnicos de manutenção dentro do prédio, entre outros grandes problemas. A ala pediátrica não existe no pronto-socorro municipal, entretanto, alas não faltarão na escola de samba em 2013.
E o desvario pode ser traduzido em espécie. De acordo com o orçamento apresentado pela Juíza, um leito de UTI neonatal custa duzentos e cinquenta mil reais. Para instalar dez leitos, o município gastaria cerca de dois milhões e meio, valor que ainda pode diminuir caso a prefeitura encontre um orçamento de custo menor. Porém, Inês é morta pois a prefeitura já encontrou um custo maior, o da Mangueira. Compreende o escárnio agora? Debaixo daqueles pés saltitantes da foto está a Constituição Federal Brasileira, aberta no artigo 227, onde se lê: “É dever ... do Estado assegurar à criança, ... com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, ... à dignidade, ao respeito, ... além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” Penso se fui a única pessoa a achar aquela imagem bizarra uma afronta. Me senti ultrajada e vilipendiada pois o município não me oferece absolutamente nada como cidadã pagadora de muitos e caros tributos. Então o filme passou na minha mente em um minuto: o vice, o titular, o abandono. Recordei-me a razão de nossa cidade estar como está. Não era para ele estar ali. Não foi eleito. Depois me senti órfã como cidadã pagadora de muitos e caros tributos. E pagadora de plano de saúde, mensalidades escolares, oficina do carro quebrado no buraco.
A dessemelhança em tela é surreal. Não sou ligada a grupos ou idealismos políticos, não levanto bandeiras nomenclaturadas. Não quero fazer campanha ou “descampanha” eleitoral, mesmo porque os próprios interessados as realizam, uma ou outra, como podemos notar. Apenas me resta, além de pagar muitos e caros tributos, refletir: temos, de um lado, a cara do atual pronto-socorro municipal enxovalhada com esgoto hospitalar, literalmente. Do outro lado, temos a coroa de Rei Momo, adornada de preciosidades e luxo, enlevada com samba. E no meio disso tudo, uma ponte chamada eleição. Vai aqui um conselho... atravesse com cuidado.
Christiane Batista - bacharel em Direito e acadêmica de Letras na UFMT. [email protected]
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