SEBASTIÃO CARLOS GOMES
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Com a impunidade, não. A impunidade impregna o tecido social e a consciência individual de uma impotência, de certo sentimento de inutilidade na luta pela justiça e de que não vale a pena esperar pela punição do criminoso. E assim se gera o estímulo a novos delitos.
O entendimento dessa realidade é tão antigo, que há mesmo um provérbio latino que diz que impunitas peccandi illecebra, ou, a impunidade estimula a delinquência.
A impunidade é um soco no estomago da sociedade e tem naturalmente várias faces. Há a impunidade pela certeza de que, cometendo o delito, pela categoria social que o indivíduo ocupa ele não irá receber a pena devida ou ela será tão leve que pena não será. Há a impunidade causada pela lentidão excessiva do Judiciário que, graças aos bons advogados que o dinheiro pode contratar, o processo judicial será postergado ao máximo, o que, não raro, levará à prescrição do delito.
Existe ainda aquela impunidade que consiste no não-cumprimento da pena, embora tendo sido formalmente condenado, o indivíduo se evade, isso mesmo que a mão do Estado pudesse tê-lo detido. Há a impunidade daquele que, embora condenado, recebe pena que mais parece prêmio. É o caso, por exemplo, da pena aplicada sobre o juiz que, afastado da magistratura por graves delitos, é mandado para casa com todos os direitos de uma boa aposentadoria.
Enfim, independente de ser considerada em seu aspecto objetivo (técnico) ou subjetivo (ligado a impressões individuais) a impunidade é elemento altamente desagregador da vida em sociedade. Seja por ineficiência do sistema penal, seja por elementos de ordem sociológica e política, a impunidade se revela um fator de destruição da confiança na democracia e num modo de vida de respeito aos direitos coletivos e individuais.
É elementar dizer que a lei penal, desde os seus primórdios, foi criada para tutelar bens jurídicos considerados importantes, e, em troca, a sociedade abriu mão da vingança privada, transferindo para o Estado o poder de equacionar os seus diferentes conflitos de interesses.
Quando, por qualquer razão ou razão nenhuma, a ação de um indivíduo contraria princípios legais harmonicamente aceitos e sobre ele não recai sanção, ou apenas sanção insignificante, cria-se evidentemente uma situação de desestímulo à harmonia social. Essa afronta pode tanto estimular o cometimento de delitos iguais ou maiores ou desaguar numa rebelião social sem controle.
Mas, repito, a questão não está nas leis que temos, está antes na sua aplicação. A propósito, dos inúmeros casos de corrupção, para só ficar nesse tipo de delito, que foram denunciados nos últimos dez anos, quantos de seus autores estão na cadeia ou mesmo que devolveram o que roubaram do Erário? Nos últimos tempos, a cada semana, um pavoroso escândalo surge, mas e a punição? É esta sensação de impunidade que pode nos conduzir ao desespero social.
Uma das consequências mais imediatas desse sentimento generalizado de impunidade pode ser expresso da seguinte forma: "se fulano fez isso e nada lhe aconteceu, eu também posso". Certamente é por isso que, embora esteja havendo tanta denúncia de corrupção e malfeitorias, elas continuam sendo praticadas de igual modo.
É preciso, mais uma vez, dar razão ao Marquês de Maricá para quem "a impunidade é segura, quando a cumplicidade é geral". Estamos denunciando a corrupção, mas é preciso denunciar de igual modo a impunidade. É imperioso mostrar a cada passo a cara dos corruptos impunes. E igualmente condenar os que estão sendo cúmplices dessa impunidade.
SEBASTIÃO CARLOS GOMES DE CARVALHO é advogado e historiador. É membro do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional (SP).
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