*MARCELO DANTAS RIBEIRO
Disse-nos Drummond que “os direitos dos homens são muitos, e raro o direito de gozar deles”. Como estagiário da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso, a cada atendimento observava esse aforismo se desgarrar das páginas do livro e se mesclar ao sangue suplicante do assistido. E deduzia que, se raro é o direito de gozar dos próprios direitos, mais raro ainda é o direito de conhecê-los.
No cabeçalho dos mandados de segurança, das ações de alimento e dos habeas corpus figurava a missão dessa nobre instituição que nasceu para contrapesar o vergonhoso ônus das desigualdades suportado por aqueles em situação de desamparo: “Promover assistência jurídica aos necessitados com excelência e efetivar a inclusão social, respaldada na ética e na moralidade”. Se, nas palavras da defensora pública Amélia S. da Rocha, “as pessoas em condição de vulnerabilidade suportam as maiores e mais graves violações de direitos humanos”, tem a Defensoria Pública cumprido sua missão institucional com excelência?
No noticiário mato-grossense, ao invés de se destacar pela nobreza de seu trabalho, a entidade se tornara manchete frequente em virtude de escândalos de corrupção, fraude e peculato envolvendo o então defensor público-geral André Luiz Prieto. Acompanhei de perto, em meados de 2013, essa fase crítica da Defensoria, que, em gravíssima crise, parecia estar sem defesa. Quem pagou o preço da improbidade foi justamente aquele sem recurso algum — o assistido.
O panorama atual da instituição é, no entanto, promissor. A rigidez na investigação das denúncias de corrupção tem sido acompanhada pela reestruturação da Defensoria, num plano que conta com a reativação de unidades no interior do estado, nomeação e posse de novos defensores e realização de concursos públicos para provimentos de cargos de nível médio e superior.
Dessa forma, a Defensoria retoma, aos poucos, seu papel na efetivação do acesso do hipossuficiente à Justiça — fundamento não apenas da nossa República, mas do Estado Democrático de Direito, podendo ser encarado, nas palavras de Cappeletti e Bryant, como “o mais básico dos direitos humanos de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos”.
Não se trata de prestar um favor ao necessitado. Pelo contrário: a Defensoria Pública materializa, com um atraso vexatório, a obrigação do Estado de viabilizar assistência judiciária a quem dela precisa e não dispõe de recursos para tal. Pois a Justiça custa — mas “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal).
Viabilizar, no entanto, não é sinônimo de efetivar. Se, como já nos disse Guimarães Rosa, “para o pobre, os lugares são mais longe”, qual tem sido o papel da Defensoria na efetivação do trajeto à Justiça, encurtando os caminhos da desigualdade e da miséria?
Em pleno estágio de judicialização de direitos básicos como educação e saúde, em que é preciso lançar mão de liminar para assegurar vaga de uma criança numa escola ou para obter uma cirurgia cardiovascular num hospital público, torna-se imperativo investigar como o Estado tem garantido prerrogativas constitucionais como a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais (art. 3º, inc III).
A invocação do Poder Judiciário tem amplificado o alcance do Direito, solidificado entidades do Sistema de Justiça e inserindo os agentes jurídicos na orbe político-social. Daí a relevância do estudo do acesso à Justiça: como ferramenta do cidadão na reivindicação de seus direitos, em especial o hipossuficiente.
Instalada efetivamente apenas em 1999, a Defensoria Pública do Estado se destaca, nesse quadro, como instrumento capaz de democratizar o acesso do necessitado ao sistema jurisdicional, tornando-a “um efetivo dever de tratar desigualmente pessoas economicamente desiguais”, e possibilitando “aos mais pobres a compensar a sua inferioridade material com a superioridade jurídica de um gratuito bater às portas do Poder Judiciário” (Min. Carlos Ayres Britto, em julgado do STF).
Tornar o raro direito um direito abundante. É esta a missão da Defensoria Pública.
Marcelo Dantas Ribeiro é estudante de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso e criador do projeto DIREITO UFMT 1957.
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