RUI RAMOS RIBEIRO
Recentemente o Supremo Tribunal Federal, por força do disposto no artigo 146, parágrafo único do seu Regimento Interno (RE 596.152/SP), proclamou a decisão mais favorável ao recorrido, para manter intacta a eficácia contida no acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça (HC 101.125/SP).
Tratou-se de recurso extraordinário, manejado pelo Ministério Público Federal, em face da aplicação da minorante contida no artigo 33, parágrafo 4º da Lei de Drogas, ao autor do crime de tráfico de entorpecentes, praticado sob a vigência da ab-rogada Lei 6.368 de 1976.
Ao traficante beneficiado pela redução da pena, concedeu-se a substituição da privativa de liberdade por restritivas de direito, inclusive com alteração do respectivo regime de cumprimento da reclusão.
A lei prevê, não é retrospectiva, ou seja, deverá ser aplicada aos fatos materializados ao tempo da sua vigência, pois afinal ela é produto do momento histórico-cultural de determinada sociedade, portanto, inexistente no passado.
Assim, a lei nova em regra não retroage. Cabe obediência também ao princípio tempus regit actum. Mas, diante de outros de ordem política podem autorizar a retroatividade da lei mais benigna, como também a ultratividade da lei penal mais benéfica, mesmo que revogada.
A nossa Constituição Federal revela claramente que a lei não retroagirá, salvo para beneficiar o réu (art. 5º, XL). Dessa forma se a previsão contida na lei revogada for mais rigorosa do que a solução dada pela lei nova, as normas nascidas desta última, e assim reconhecidas, deverão cuidar daqueles fatos, mesmo quando o legislador sequer imaginasse a alteração que seria no futuro realizada.
A lei exterioriza a consciência jurídica geral e se reconhecida a injustiça pela gravidade do significado social com o tratamento superveniente menos severo, seja para qual crime for, mesmo para aqueles mais hediondos possíveis, não poderá o interprete recusar sua aplicação, nem mesmo sob o argumento de que ao combinar as regras mais benignas de dois sistemas legislativos diversos, estaria se formando uma terceira lei, pois estaria o Judiciário exercendo papel de legislador.
A questão deve mesmo ser deslocada do campo da lei para o campo da norma, não se reconhecendo a mesclagem de leis para se construir uma terceira, e sim, para a aceitação ou não de normas penais colidentes quanto aos respectivos comandos.
A benegnidade possui sua gênese na legislação infraconstitucional. Estará prevista na Matriz Penal ou na legislação extravagante, enquanto a retroação eficácial tem seu berço na Constituição da República Federativa do Brasil.
Como desde logo avisei, houve empate no Pretório Excelso. A conclusão foi formada, mas não está peremptoriamente aperfeiçoada, por óbvio.
Cabe então a nós, das instâncias inferiores aplicar com muita prudência a solução oriunda da nossa Corte Excelsa.
Não rara às vezes em que discutimos as falhas da lei de 1976. Faltava a distinção do tráfico ocasional, de ímpeto, realizado por pessoa sem antecedentes criminais, daquele “empresarial” e, parece que se pretendeu corrigir a imperfeição com a Lei 11.343/2006, impondo requisitos sim, mas para tratamento muito benevolente, com a devida vênia, ao fixar redução muito elástica, inclusive, a ponto de, em tese, evoluir para a descaracterização do recrudescimento pretendido.
RUI RAMOS RIBEIRO é desembargador, membro do Tribunal de Justiça e presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso
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