ANDRÉ LUIZ PRIETO
A Carta Política promulgada em 1988, e que esse ano completa 24 anos, instituiu em seu arcabouço um regime constitucional não só de pena, mas também de prisão, eis que essa modalidade de segregação pode ser mais drástica, traumática e vexatória que a própria sanção penal. E nesse regime, erigiu a liberdade provisória como um verdadeiro principio dentro do sistema das liberdades publicas, ao prescrever em seu artigo 5.o, inciso LXVI, que “ninguém será levado a prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança;”
Entretanto, o legislador infraconstitucional insistentemente tem editado normas que, de forma abstrata, proíbem aos indiciados e acusados em processos criminais de responderem em liberdade a tais imputações sob o manto da gravidade genérica de tais comportamentos. Foi assim que aconteceu com as Leis 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), 9.034/95 (Lei do Crime Organizado) e 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), que em seus artigos 21, 7.o e 2.o, inciso II (revogado), expressamente vedaram a possibilidade da obtenção de tal direito. Não obstante a resistência inicial da Suprema Corte brasileira, e ainda hoje de alguns juízes e tribunais, passou-se a firmar o entendimento de que esse óbice legal não se mostra compatível com os postulados fundamentais do atual regime estatal que vivemos, onde se prestigiou a presunção de não-culpabilidade, o devido processo legal, a inafastabilidade da jurisdição, entre outros princípios.
A Constituição da Republica vigente proclama a liberdade como regra, sendo a prisão medida de exceção. Tal vedação inverte essa regra, afastando a interpretação valorativa do julgador sobre a necessidade concreta da segregação, de acordo com o que o estatuído no art. 312 do CPP. Ao impedir que o julgador analise tal possibilidade, de forma aprioristica e genérica retira-se do juiz natural a oportunidade de exame e controle do caso concreto. Quando há uma ofensa a ordem vigente a reação jurídica das sociedades civilizadas não pode ser intuitiva, descomedida. Tampouco o processo penal condenatório poderá ser utilizado como instrumento arbitrário do Estado para que haja uma resposta penal imediata. Ao contrario, a reação deve ser ponderada, e o processo penal deve servir como garantia para o cidadão contra eventuais abusos no exercício do jus puniendi. E as prisões processuais, nesse contexto, independentemente de sua modalidade, somente serão cabíveis quando estiver presente a necessidade, a imprescindibilidade, sempre fundada em uma base empírica.
Sob essa ótica, o juiz, ao proibir a liberdade provisória com base apenas e tão-somente no art. 44, da Lei 11.343/2006, estará negando um direito fundamental do cidadão, que e o estado de inocência, de não-culpabilidade, pois estará impondo a este o cumprimento antecipado de uma pena que não se sabe se será efetivamente imposta ao suposto infrator da lei penal. Não há duvida, que a manutenção da vigência desse dispositivo legal em nosso ordenamento jurídico implica no retorno ao um passado histórico recente de um Estado autoritário e déspota, cujas reminiscências não nos e bem-vinda. Atento ao tema, e, sobretudo a sua importância para a república, para o nosso povo e para as Instituições, o Supremo Tribunal Federal, no ultimo dia 10/05/2012, no julgamento do HC 104.339-, relatado pelo Min. Gilmar Mendes, por maioria, reconhecendo a inconstitucionalidade incidenter tantun desse artigo de lei, concedeu em parte a ordem de habeas corpus para afastar o óbice legal, determinando ao juiz competente a apreciação dos demais requisitos para a obtenção da benesse.
Vale ressaltar, que ficou acentuado nesse julgamento, que a vedação a fiança prevista no art. 5.o, inciso XLIII, da CR/88, não impede a liberdade provisória, pois conforme mencionaram os Ministros Dias Toffoli e Cesar Peluso, ambos os institutos não se confundem e tampouco se excluem. Por outro lado, não há qualquer vedação constitucional a liberdade provisória, como se fez com a fiança. Frisaram ainda, que em todas as oportunidades que a Suprema Corte foi provocada a se manifestar sobre a atuação legislativa no sentido de vedar tal beneficio, a mesma repeliu, tendo sido lembrado os julgamentos da constitucionalidade dos artigos das leis já citadas, que tratavam do Estatuto do Desarmamento e da Lei que dispõe sobre as Organizações Criminosas. Realmente, não se pode obstaculizar ao juiz da causa o exercício do controle de legalidade sobre a prisão de quem se considera inocente, eis que e a ele que se deve competir a analise de sua concretude e toda a sua nuance, sob pena de termos uma verdadeira decretação de prisão legislativa e não judicial. Ademais, não podemos relegar que o individuo, para a CR/88, e uma realidade única, um universo a parte no microcosmo. Todo o instituto de direito penal e processual penal como a pena, a prisão, a progressão de regime penitenciário, a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, etc., deve exibir o timbre da personalização, razão pela qual não pode ser regulamentado de forma abstrata, como fez o legislador na hipótese do artigo 44, da Lei de Drogas.
Desta forma, se conclui que a Constituição Federal em vigor, no dizer do Min. Ricardo Lewandowsk, do STF, no julgamento citado, “... não permite prisão ex lege”, motivo pelo qual ao se manter ou decretar uma prisão antes de uma condenação definitiva, cumpre ao juiz o exame das condições pessoais do seu destinatário e não a natureza da infração penal, isoladamente, pois se não há obrigatoriedade legal de ordem de prisão quando o agente não e preso em flagrante, porque haveria obrigatoriedade de se manter uma prisão em flagrante, simplesmente porque a lei assim dispõe?
André Luiz Prieto - Defensor Público-Geral no Estado do Mato Grosso
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