JOSÉ RICARDO COSTA MARQUES CORBELINO
Como já dito anteriormente em outras colunas deste conceituado site, certas práticas de investigação criminal em nosso país, revelam sem dúvida nenhuma a existência de um direito penal do medo, difundido por métodos de um processo penal do terror.
A audácia incontrolável de autoridades e de agentes públicos, que deviam proteger os direitos e as garantias individuais, está transformando os espaços da intimidade do cidadão em centrais reprodutoras da insegurança e na imagem de imensos e infinitos aquários de peixes.
Em histórica Resolução, o Conselho Nacional de Justiça CNJ já veio a aprovar critérios reguladores para procedimentos de interceptações telefônicas e de sistemas de informática e telemática, os quais vêm sendo manipulado criminosamente ao afrontar o espírito e a letra da Constituição.
Apesar da escorreita decisão, surgiram manifestações beligerantes de juízes paralelos, ancorados em veículos de comunicação social, e de alguns membros do Ministério Público, e da Polícia Federal, hostilizando publicamente a decisão. Há relações íntimas e melindrosas entre agentes públicos encarregados da apuração de crimes e núcleos da mídia sensacionalista para a propaganda e opressivas ações policiais, autorizadas por magistrados que fazem do imprudente arbítrio o norte de suas atuações.
Mais que a notícia do fato delituoso, o interesse estampado nas páginas da imprensa e nas imagens da TV é a condenação prévia de meros suspeitos ou simples indiciados, com a exposição de suas figuras para o anúncio da repressão do Estado e a catarse de milhões de telespectadores, como soe acontecer em recente episódio envolvendo o ilustre Magistrado Federal Dr. Julier Sebastião.
Esse malsinado tipo de justiçamento sumário, com ícone das algemas desnecessárias, restaura a marca de ferro quente, utilizada pelas Ordenações do Reino de Portugal, para apontar ladrões, abolidas há um século e meio pela Constituição do Império. Instrumento de terrorismo social surge à sacralização da escuta telefônica com a nova rainha das provas, em holocausto as garantias constitucionais e legais do acusado e que substitui a tortura corporal da antiguidade pela ameaça espiritual dos dias correntes. Os julgamentos do arbítrio fazem do julgamento antecipado o patíbulo para a decapitação da ordem jurídica.
Contra o insensato e temerário protesto em favor do abuso e da ilegalidade na extração da prova, ao argumento falacioso de que a Justiça favorece a impunidade, nada melhor que referir lições do presente e do passado. O mestre Figueiredo Dias ao tratar do princípio da verdade material, proclamou que no processo penal está em causa a procura de uma verdade que, “não sendo absoluta ou ontológica, há de ser antes de tudo uma verdade judicial, prática e, sobretudo, não uma verdade obtida a todo preço, mas processualmente válida”.
Órgãos do próprio Estado, responsável por garantir o direito de todos - estão provocando e disseminando a epidemia do medo, que se irradia para muito além do espaço das investigações criminais, alcançando os cenários da sociedade em geral, a pretexto de punir alguns possíveis culpados, mas invadindo a privacidade de milhões de inocentes. Contra esse paradoxo intolerável, todos os cidadãos, independente de origem profissional ou social, têm o dever de cumprir e fazer cumprir a Constituição e as leis do país, em defesa dos valores essenciais da vida coletiva e da dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos da República.
Nunca é demais ressaltar, entre os desafios enfrentados pelo Poder Judiciário brasileiro, em toda a sua história, penso que este é o mais relevante, porque caracteriza não somente a guarda da Constituição e a tutela das leis no Estado Democrático de Direito, como também mostra a resistência contra a encarnação ideológica da famigerada lei dos suspeitos e o surgimento de novos Comitês de Salvação Pública, de triste memória e lamentável frustração dos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade, divulgados pouco anos antes da Revolução Francesa, com a extraordinária e rediviva Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
Até quando, na plenitude da DEMOCRACIA assistiremos práticas odiosas revestidas de ilegalidade que mutilam o ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO?
O resultado disso, como não poderia deixar de ser, é a injustificável humilhação pública seguida da condenação antecipada do investigado pela sociedade, como se o processo fosse simples ato burocrático e mera formalidade.
Ou estamos no ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, a se evitar tudo isso, ou estamos num estado POLICIAL. Ou estamos numa DEMOCRACIA e vemos respeitada a CONSTITUIÇÃO FEDERAL e a própria LEI ou estamos numa anarquia própria DE REGIME DE EXCEÇÃO.
José Ricardo Costa Marques Corbelino é advogado, ex-procurador geral dos municípios de Santo Antonio de Leverger e Nossa Senhora do Livramento/MT e membro da atual comissão de Direitos Humanos da OAB-MT.
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